terça-feira, abril 28, 2015

mediterrâneo


- sem saber, de todo, quanto vale a vida humana, 
qualquer que seja a cor, o credo ou a idade, 
sei melhor a lonjura da Utopia
e vivo na amargura da vergonha.


entre a terra e a terra
fica o mar
e fica a sorte

entre o mar e a terra
fica o norte
e fica a morte dos sem sorte
dos sem terra

entre o norte e a morte
fica a sorte
e à sorte fica a guerra
e os sem terra
no desterro
pelo erro
de viver que a morte encerra  

e há um mar imenso
e o consenso sem conteúdo
e há um grito incontido
um bramido
que não é do mar
mas é de tudo

de tudo o que não vemos
nem sabemos
mas acima de tudo
acontecer
o nem querermos saber
que a cor do mar
é por vezes tão vermelha
quanto valha
por se querer chegar ao norte
e assim morrer.


sexta-feira, janeiro 16, 2015

Uma mantilha solta...

Pintura de Ferreira Pinto


O vento. Um nome.
Uma mantilha solta. Sem outra cor...

Apenas a pele. A letra soletrada.
A flor estendida. A oferta.
E o carmim do beijo antes dos lábios...

Apenas o gesto. Não a pétala.
Nem a rosa profanada...

Apenas brisa em mão aberta.
E um raro perfume escondido. E o sonho da montanha.
Trepando. E o lago dos olhos. Alagando-se...

Apenas um rubor mal desperto.
Ainda...

E este alvoroço da tarde
Em azul aberto. Que de tão ténue
Resiste...


quinta-feira, janeiro 08, 2015

Falso Diligenciar



No obedecer de um falso diligenciar humano,
apenas por ter a mão no leme...
torna-se castrador aviltante do direito simples
do viver, de humanos injustamente condenados
à cegueira, à surdez e à mudez de um tentar ser digno.

No obedecer de um falso diligenciar humano,
ordena-se arrastar pelo esbulho fácil, de sorrisos cínicos
a validade de uma esperança vida,
a serenidade de uma liberdade coerente...até ao descanso justo.
- Nem Judas traiu assim...

  José Luís Outono 
 Poema e Imagem 

quinta-feira, janeiro 01, 2015

Estuário dos tempos



são inocentes os olhos que acordam
na fonte do princípio,
na origem das nascentes.

maculados os outros, que adormecem
na foz dos invernos.

no estuário dos tempos.



Foto: LNM – Janela – Silves


domingo, novembro 23, 2014

Dança das horas

Chris Koulis


o corpo persiste
entre um poço e o vento
mais um passo
o desvelo
no silêncio do tempo
a alma resiste
à ilusão ambulante
espantando cinzas
na ponta acesa das horas
seu derradeiro atrevimento

in, infinitudes

segunda-feira, outubro 27, 2014

amor egoísta

Wâgnér C Bärbosá

Desafio-te a ficar esta noite
Comigo e o que resta de mim em ti

Para que eu fique a saborear quem era

Os olhos com que me vias
A boca com que me tocavas
E possa ser novo e amar-me egoisticamente
E ser somente anterior primavera
Fazer-me crescer e enraizar-me em ti

Como serpente

Aventureira hera
Que morre mas desenhou tudo aquilo que fica
Eternamente


in, Conversas num carro vazio

quarta-feira, outubro 15, 2014

Figueira da Foz: Da casa que me separa da infância

Da casa que me separa da infância
avistava-se o lugar onde as águas
mais espessas do rio se juntam ao mar.
A foz. A ondulação crescente
desafiando as areias.
As marés tão altas que faziam brilhar
os peixes  e assinalavam, no farol,
o lugar onde as gaivotas
podiam começar a enlouquecer.
Era aí a casa que me separa da infância.

De Espaço livre com barcos, 2014
(pág. 11)


CONVITE



terça-feira, setembro 16, 2014

Graça Pires - Convite

Graça Pires é uma poetisa portuguesa que muito admiro.

Editou o seu primeiro livro em 1990, depois de ter recebido o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro Poemas.

