segunda-feira, dezembro 14, 2015

Domingos da Mota

Poema de Natal
com que a vida resiste, e anda, e dura.
Pedro Tamen
        Não digo do Natal - mas da natura
de quem faz do poder um pesadelo
que aprofunda as sementes da amargura
através do garrote e do escalpelo;

não digo do Natal - mas da tortura
que macera as feridas com desvelo,
impassível à dor que já satura
os ombros causticados pelo gelo.

Dissesse do Natal - seria bom
que pudesse cantar, subir o tom
das loas e dos hinos e dos ritos,

se em vez duma esmola, tão-somente
renascesse o respeito pela gente
que povoa o Natal dos aflitos.


Kasia Derwinska

segunda-feira, dezembro 07, 2015

POESIA PORTUGUESA

O Poesia Portuguesa perfez 10 anos no passado mês de Setembro. Uma vida dedicada à divulgação de poetas maioritáriamente da blogosfera.

Quase no final de 2015 é oportuno agradecer a todos que, com a sua presença e palavras, continuam a dar-me alento para continuar.

É tempo, contudo, de pensar noutros projectos.  

Por isso a partir de 2016 o Poesia Portuguesa passará, também, a divulgar poetas que tenham poemas editados em livros. 

E assim se inicia um novo ciclo para este blogue.

Grata a todos que me têm acompanhado nesta caminhada poética.


domingo, novembro 22, 2015

Confissão d’um tempo que se cumpre


Confesso que me espantam
as distancias que vou guardando nas mãos,
as sombrias madrugadas dos homens.
Por vezes encontro o vento que desfaz as tempestades
e acalma os corpos… tão belos.

Vejo os horizontes, daqui, em grande plano
e derramo o voo das aves na palma das minhas mãos;
Ilusão mantida de liberdade
que morre na rebentação dos mares
onde navega o coração dos que em mim vivem.

Da vasta paisagem gretada pelos sóis
salvo o azul de um olhar, o verde de um respirar
e a resina de um corpo esquecido…
Este meu corpo onde o sangue de que se alimenta a carne
vai completando o cíclico regresso à terra.


Poema e imagem de António Patrício

sábado, julho 25, 2015

E foi assim que me fiz árvore!



A princípio era só céu!
E foi por isso que não deu
E zanguei-me com o céu!

Depois passei a ser só terra!
E foi por isso que não deu
E zanguei-me com a terra!

Finalmente, a pouco e pouco, 
céu e terra deram-se as mãos fraternas.

E foi assim que me fiz árvore
a crescer dentro de mim…

segunda-feira, junho 22, 2015

DO TEMPO BRUTO




Pouco se fala deste tempo bruto, 
falho de rituais, celebrações. 
Temível a escassez de dias novos, 
com gente a contemplar as áureas proporções,
de joelhos no saibro, 
atenta ao eco das esferas, 
comovida, silenciosa, longe, já muito longe
da multidão avara e ululante.

É este o tempo da corrida,
do mais lesto,
da luta, do mais forte,
do corpo, o mais violado.

Quem sabe, cala, que veloz é a luz,
e nada resta de quem com ela competir.
Forte é a gravidade que nos cola, 
sem apelo, a todos os fantasmas.
Do corpo, ah, do corpo só sabemos
que nasce e vai morrendo,
indiferente ao abuso e ao incenso.

É preciso falarmos do que importa.
Da concha do caramujo, da espiral dos dias.


Poema e imagem Licínia Quitério 

quarta-feira, junho 03, 2015

"Voando por aí"

Wassily Kandinsky


Salta o muro, salta o cerco,
corre colinas com alento.
Vai de vento, vai de vento,
vai de tempo em tempo.
Tem depressa de chegar,
entregar-se ao movimento.

sexta-feira, maio 15, 2015

Num Campo de Papoilas



Nem sempre

Nem sempre a noite é clara
deixando perceptível
o encarnado vivo das papoilas.
nem sempre
a voz dos pássaros entoa cânticos
onde o silêncio ainda se consome
e a luz lunar prateia os campos,
e das estrelas saem purpurinas azuis ,
e a espuma das ondas salga a areia fina
onde deixamos marcados os nossos pés.
e os nossos corpos.

