segunda-feira, setembro 26, 2005

Eugénio de Andrade

Imagem daqui

Eugénio de Andrade (José Fontinhas (nome verdadeiro de Eugénio de Andrade) nasceu a 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, uma pequena aldeia da Beira Baixa ). Poeta e tradutor. Publicou mais de duas dezenas de livros entre os quais "As Mãos e os Frutos" (1948), "Rente ao Dizer" (1992), e "Os Sulcos da Sede" (2001). Faleceu em Junho de 2005. Entre a sua vasta poesia, escolhi esta...


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

3 comentários:

  1. Partiu o Homem, ficou a Obra. Adeus!

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  2. Vim ver o teu novo blog logo que li a notícia que dele me deste.
    Tu sabes como eu gosto de poesia !

    Não conhecia o "Tenho amor, sem ter amores" de Soror Madalena da Glória.
    Pelo "ritmo" lembra o Ary,; e pela
    "intenção" lembra-me a Natália Correia. Gostei muito.

    Referência especial para o Eugénio de Andrade. Um dia te direi porque gosto tanto do poema que dele escolheste: " Já gastamos as palavras ......."

    Um terno beijo de parabéns.
    Carlos

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  3. As palavras nunca estão gastas... Há uma Vida secreta nas palavras... E elas nunca morrem.

    Mas gosto do poema
    Gosto do poeta
    è o meu preferido
    E é triste pensar que as palavras estão gastas...
    Que não te amo mais.....

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