É detentora de vários prémios literários dos quais destaco:

Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, com Poemas (1988)
Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, com Labirintos (1993)
Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres, com Outono: lugar frágil (1993)
Prémio Nacional de Poesia 25 de Abril, com Ortografia do olhar (1995)
Grande Prémio Literário do I Ciclo Cultural Bancário do SBSI, com Conjugar afectos (1996)
Concurso Nacional de Poesia Fernão Magalhães Gonçalves, com Labirintos (1997).
Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho, com Uma certa forma de errância (2003)
Prémio Literário de Sintra Oliva Guerra, com Quando as estevas entraram no poema (2004)
Prémio Nacional Poeta Ruy Belo, da Câmara Municipal de Rio Maior, com o livro O silêncio: lugar habitado (2008)

Tem um número significativo de obras publicadas das quais destaco:

Poemas. Lisboa: Vega, 1990
Outono: lugar frágil. Fânzeres: Junta de Freguesia da Vila de Fânzeres, 1993
Ortografia do olhar. Lisboa: Éter, 1996
Conjugar afectos. Lisboa: Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, 1997
Labirintos. Murça: Câmara Municipal de Murça, 1997
Reino da Lua. Lisboa: Escritor, 2002
Uma certa forma de errância. Vila Nova de Gaia: Ausência, 2003
Quando as estevas entraram no poema. Sintra: Câmara Municipal, 2005
Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos. Ed. autor, 2007
Uma extensa mancha de sonhos. Fafe: Labirinto, 2008
O silêncio: lugar habitado. Fafe: Labirinto, 2009
A incidência da luz. Fafe: Labirinto, 2011
Uma vara de medir o sol. São Paulo: Intermeios, 2012
Poemas escolhidos: 1990-2011. Ed. Autor, 2012
Caderno de significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2013

(clicar na imagem para aumentar)

É, pois, com enorme satisfação que vos convido para o lançamento do seu novo livro intitulado Espaço livre com barcos.

A Autora agradece a vossa presença.


quarta-feira, julho 09, 2014

Dor

Pintura de  Adolfo Payes

Para Miguel
             
        A dor
Que te vai na Alma
Não a sufoques. Não a reprimas
Sê misericordioso para com ela
        
Chora-a
        
Dor chorada. Dor vencida. Dor sublimada
Tem o conhecimento dos Deuses
Que os anjos almejam saber
            

Örebro, 02 de Março de 1998

sexta-feira, maio 30, 2014

A memória dos dias




Penso na morte
mas sei que continuarei vivo no epicentro das flores
no abdómen ensanguentado doutros-corpos-meus
na concha húmida de tua boca em cima dos números mágicos
anunciando o ciclo das águas e o estado do tempo

a memória dos dias resiste no olhar de um retrato
continuo só
e sinto o peso do sorriso que não me cabe no rosto
improviso um voo de alma sem rumo mas nada me consola

é imprevista a meteorologia  das paixões
pássaros minerais afastam-se suspensos
vislumbro um corpo de chuva cintilando na areia

até que tudo se perde na sombra da noite... além
junto à salgada pele de longínquos ventos


Al Berto, Doze Moradas de Silêncio,
in,  O Medo, a páginas  255




Ao JP  (17/04/1955-20/04/2014)

quarta-feira, abril 09, 2014

Como te contar?

Oleg Oprisco



Inquieta-me a lucidez de certas horas.
Como te contar? Tudo nelas é perfeito, 
e claro, e inabalável ... Até a dor!

A acomodação à realidade
põe-se a subir sorrateira pelo corpo
dos sonhos e dos desejos. Mata-os!

É perigoso viver desarmado 
na lucidez das horas. 
Quando menos se espera, morre-se!

Quero a minha lanterna sempre acesa,
Entrar com ela no inexprimível  sossego
que precede a tempestade;

Escutar o respirar aflito do mundo
entre dois trovões, duas guerras, dois gritos, 
separados apenas por um fio;

Um espaço impreciso, o fio, entre o um e o dois, 
Espaço a que, só por ignorância, 
chamamos silêncio.



sábado, março 01, 2014

EPIFANIA DOS DIAS CLAROS...


Mar português em dias cor de cinza


Somos destroços entre objectos e as coisas
Que se instalam no âmago e nos devolvem a aparência

Como imagem especular de urgências
Multicores...

Ajoelhamos perante novos deuses e sacrificamos
Mansidões no lugar geométrico da Abundância.
Novos jardins de Canaã lambendo os dedos
E olhos esventrados na luz fria dos néons.