Nem sempre

Nem sempre da janela do meu quarto,
consigo ver a velha árvore
a suplicar-me que se faça mutismo,
a implorar-me o amainar dos ventos
para que, entre as minhas margens
se contenham as águas.
Sim as águas.
onde vagueiam hastes perdidas,
onde derretem fogos
ainda por extinguir, no rescaldo dos anos.

Mas hoje,

somente hoje,
e, desculpem-me a ousadia:

Faça-se silêncio!

O ruído é-me nefasto ao gesto,
e os dedos contorcem-se
enquanto o pensamento vagueia
entre as sete colinas desse campo
coberto de vermelho vivo,
tal e qual um manto de papoilas,
a afirmarem-se vida,
e a vidraça que nos separa.

Porque hoje,

somente hoje,
da janela do meu quarto,
quero ignorar a ponte secular
que desaba em ruínas,
quero enfeitar a velha árvore
com estilhaços luminosos
de bolas de sabão,
quero agigantar-me e,
extrapolar-me para além do corpo,
ou da pele,
ignorar as margens,
e quem sabe,
tornar-me ilha,
no cimo de uma montanha.

Somente hoje,
deixem-me pintar de azul - as papoilas -
e apagar tudo o mais, que for dissoluto.

Quer ao gesto. Quer ao pensamento. 

Pintura de Alexander Dolgikh

terça-feira, abril 28, 2015

mediterrâneo


- sem saber, de todo, quanto vale a vida humana, 
qualquer que seja a cor, o credo ou a idade, 
sei melhor a lonjura da Utopia
e vivo na amargura da vergonha.


entre a terra e a terra
fica o mar
e fica a sorte

entre o mar e a terra
fica o norte
e fica a morte dos sem sorte
dos sem terra

entre o norte e a morte
fica a sorte
e à sorte fica a guerra
e os sem terra
no desterro
pelo erro
de viver que a morte encerra  

e há um mar imenso
e o consenso sem conteúdo
e há um grito incontido
um bramido
que não é do mar
mas é de tudo

de tudo o que não vemos
nem sabemos
mas acima de tudo
acontecer
o nem querermos saber
que a cor do mar
é por vezes tão vermelha
quanto valha
por se querer chegar ao norte
e assim morrer.


sexta-feira, janeiro 16, 2015

Uma mantilha solta...

Pintura de Ferreira Pinto


O vento. Um nome.
Uma mantilha solta. Sem outra cor...

Apenas a pele. A letra soletrada.
A flor estendida. A oferta.
E o carmim do beijo antes dos lábios...

Apenas o gesto. Não a pétala.
Nem a rosa profanada...

Apenas brisa em mão aberta.
E um raro perfume escondido. E o sonho da montanha.
Trepando. E o lago dos olhos. Alagando-se...

Apenas um rubor mal desperto.
Ainda...

E este alvoroço da tarde
Em azul aberto. Que de tão ténue
Resiste...


quinta-feira, janeiro 08, 2015

Falso Diligenciar



No obedecer de um falso diligenciar humano,
apenas por ter a mão no leme...
torna-se castrador aviltante do direito simples
do viver, de humanos injustamente condenados
à cegueira, à surdez e à mudez de um tentar ser digno.

No obedecer de um falso diligenciar humano,
ordena-se arrastar pelo esbulho fácil, de sorrisos cínicos
a validade de uma esperança vida,
a serenidade de uma liberdade coerente...até ao descanso justo.
- Nem Judas traiu assim...

  José Luís Outono 
 Poema e Imagem 

quinta-feira, janeiro 01, 2015

Estuário dos tempos



são inocentes os olhos que acordam
na fonte do princípio,
na origem das nascentes.

maculados os outros, que adormecem
na foz dos invernos.

no estuário dos tempos.



