quarta-feira, janeiro 24, 2007

Pergunto-me...


Imagem de Hussein Chalayan


Pergunto-me o que faço aqui,
neste lugar onde nascem mundos
nas palmas das mãos.

Pergunto-me o que espero daqui
deste muro onde crescem heras entrelaçadas de espinhos.

Debaixo do espelho frio
esperam olhares marejados de topázios, antigas lendas.

Por detrás da parede negra,
oiço vozes enfeitadas de rubis,
alguns silêncios.

Pergunto-me o que espero daqui.
Das Luas que inspiram.
Dos Sóis que acalentam.
Do rasgo de loucura.
Da Luz perseguida
até à esquizofrenia.
Do medo.
Da morte.
Dos sussurros do mar.

Pergunto.
O que faço aqui?
Que espero do mar?
Do mar. Do mar. Do mar.

(Poema de Canela e Jasmim in Chá de Rosas)

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Mar dos olhos


Fotografia de Maya Della

Quando me tocas
Com essas mãos
Molhadas
De sabor a mar
Sensíveis, salgadas

Eu me espanto!

Na doçura do teu olhar
Reflectido nas pupilas
Adivinho o quanto
Tu choraste
Ansiaste
Para me abraçar

O que sofres, é sempre passado.

Quando nos meus braços te abandonas
solicitas-me desejo. Único momento,
quando em ti me afogo, não sou, não somos
desejo ou saudade, apenas espírito leviano
que nos corpos aportou.

Nada me dizes,
consumada a transcendência,
Do que te invade no dia e na noite,
Quando não estou.

Mas teus olhos não abandonam
a vidraça da janela, que é fria e quebrável.
Junto dela, esperas que a noite se rasgue no ventre do dia.
Que o verbo regresse e esconda em ti a apatia

O verso descrito nos límpidos lençóis
Inócua promessa de que um dia
Todos, seremos apenas dois

Na fogueira da noite fria
Nada existe depois.

Depois… bem, depois
Somos madrugadas…

Quando me tocas
Com tuas mãos
Molhadas
Das lágrimas de mar
Ternas, salgadas

Eu, ainda me espanto!


(Poema de Luís Monteiro da Cunha in Bufagato)

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Sonhar….


Óleo de Sophie Barjavel


Quem és tu que me fazes sonhar?
Um feitiço que alguém me lançou!

Laço triangular, não o quis apartar
Nos braços alguém que me elevou!

Espera! - Que eu acorde de manhã...
Dá-me tempo e espaço, o que alterou?

Preciso de esconder o infame traço...
Corrompida esta alma! - Que amou!

Quiseste dar-me o céu, peguei numa estrela,
Ofereceste-me o mar, uma gota me lavou!

Num olhar, indicaste um lindo bosque,
Em pegadas que alguém já desflorou!

Vai! - E procura os nómadas do deserto...
Impetuosa, esquecerá quem as deixou!

Quem és tu que me fazes sonhar?
Um feitiço que alguém me lançou!

(Poema de Maria Valadas in Palavras.ao.Vento)

quarta-feira, janeiro 17, 2007

o sol. os sóis.


Óleo de Camille Pissarro


há sóis que não desaparecem da nossa vida
pobre no olhar para ver
e há o sol que baixa suavemente, incendiando
tudo, ao entardecer
diariamente
como uma mão quente que nos traz uma réstia de cor
antes de adormecer


os outros, sóis interiores de afortunadas gentes
não serão menos sóis
são só diferentes no efeito que têm sobre nós.
são os dos santos dos poetas e dos simples
os que encontraram os talentos que perdemos
e os fizeram render.

nós passamos por eles, distraídos. nesta condição
de existir com muito pouco ser
e colhemos os frutos. e comemos
e nem olhamos os sóis que não descansam
e luzem dia ou noite. quais faróis.
para não nos perdermos ao viver.

(Poema de Non(Madalena Pestana) in Vida Morte & cª)

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Photossintética


Pintura de Paul Albert Steck



Juntas no mistério
Água, luz e CO2
E, depois,
Como serpente emplumada,
Uma lágrima de nada
Contendo o que em cima existe
Na profunda claridade
Dos olhos de Deus
E o que em baixo desiste
Sob a conversão forçada
À paternidade
Dos deuses alados
Mortos noutra solidão.
Juntas no mistério
Tanto nuvens como pedras.
E no cemitério
Daqueles que não nasceram,
Sepulturas por abrir
Igualam-se em inquietude
Ao sossego manso
Da eternidade
Do ventre da Virgem.

(Poema de Manuel Anastácio in Da Condição Humana)

sexta-feira, janeiro 12, 2007

H2O


Pintura de Susan Rios


és símbolo químico
que brota da terra

água fresca tatuada na rocha
dás vida à vida

discreta quando habitas nas nuvens,
no horizonte és energia
e fonte do ser.

ouves-me nos desejos
da palavra que não é escrita

circulas no meu sangue e vibras,
deixas que te sinta no coração.

imóvel olho-te
mostras-te rainha no mar,
princesa encantada no rio
que aquece a alma, nos lagos

da tua voz escorrem
hesitantes ternas sombras

olho a tua tonalidade
sinto o desperdício da humanidade

hoje és lágrima
no meu rosto...


(Poema da Lena Maltez in Cabana de Palavras)


...que se transformem em SORRISOS doce Lena, aqui te deixo um carinhoso ABRAÇO e rápidas melhoras...



Ouvir o poema na voz do Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Leva-me o rio...