E calcorreamos o tempo, acorrentados. Novos altares
Erguidos no fervor do Mesmo - cacofonia de uma Festa
De que perdemos razão e rasto.

Sons e cores apenas. Esbracejantes. Sobras
Do festim com que novos ritos se adornam
Na celebração do Excesso...

É neles que reina a divindade e se erguem catedrais
Em seu louvor e culto. São eles a grande Metáfora
Que abocanha. E a Cloaca...

Espectros vivos em cerimonial de nados-mortos.
Somos amontoado e panóplia.

E o Espectáculo.

E a euforia do Crepúsculo
E a pletórica profusão da Mercadoria
Como desenho quimérico do Mito
Demiúrgico...

.......................................................................
Importa redimir a inocência das coisas
E libertar a palavra deserta. E no rosto solar dos homens
Estilhaçar o Espelho e verter o vento.

E as mãos doridas. E o barro amassado.
E a dores do parto.

E na imanência redentora das sombras
Escutar a subtil Diferença.
E alargar espaços onde os dias sejam
Claros.

Manuel Veiga in Relógio de Pêndulo


domingo, fevereiro 09, 2014

Desterrado

Fotografia de José Ferreira Jr


Há algum Sol
que tenha tanto brilho
como o do meu "Jardim à beira-mar plantado"?

  - Não.

Há alguma árvore
que tenha o odor inebriante do eucalipto
como o das estradas da minha terra?

 - Não.

Há algum pedaço de firmamento
que tenha a cintilação
como o das minhas várzeas?

  - Não.

Há algum mar
que cheire mais a sal
como o da "Ocidental Praia Lusitana"?

  - Não.

No entanto obrigado vivo
nestas terras de Sigurdo
cercado de águas frias e árvores estranhas
cujo cheiro não me chega às narinas
quanto menos às entranhas.
Inverno de noites longas e dias curtos
alumiado por um sol nulo que não me aquece as mãos
quanto menos as saudades que carrego na minha alma.

Diz o ditado:

"Há sempre uma esperança virada para o Norte"

A minha está voltada para o Sul
para esse retalho de terra no fundo da Ibéria.


Örebro - Suécia


quinta-feira, dezembro 12, 2013

Sujeitos



serás sujeito que em ti és
de todo o verbo
palavra que sugeres
tempo do verso
que tu geras

virás do jeito que vais
todo o caminho
passo que persegues
de ti o destino
que te concedes

que com sequência conjugas
o infinitivo verbo
ser além do que vives?

que sentido digo
e repito
e repito
que palavra passo
intento
e tento
a travessia
este tempo?

se trilho rumo
rimo a frase
se traço risco
rasgo a fase

assim tu e eu sem outra face
pois em tudo
de nós sujeitos somos
em consequentes nos fazemos


Manuel Pintor in  Infinitudes

quarta-feira, novembro 13, 2013

Escada de Pedrarias

Pintura de William Blake


Uma escada suspensa no pátio havia
Em pedrarias tecida.

De um lado a relva fofa
Convidativa
No outro o azul da água
Que serena se mexia.

Os pássaros afinavam
Em suaves trinados
Saint-Saens e Stravinsky

Enquanto
Com seus gritos alucinantes
Dançava um fantasma
À luz do dia
Tentando
Retirar da escada a alegria
O brilho das pedrarias.

Nos passos do silêncio da noite
Chegavam o verde-azul das mãos
Que o sorriso lhe estendiam.

Pousava docemente 
E então
Adormecia…




sexta-feira, outubro 25, 2013

Entardecer

Pôr do sol em Portugal


Agora
Que a grande noite
Está chegando
Por que nos deixámos
De falar?!

Nas trevas da grande noite
O brilho dos nossos olhos
Não se poderão encontrar
Nossas mãos, nossos rostos,
Não se poderão mais tocar

Nossas vozes serão silêncio.

Por que não aproveitar
O claro do vermelho do entardecer
Que nos resta?

E dizermos tudo aquilo
Que devíamos ter dito.


(Örebro – Suécia)

Poema de João Cardoso

quinta-feira, outubro 03, 2013

Dinâmica dos Fluidos

Arthur Braginsky




Não vês nos meus olhos desejo,
o desejo?, nos lábios a sede
de um beijo e nos braços
a fome de abraços, não vês,
tu não vês?, não vês
que nas veias o sangue incendeia?