Foto: LNM – Janela – Silves


domingo, novembro 23, 2014

Dança das horas

Chris Koulis


o corpo persiste
entre um poço e o vento
mais um passo
o desvelo
no silêncio do tempo
a alma resiste
à ilusão ambulante
espantando cinzas
na ponta acesa das horas
seu derradeiro atrevimento

in, infinitudes

segunda-feira, outubro 27, 2014

amor egoísta

Wâgnér C Bärbosá

Desafio-te a ficar esta noite
Comigo e o que resta de mim em ti

Para que eu fique a saborear quem era

Os olhos com que me vias
A boca com que me tocavas
E possa ser novo e amar-me egoisticamente
E ser somente anterior primavera
Fazer-me crescer e enraizar-me em ti

Como serpente

Aventureira hera
Que morre mas desenhou tudo aquilo que fica
Eternamente


in, Conversas num carro vazio

quarta-feira, outubro 15, 2014

Figueira da Foz: Da casa que me separa da infância

Da casa que me separa da infância
avistava-se o lugar onde as águas
mais espessas do rio se juntam ao mar.
A foz. A ondulação crescente
desafiando as areias.
As marés tão altas que faziam brilhar
os peixes  e assinalavam, no farol,
o lugar onde as gaivotas
podiam começar a enlouquecer.
Era aí a casa que me separa da infância.

De Espaço livre com barcos, 2014
(pág. 11)


CONVITE



terça-feira, setembro 16, 2014

Graça Pires - Convite

Graça Pires é uma poetisa portuguesa que muito admiro.

Editou o seu primeiro livro em 1990, depois de ter recebido o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro Poemas.

É detentora de vários prémios literários dos quais destaco:

Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, com Poemas (1988)
Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, com Labirintos (1993)
Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres, com Outono: lugar frágil (1993)
Prémio Nacional de Poesia 25 de Abril, com Ortografia do olhar (1995)
Grande Prémio Literário do I Ciclo Cultural Bancário do SBSI, com Conjugar afectos (1996)
Concurso Nacional de Poesia Fernão Magalhães Gonçalves, com Labirintos (1997).
Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho, com Uma certa forma de errância (2003)
Prémio Literário de Sintra Oliva Guerra, com Quando as estevas entraram no poema (2004)
Prémio Nacional Poeta Ruy Belo, da Câmara Municipal de Rio Maior, com o livro O silêncio: lugar habitado (2008)

Tem um número significativo de obras publicadas das quais destaco:

Poemas. Lisboa: Vega, 1990
Outono: lugar frágil. Fânzeres: Junta de Freguesia da Vila de Fânzeres, 1993
Ortografia do olhar. Lisboa: Éter, 1996
Conjugar afectos. Lisboa: Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, 1997
Labirintos. Murça: Câmara Municipal de Murça, 1997
Reino da Lua. Lisboa: Escritor, 2002
Uma certa forma de errância. Vila Nova de Gaia: Ausência, 2003
Quando as estevas entraram no poema. Sintra: Câmara Municipal, 2005
Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos. Ed. autor, 2007
Uma extensa mancha de sonhos. Fafe: Labirinto, 2008
O silêncio: lugar habitado. Fafe: Labirinto, 2009
A incidência da luz. Fafe: Labirinto, 2011
Uma vara de medir o sol. São Paulo: Intermeios, 2012
Poemas escolhidos: 1990-2011. Ed. Autor, 2012
Caderno de significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2013

(clicar na imagem para aumentar)

É, pois, com enorme satisfação que vos convido para o lançamento do seu novo livro intitulado Espaço livre com barcos.

A Autora agradece a vossa presença.


quarta-feira, julho 09, 2014

Dor

Pintura de  Adolfo Payes

Para Miguel
             
        A dor
Que te vai na Alma
Não a sufoques. Não a reprimas
Sê misericordioso para com ela
        
Chora-a
        
Dor chorada. Dor vencida. Dor sublimada
Tem o conhecimento dos Deuses
Que os anjos almejam saber
            

