quinta-feira, outubro 03, 2013

Dinâmica dos Fluidos

Arthur Braginsky




Não vês nos meus olhos desejo,
o desejo?, nos lábios a sede
de um beijo e nos braços
a fome de abraços, não vês,
tu não vês?, não vês
que nas veias o sangue incendeia?

Semeio o delírio
com os dedos urgentes:
mordisco-te os seios, os seios
inchados: sugamo-nos
as línguas de fogo 
vorazes: sublevo-te a púbis
e a boca do corpo num ritmo 
agudo sem véus de pudor:
o frémito cresce: respiras mais
fundo: o vigor entumece

Rebelem-se os ventos
ou tremam as casas,
vogamos na crista
das ôndulas vivas num mar
de calor, os olhos nos olhos,
as mãos desgrenhadas,
as bocas ao rubro,
soltamos gemidos
e brados e uivos, os poros
perdidos, fundentes, em brasa

Celebramos os corpos
assim desvairados
no ápice da febre,
do ardor, da explosão das águas
frementes, do fogo maduro,
com o sol tatuado na pele da paixão


in, Bolsa de Valores e Outros Poemas
(Temas Originais - 2010)


quarta-feira, agosto 21, 2013

A menina dos olhos cor de mar

Erica Dal Maso

Desenhas-te a menina dos olhos cor de mar.

Era assim que se chamava a tela
Talvez fosse mais correcto a menina dos cabelos de mar
Mas os cabelos não se querem azuis (ou verdes) e os olhos podem ser
apenas um erro de genética. 
A menina brinca com os olhos no VER, azul sem ser azul, apenas mar
e pinta cores, dança em palcos – vazios de VER e sentires,
mas onde o sorriso ainda se dilata para além do mar.

E, nós mudamos.

 Os caminhos entreolharam-se espantados sem saber os rumos,

e as rotas ficaram aquém no mapa dos sentidos desatentos.
A poesia é uma ilha pensava ela,
e ela nunca sente  sequer nostalgia,
apenas um espanto intraduzível em palavras.
Afinal
a paleta tem todas as cores, tem todos os azuis, tem todos os matizes,
mas,
está arrumada sem culpas, no fundo dum esboço que tu esqueceste,
esboço apenas,  mais nada relevante,
nem a poesia do teu desenho em que figurava a menina dos olhos cor de mar.

Ou tão somente EU


2013-08-19

sábado, agosto 10, 2013

A Poesia

Pintura de Francine Van Hover

 

A poesia diz, desdiz,
Elucida, confunde,
Escurece, ilumina,

Disfarça, é Verdade.

É uma cor de camaleão,
Nunca a mesma em qualquer ocasião,
É como o vento, lento, calmo, ou furacão
É dizer sim, quando quer dizer não

A poesia
Não é do poeta,
Nem de quem o lê,
É dela própria
Nem sei bem
Porquê!

A poesia
Não é flor,
Nem calor,
Nem emoção,
Nem Estação

A poesia são palavras arrumadas
Por semelhanças agrupadas,
Não tem alma nem Razão,
Para quem nunca soube
Cheirar o vento,
Tocar o céu,
Amar sem ver,
Sem tocar.

Só quem no dia vê estrelas
Ou na noite sente o sol,
Ou as lágrimas no papel pressente
Pode saber o que a Poesia é!

Assim, a Poesia não existe
Para quem não a lê!
É uma luz resplandecente
Para quem mesmo cego
A ouve, a sente, a vê!



Poema de Delfim Peixoto

segunda-feira, julho 29, 2013

Não me perturbes

Michael & Inessa Garmash  


Não me perturbes.

Quero reclinar o meu peito no regaço da terra

descer num casulo de luz pairar como a bruma 
na urze calada e perfumada da serra.

E não perturbes o meu silêncio
que dorme nas folhas das minhas mãos.

Na criança adormecida em mim
ficam as pegadas na presença dos silêncios,  
nos diálogos e gestos escritos na areia polida 
das minhas palavras.
E não perturbes o meu silêncio
que dorme nas folhas das minhas mãos.
Não perturbes estas folhas que rodeiam o meu corpo 
povoando esta alma de música que ninguém ouve.
Não quero miscelâneas no meu poente.
Quero nascer os olhos em bocas de alegria.
Deixa ser-me criança, vestir de novo esta fantasia.

