segunda-feira, junho 12, 2006

Carta ao Amigo...


Imagem daqui


Olá, Amigo, resolvi escrever-te
só para dizer que não há nada de novo.

Olha, saí, meti-me no carro
e chegando ao semáforo seguinte
vi o mesmo pedinte
com que há anos deparo.
Dei-lhe uma moeda de vinte.

Na fila de trânsito,
vi as mesmas caras agressivas
por dentro dos vidros embaciados.
Sorrisos não vi, nem expressões vivas:
só olhares cansados.

Também quis entrar no café,
mas era tal a fumaça lá dentro
que achei melhor adiar o momento
e fugi dali a sete pés.

Deu-me para comprar o jornal,
mas também não sei para quê:
já ontem, na TV, disseram tudo igual.

Parece que o principal
é que caiu um avião no Mar do Norte.
Mas olha, tiveram sorte:
dos noventa só morreram vinte e tal,
incluindo um doente de Sida, por sinal,
a quem já tinham lido a sentença de morte.

Os pais do rapaz até deram graças
por ele ir de repente
e não o verem mais pela casa
a morrer lentamente.
Das famílias dos outros vinte e tal
é que não sei o que disseram,
não vinha no jornal,
talvez não tenha sido tão sensacional.

Como vês, vai tudo normal.

Passei ali pelos arredores
e lá estavam os arrumadores
à porta do Centro Comercial
a arrumarem os senhores doutores.
Também estavam uns ciganos vendedores
discutindo com eles um espaço vital
para estenderem no chão uns cobertores
onde exporem o material.
Mas apareceu um carro da polícia
e debandaram todos por igual.

Enfim, virão tempos melhores.

De saúde, olha, vou assim-assim,
uns dias pior, outros menos mal.
Que se há-de fazer? É fatal.

E assim cheguei ao fim.
Como vês, não há nada de especial.
Fica bem, ou, pelo menos, tu também,
menos mal.

(Poema da Aspásia)

11 comentários:

  1. Como gostei por de novo te voltar a ver pelo meu "Beja".

    Já tinha saudades.

    Gostei deste poema de mais um dia sempre igual.

    Beijos.

    ResponderEliminar
  2. ...agradecer e retribuir a visita com um beijinho

    ResponderEliminar
  3. Olá gostei muito deste poema, do tema e da forma como está escrito... É um prazer visitar-te.. Bjhs

    ResponderEliminar
  4. Bela forma de escrever/descrever a vida quotidiana....
    É um prazer passar por aqui

    ResponderEliminar
  5. é linda a música.
    são lindas as fotos e as imagens.
    e gostei tanto dos poemas!!!
    excelentes escolhas, parabéns.

    ResponderEliminar
  6. Sou dos que chegam, param, olham e escutam e saem mudos e comovidos.
    Porque acredito que o que me acontece, deve acontecer a outros tantos como eu.
    Mas hoje é diferente. Aqui sentado, escutando a extraordinária musica com que nos brindaste, agarrado ao cigarro e ao digestivo, apeteceu-me dizer-te algo;

    - a simplicidade do poema está para a musica, como o mar está para a areia. Completam-se de uma forma surpreendente. Mas não te iludas. Porque eu não me iludi com esta dualidade do conjunto. Percebo que foi propositada. Já te leio em silêncio há demasiado tempo, para compreender os teus critérios de selecção. O dia a dia de uma pessoa normal, que sai de sua casa e defronta a selva, mas que é reconfortada e recompensada por melhores dias, através da música.
    Não é preciso o sofá do psicanalista. Tu és… e mais não digo. A música terminou.
    E eu termino com ela.
    Cps

    ResponderEliminar
  7. acabo de te ler... revisitei, através de ti, o poeta Cesário. E gostei. Há muito tempo que não marco encontro com ele.

    ResponderEliminar
  8. Um poema extraordinariamente bem conseguido. Gostei muito.
    Beijos

    ResponderEliminar
  9. Belo post que retrata a frieza da humanidade. :)

    ResponderEliminar
  10. A realidade! já não há nada de especial ! resta a esperança que num futuro próximo o passem a ser.8Amusica é mesmo especial obr.

    A.H.

    ResponderEliminar
  11. Tão real... em tantos lugares.
    Gostei muito, Parabéns.
    Obrigado.

    ResponderEliminar

Caros visitantes e comentadores:

Obrigada pela visita... é importante para cada um dos autores da poesia constante deste blogue que possas levar um pouco deles e deixar um pouco de ti… e nada melhor que as tuas palavras para que eles possam reflectir no significado que as suas palavras deixaram em ti.

E porque esta é uma página que se pretende que seja de Ti para TODOS e vice-versa, não serão permitidos comentários insidiosos ou pouco respeitadores daquilo que aqui se escreve.

Cada um tem direito ao respeito e à dignidade que as suas palavras merecem. Goste-se ou não se goste, o autor tem direito ao respeito da partilha que oferece.

Todos os comentários usurpadores da dignidade dos seus autores são de imediato apagados.

Não são permitidos comentários anónimos.
Cumprimentos,