Semeio o delírio
com os dedos urgentes:
mordisco-te os seios, os seios
inchados: sugamo-nos
as línguas de fogo 
vorazes: sublevo-te a púbis
e a boca do corpo num ritmo 
agudo sem véus de pudor:
o frémito cresce: respiras mais
fundo: o vigor entumece

Rebelem-se os ventos
ou tremam as casas,
vogamos na crista
das ôndulas vivas num mar
de calor, os olhos nos olhos,
as mãos desgrenhadas,
as bocas ao rubro,
soltamos gemidos
e brados e uivos, os poros
perdidos, fundentes, em brasa

Celebramos os corpos
assim desvairados
no ápice da febre,
do ardor, da explosão das águas
frementes, do fogo maduro,
com o sol tatuado na pele da paixão


in, Bolsa de Valores e Outros Poemas
(Temas Originais - 2010)


quarta-feira, agosto 21, 2013

A menina dos olhos cor de mar

Erica Dal Maso

Desenhas-te a menina dos olhos cor de mar.

Era assim que se chamava a tela
Talvez fosse mais correcto a menina dos cabelos de mar
Mas os cabelos não se querem azuis (ou verdes) e os olhos podem ser
apenas um erro de genética. 
A menina brinca com os olhos no VER, azul sem ser azul, apenas mar
e pinta cores, dança em palcos – vazios de VER e sentires,
mas onde o sorriso ainda se dilata para além do mar.

E, nós mudamos.

 Os caminhos entreolharam-se espantados sem saber os rumos,

e as rotas ficaram aquém no mapa dos sentidos desatentos.
A poesia é uma ilha pensava ela,
e ela nunca sente  sequer nostalgia,
apenas um espanto intraduzível em palavras.
Afinal
a paleta tem todas as cores, tem todos os azuis, tem todos os matizes,
mas,
está arrumada sem culpas, no fundo dum esboço que tu esqueceste,
esboço apenas,  mais nada relevante,
nem a poesia do teu desenho em que figurava a menina dos olhos cor de mar.

Ou tão somente EU


2013-08-19

sábado, agosto 10, 2013

A Poesia

Pintura de Francine Van Hover

 

A poesia diz, desdiz,
Elucida, confunde,
Escurece, ilumina,

Disfarça, é Verdade.

É uma cor de camaleão,
Nunca a mesma em qualquer ocasião,
É como o vento, lento, calmo, ou furacão
É dizer sim, quando quer dizer não

A poesia
Não é do poeta,
Nem de quem o lê,
É dela própria
Nem sei bem
Porquê!

A poesia
Não é flor,
Nem calor,
Nem emoção,
Nem Estação

A poesia são palavras arrumadas
Por semelhanças agrupadas,
Não tem alma nem Razão,
Para quem nunca soube
Cheirar o vento,
Tocar o céu,
Amar sem ver,
Sem tocar.

Só quem no dia vê estrelas
Ou na noite sente o sol,
Ou as lágrimas no papel pressente
Pode saber o que a Poesia é!

Assim, a Poesia não existe
Para quem não a lê!
É uma luz resplandecente
Para quem mesmo cego
A ouve, a sente, a vê!



Poema de Delfim Peixoto

segunda-feira, julho 29, 2013

Não me perturbes

Michael & Inessa Garmash  


Não me perturbes.

Quero reclinar o meu peito no regaço da terra

descer num casulo de luz pairar como a bruma 
na urze calada e perfumada da serra.

E não perturbes o meu silêncio
que dorme nas folhas das minhas mãos.

Na criança adormecida em mim
ficam as pegadas na presença dos silêncios,  
nos diálogos e gestos escritos na areia polida 
das minhas palavras.
E não perturbes o meu silêncio
que dorme nas folhas das minhas mãos.
Não perturbes estas folhas que rodeiam o meu corpo 
povoando esta alma de música que ninguém ouve.
Não quero miscelâneas no meu poente.
Quero nascer os olhos em bocas de alegria.
Deixa ser-me criança, vestir de novo esta fantasia.

E não per tur bes o meu son ho.
Quero adormecer a noite enganar a lua
morrer o passado nesta inquietação
desta 
chama
nua


in,  “Eu Poético”