E não per tur bes o meu son ho.
Quero adormecer a noite enganar a lua
morrer o passado nesta inquietação
desta 
chama
nua


in,  “Eu Poético”

domingo, julho 14, 2013

Espaço Para Cantar

Bruno Simões - Cacela Velha


Nesta aldeia
de mares imperecíveis
e sábios tristes
íntegro um pássaro do alto
entendeu por bem
atiçar o fulgor dos timbres
regressar ao cais
soltar os barcos
e partir
nas cordas vocais 
de uma guitarra

Nesta aldeia
refúgio
à flor das águas

ainda há espaço para cantar



Eufrázio Filipe, in Mar Arável

sexta-feira, julho 05, 2013

UM BARCO NAS ÁGUAS AO DE LEVE SONORAS

Imagem Google

Um barco parado nas águas ao de leve sonoras.
Enquanto a noite desce como um lençol suavemente escuro
apagando o rio,
que era azul e agora já é um espelho prateado virado para fora de si.
alongado pela escuridão que se recolhe nos olhos, de quem olha.

Há em tudo uma paz impossível, e eu vejo o teu rosto e tu pareces não ser.

Olho-te de novo, e tu olhas-me assim:
tão distante e ausente que me deixas mais nu.

Eu sei:
sou aquele que te ama do fundo deste rio que agora nos faz juntos.
e estamos sempre sozinhos.
A partir de agora, entre nós
não haverá mais segredos.


[29-08-2006]

José Alberto Mar,
in Palavras de Cristal,
Colectânea de Poesia, Vol I, Pág.202

terça-feira, julho 02, 2013

Sophia de Mello Breyner Andresen

Cumprem-se hoje nove anos do falecimento de Sophia de Mello Breyner Andresen, que nasceu no Porto em 6 de Novembro de 1919 vindo a falecer em Lisboa em 2 de Julho de 2004 e é, sem dúvida alguma, uma das maiores e mais eloquentes vozes da poesia portuguesa contemporânea.

Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.

O seu espírito continua vivo na obra que nos deixou, um espólio imensurável, marcado por valores como a justiça, a sua grande aproximação com o mar e, sobretudo, os valores que recebeu da sua infância e juventude onde se ressaltam valores sociais muito profundos.

A morte não se festeja, é um facto. Mas celebremos o seu amor pela escrita que perdurará nos tempos como um património imaculado da Língua Portuguesa.





Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

O quadrado da janela
O brilho verde de Vésper
O arco de oiro de Agosto
O arco de ceifeira sobre o campo
A indecisa mão do pedinte
São minha biografia e tornam-se o meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas

Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Sophia de Mello Breyner Andresen
in, "Geografia"

sexta-feira, junho 07, 2013

tempo


Nikolai Zaitsev


O tempo é uma substância volátil, arredia e mole
Calma e inesperada, que se esvazia e enche como um balão ou fole
Uma substância vaga, desequilibrada e implexa, de alma inconstante
Que se dissipa e brota a qualquer instante

Assim, de mim se afasta se o procuro
Toca-me e arrebata-me, se dele me canso e me despeço
A mim se apega e em mim se enlaça quando lhe fujo
Enrola-me e envolve-me de amor quando não peço

O tempo é tudo o que urge quando sobeja
Tudo o que de mim se aparta, se acaso a vontade almeja

Quando me esfalfo e o quero, de mim se afasta
Quando dele prescindo, em mim se enrola, julga, condena e caça

O tempo é um amante frívolo e indeciso, que prende e embaraça
Uma alma doce, que descubro amarga se me desalenta
Um compasso brusco, se me apraz com pressa e me encontro lenta
È sol quando eu sou nuvem, transparente se sou lodo ou água turva

O tempo é uma maleita, uma cisma sem amparo ou cura
Uma paixão platónica, sofrida e insegura que perdura
Um amor desgarrado, uma intensa vontade de procura

Com ele me estendo, sonho e medito
Baralho-me e contento-me num eterno delito

Manuela Carneiro in Lector 



Os Poetas Convidados agradecem a vossa presença.

terça-feira, junho 04, 2013

Teresa Mulata


Pintura de Ningbo

Essa mulata Teresa
Tirada lá do sobrado
Por um preto d'Ambaca
Bem vestido,
Bem falante,
Escrevendo que nem nos livros!

Teresa Mulata
- alumbramento de muito moço -
Pegada por um pobre d'Ambaca
Fez passar muitas conversas
Andou na boca de donos e donas...