Örebro, 02 de Março de 1998

sexta-feira, maio 30, 2014

A memória dos dias




Penso na morte
mas sei que continuarei vivo no epicentro das flores
no abdómen ensanguentado doutros-corpos-meus
na concha húmida de tua boca em cima dos números mágicos
anunciando o ciclo das águas e o estado do tempo

a memória dos dias resiste no olhar de um retrato
continuo só
e sinto o peso do sorriso que não me cabe no rosto
improviso um voo de alma sem rumo mas nada me consola

é imprevista a meteorologia  das paixões
pássaros minerais afastam-se suspensos
vislumbro um corpo de chuva cintilando na areia

até que tudo se perde na sombra da noite... além
junto à salgada pele de longínquos ventos


Al Berto, Doze Moradas de Silêncio,
in,  O Medo, a páginas  255




Ao JP  (17/04/1955-20/04/2014)

quarta-feira, abril 09, 2014

Como te contar?

Oleg Oprisco



Inquieta-me a lucidez de certas horas.
Como te contar? Tudo nelas é perfeito, 
e claro, e inabalável ... Até a dor!

A acomodação à realidade
põe-se a subir sorrateira pelo corpo
dos sonhos e dos desejos. Mata-os!

É perigoso viver desarmado 
na lucidez das horas. 
Quando menos se espera, morre-se!

Quero a minha lanterna sempre acesa,
Entrar com ela no inexprimível  sossego
que precede a tempestade;

Escutar o respirar aflito do mundo
entre dois trovões, duas guerras, dois gritos, 
separados apenas por um fio;

Um espaço impreciso, o fio, entre o um e o dois, 
Espaço a que, só por ignorância, 
chamamos silêncio.



sábado, março 01, 2014

EPIFANIA DOS DIAS CLAROS...


Mar português em dias cor de cinza


Somos destroços entre objectos e as coisas
Que se instalam no âmago e nos devolvem a aparência

Como imagem especular de urgências
Multicores...

Ajoelhamos perante novos deuses e sacrificamos
Mansidões no lugar geométrico da Abundância.
Novos jardins de Canaã lambendo os dedos
E olhos esventrados na luz fria dos néons.

E calcorreamos o tempo, acorrentados. Novos altares
Erguidos no fervor do Mesmo - cacofonia de uma Festa
De que perdemos razão e rasto.

Sons e cores apenas. Esbracejantes. Sobras
Do festim com que novos ritos se adornam
Na celebração do Excesso...

É neles que reina a divindade e se erguem catedrais
Em seu louvor e culto. São eles a grande Metáfora
Que abocanha. E a Cloaca...

Espectros vivos em cerimonial de nados-mortos.
Somos amontoado e panóplia.

E o Espectáculo.

E a euforia do Crepúsculo
E a pletórica profusão da Mercadoria
Como desenho quimérico do Mito
Demiúrgico...

.......................................................................
Importa redimir a inocência das coisas
E libertar a palavra deserta. E no rosto solar dos homens
Estilhaçar o Espelho e verter o vento.

E as mãos doridas. E o barro amassado.
E a dores do parto.

E na imanência redentora das sombras
Escutar a subtil Diferença.
E alargar espaços onde os dias sejam
Claros.

Manuel Veiga in Relógio de Pêndulo


domingo, fevereiro 09, 2014

Desterrado

Fotografia de José Ferreira Jr


Há algum Sol
que tenha tanto brilho
como o do meu "Jardim à beira-mar plantado"?

  - Não.

Há alguma árvore
que tenha o odor inebriante do eucalipto
como o das estradas da minha terra?

 - Não.

Há algum pedaço de firmamento
que tenha a cintilação
como o das minhas várzeas?

  - Não.

Há algum mar
que cheire mais a sal
como o da "Ocidental Praia Lusitana"?

  - Não.

No entanto obrigado vivo
nestas terras de Sigurdo
cercado de águas frias e árvores estranhas
cujo cheiro não me chega às narinas
quanto menos às entranhas.
Inverno de noites longas e dias curtos
alumiado por um sol nulo que não me aquece as mãos
quanto menos as saudades que carrego na minha alma.

Diz o ditado:

"Há sempre uma esperança virada para o Norte"

A minha está voltada para o Sul
para esse retalho de terra no fundo da Ibéria.


Örebro - Suécia