Quê da mulata Teresa?

A história da Teresa mulata...
Hum...
Vôvô Bartolomé enlanguescido em carcomida cadeira adormeceu
O sol coando das mulembeiras veio brincar com as moscas nos
[lábios
Ressequidos que sorriem
Chiu! Vôvô tá dormindo!
O moço d'Ambaca sonhando...

Poema de António Jacinto
(Angola)

quinta-feira, maio 30, 2013

Desertos de palavras

Ana Campelos



Entristecem os sorrisos

De coração atado dentro da boca
Não sabem como dizer
Que nas mãos, talvez ainda coubesse o verde das colinas
E nos olhos, a razão de todas as nascentes
Mas a voz exangue é uma escarpa, uma vereda
De saliva quente em poeira azeda
E as sílabas são ruínas dos olhares poentes

Definham no chão, os sorrisos
Na rua só se encontram
Desertos imensos de palavras.  



quarta-feira, maio 15, 2013

A Música das Esperas


Ponho no forno
Um bolo de maçã
Calor e alegria
Nesta tarde.
Calorias, bem vês,
Moldam-me o corpo
São vestes,
São reversos
São afagos.

Acumulo-te em mim
Em quilos de farinha,
De açúcar, de ternura
De opressão

O que sei fica tão longe
Do que sinto
E a noite é tão profunda
Que me minto
A toda a hora
Em cada decisão.

Poema de Isabel Fraga, 
in “A Música das Esperas” pág. 22

Capa da livro



 Na suave ilustração de capa e contra-capa de Inês Ramos o novo livro de poesia de Isabel Fraga transporta-nos ao seu “Eu” interior numa lírica que transcende viagens de saudade, enternecimento, solidão e amor.
A autora de estrofe em estrofe voa pelos caminhos delicados da sua alma ao encontro de outros mundo onde se revela na mais pura das sínteses.

“…
Água de essência
Onde a verdade se reproduz.
Só as longas raízes
A pressentem.”

(in, pág. 23)

quarta-feira, março 27, 2013

Suicídio


O rio entrou pela janela
e transformou em areia
a pedra que eu tinha
debaixo dos pés.

A água subiu por mim
como uma bênção,
as flores abriram
e passei a ouvir pianos.

O mar, veio depois,
meditabundo
nas primeiras vagas,
arrebatado
nas seguintes.

Então, surgiu o sol
e o massacre das sombras
foi total:
suicidaram-se a cada palavra tua..

Poema e imagem de Nilson Barcelli

domingo, março 03, 2013

Poeta atirado aos bichos

Pintura de John Landa

Meu amor:
Nem tu percebes ainda o bater
ansioso dos tendões nos afinados
motores bem mainatos passando a ferro
o capim debaixo das obscenas chapas
na maquilhagem embelezando
a escarlate as picadas.

E
tua ostra de chamas
cerra-me no seu íman de con-chá
palpitando as mornas pétalas do teu gerânio
um belo coiso de gemidos no tálamo
de capim onde alongamos os nossos
pesadelos em fragmentos
dispersos na mata à ferroada
dos insectos de obuses.

Porque
confesso-te, meu amor
não são bem propriamente o que eu desejo
estes pervertidos versos sem rima e sem nada
mas unicamente nacos fixes de um poeta
de carne em sangue no meio deste zôo
atirado aos bichos!

Poema de José Craveirinha (Moçambique)

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Éramos eu e tu

Clicar  para aumentar- imagem Google


Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espectáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.

Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.

Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.

Éramos tu e eu
Dentro de nós.

As contracções cada vez mais rápidas
O descontrolo
A emoção
A ciência atenta
O oxigénio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A hora
A violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.

São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.

Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.

A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.

Poema de Dina Salustio (Cabo Verde)



domingo, dezembro 23, 2012

"Natal é quando o homem quiser..."



Estava aqui a pensar no que havia de escrever, para este Natal, mas tanta coisa já foi dita que as palavras acabam por ser uma repetição de todos os anos.
Saúde, paz, amor, alegria, é o que desejamos, afinal, para todo o ano.
É aquilo que eu desejo, no dia a dia, para todos.
E recordo as palavras de um grande poeta no poema que vos dedico...

 
Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher.

Poema de Ary dos Santos

sexta-feira, novembro 16, 2012

Navegando na tua memória

Evgeni Gordiets


Deixei as certezas na praia
Quando a última onda te levou
E as gaivotas choraram a perda.

Em cada grão de areia
Uma estrela te acolheu
No sal que deixaste preso a mim.

Foste a maré que me trouxe aqui
A saudade de quem parte para a tempestade.
Foste a minha plenitude, a minha verdade.

As marés não pararam o seu balanço.
As gaivotas continuam à tua procura
Na espuma de cada onda que beija a costa.

E eu fico sentado, ali, chorando cada lágrima
Como se mais uma memória tua me sorrisse
E me banhasse na nossa história.

Por fim viajo em mais uma fase da Lua
Regressando sempre ao mesmo lugar
Esta saudade minha e tua será sempre nossa

Seremos sempre nós a navegar.


sexta-feira, novembro 02, 2012

o profundo azul da noite

(imagem daqui)

 
O azul que me veste as mãos por dentro
é ainda o profundo azul da noite
em que bebi no sal da tua pele
o branco aceso do meu corpo
e o silêncio da aragem miúda
que antes da chegada do vento
te havia de romper os olhos
em lágrimas de espanto e sede
pela sombra dos meus dedos.

Poema de Ana Oliveira


segunda-feira, outubro 29, 2012

Os Poetas não morrem. (Julho 1947-Outubro 2008)

Um amigo, poeta, escritor, historiador, encenador, político, professor, o Homem que incorpora tudo numa só pessoa...
 
     Fernando Peixoto


Tu não sabias...

Tu não sabias que eu sei quanto sabias
Tu exibias o que em ti desconhecias

Porém, tu vias, pressentias
na magia das horas mais amargas
o ponteiro dos segundos com que vias
rodarem no sentido das palavras...


E no silêncio das horas se estendia
um carinho sinuoso, entorpecente,
um meigo sorriso que escorria
num rio de ternura languescente.


Tu não sabias... nem eu... nenhum de nós
que a vida esconde os seus segredos
nos silêncios da nossa própria voz
e no código de amor dos nossos dedos.

Poema de Fernando Peixoto

sábado, outubro 20, 2012

Manuel António Pina (1943-2012)

Escritor e jornalista foi premiado em 2011 com o Prémio Camões, o mais importante das letras em língua portuguesa. Tem publicados trabalhos em Espanha, França, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Croácia, Bulgária, Rússia e Estados Unidos.
De 1973 a 2012 publicou mais de 40 obras e recebeu uma dezena de prémios pela sua obra.
Faleceu ontem aos 68 anos de idade.

 
O Pássaro da Cabeça

Sou o pássaro que canta
dentro da tua cabeça
que canta na tua garganta
canta onde lhe apeteça

Sou o pássaro que voa
dentro do teu coração
e do de qualquer pessoa
mesmo as que julgas que não

Sou o pássaro da imaginação
que voa até na prisão
e canta por tudo e por nada
mesmo com a boca fechada

E esta é a canção sem razão
que não serve para mais nada
senão para ser cantada
quando os amigos se vão

E ficas de novo sozinho
na solidão que começa
apenas com o passarinho
dentro da tua cabeça.

(Poema de Manuel António Pina
in "Carta a um jovem antes de ser Poeta")

quarta-feira, setembro 12, 2012

Coletânea de Poesia Portuguesa

Para os aficionados das novas tecnologias está disponível em formato digital o I volume da Coletânea de Poesia Portuguesa.
Este livro só pode ser visualizado com iBooks 2.0, num iPad com a função do iOS 5.0 e é seu autor Luís Gaspar num trabalho conjunto de Deana Barroqueiro e do editor André Gaspar.



E PEDE-ME AGORA O QUE NÃO DEVIA


Reparastes, donas, que no outro dia

O meu namorado comigo falou

Como se queixava? Tanto se queixou

Que lhe dei o cinto, dei-lhe o que podia;

E pede-me agora, o que não devia.


Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)

Que à força de muito, muito se queixar,

Fez-me da camisa o cordão tirar;

O cordão lhe dei: no que fiz tolice,

E o que pede agora, antes não pedisse.


Das minhas ofertas, João de Guilhade,

Enquanto as quiser, não o privarei,

Que muitas e boas, já dele alcancei;

Nem lhe negarei, minha lealdade,

Mas…de outras loucuras, tem ele vontade!


Poema de João Garcia de Guilhade, trovador português,

nascido em Milhazes, concelho de Barcelos durante o século XIII.