Pintura de Jean Paul Avisse


Leva-me o rio de um sabor
Que não sei.
Tento afastar o murmúrio do opaco
E perco a razão do que sou.
Não sei silêncio mais vago, mais sem cor.
Perdi o sentido da essência
E só a noite me dá os trilhos,
O brilho de uma noite que não será.
Espero e o vazio nada me traz,
Nada me mostra.
Sigo linhas de um sabor que não me quer
E apareço só à monotonia das coisas.
Serei algo que não vale a pena?
Quero fundir-me com o rio
E fugir, chegar ao mar.
Os sonhos apertam-me a ideia
E não sei o que ser.
Corta-me o silêncio e não sinto,
Não sei, não me quero.
Desapareço num grunhido de dor
Que se mistura no ar
E persegue a noite.
Nem um só sentido brota como um beijo
Brota de uns lábios.
São perdidos os rumos que me alcançam.
E, simplesmente, não pareço existir
Ou saber o que mostrar.

(Poema de Rita Pacheco in Em Flor)

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Canção Breve de Amar


Imagem de Kababelan



Como é rara e leve a flor que breve
Anima a janela ao teu olhar
Como tocam anjos naifs na viela
Sinfonias secretas e odes belas
Na calçada onde a lua se demora
Na esperança de colher o verbo amar
Como gosto de tocar as tuas mãos
Se as estendes assim para o luar
São murmúrios da noite dos amantes
Na labareda do silêncio astral
à varanda dos sentidos tu semeias
e eu colho a mais rara dor de amar

As urbanas altitudes onde estás
Telhados furtados à nesga azul do céu
Casas gigantes de moinhos sem pás
Lembram o amor encarcerado
Na gentil magia do luar de breu
Rasgas noites violetas de quimera
Rasam sorrisos feitos de marés
E a cidade acende-se em mil luzes
Mil fontes cintilantes a brotar
Nós dois na nudez azul do sonho
Mergulhamos como cisnes
Submergimos corpos belos
Num enlace que é longo por eterno
E como é rara e leve a flor que breve
Enfeita o meu corpo se te espero
Na serrania onde o verde nos embebe
Da pacífica dor de saber esperar
Entre casas casarios de aba branca
Na vertente que nunca encontra o mar
Mora rara e breve a sede de existir
Sem mais querer que o de te achar
Sem mais mester que o de (te) ouvir

(Poema de Aziluth in Serena Lua)

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Amo aqueles…


Imagem de Roman Golunbenko



amo aqueles que só sabem amar
enfrentando a vida
porque passam pela loucura.
amo aqueles que buscam o sol
por entre o escuro
porque amam sós.
amo aqueles que abandonam o passado
enfrentando a vida
porque procuram soluções.
amo aqueles que percorrem o mundo
sempre em busca do amor
porque conhecem a dor.
amo aqueles que sonham no acordar
por entre frases soltas
porque seus olhos reflectem amar.
amo aqueles que só sabem viver no acordar.


(Poema de Ricardo Biquinha in Luz.de.Tecto)

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Sentimentos...

Confesso que queria oferecer-vos uma coisa diferente para a primeira postagem do Ano.
E aqui entra a alma de quem está por detrás desta página virtual. Por isso, trouxe-vos hoje as palavras de alguém que leio há muito tempo em silêncio, porque assim é exigido…


Óleo de Brita Seifert

Deus quis brincar com o mundo. Baralhou e tornou a dar.
Os anjos choraram a noite toda e o vento carregou as lágrimas que afogaram as copas das árvores. Nem uma só gota caiu nas terras sedentas. Os campos tornaram-se mais áridos e secos e as plantas morreram. Deus agarrou no mundo de pernas para o ar e fez o perto longe e o longe infinitamente distante. As estações perderam-se no caminho e só o Inverno sabe ficar. O frio instalou-se e arrancou pedaços do peito.
A fé quebrou-se.
Estilhaçou-se.
Deus espalhou as cartas ao vento e já não temos lugar. Dentro de nós há um buraco enorme que só nos lembra o vazio. Já não somos grãos de areia perdidos no deserto mas o próprio deserto. Nem uma gota caiu nas terras sedentas e os anjos choraram a noite toda.

Deus não ensinou aos anjos como parar de chorar.


[In Silêncios(Coisas de Lyra)]

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Canto...


Pintura de Isabel Magalhães "emprestado" pelo Antonio Stein




Enquanto houver um rio, hei-de cantar
Lonjuras de outros tempos, esquecidas.
Enquanto houver gaivotas rumo ao mar,
Cantarei lembranças de outras vidas.

Enquanto houver um rio, hei-de sonhar
Venturas de outros tempos, proibidas.
Enquanto houver mordaças de matar,
Cantarei esperanças coloridas.

E enquanto o rio correr e eu cantar
Vontades, ilusões, destinos, fados,
Talvez um dia, o meu canto chegue ao mar

Se não, que espalhem as gaivotas pelo ar
Em pios, em voos, em desenhos ousados
Tudo quanto meu canto nunca ousou cantar.

(Poema de Helena Domingues in Shoshana no Céu e na Terra)


FELIZ ANO NOVO

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Poesia...

Óleo de Tim Schaible


Se as aves partirem
e os amigos sumirem;
Se o céu trovejar
e o amor se apagar;
Se o mundo morrer
e a dor vos doer;
Se a solidão vos surgir
e de medo ferir;
Se a terra gretar
e ninguém escutar;
Se a roda da vida
vos deixar sem saída...
Ainda assim,
ter-me-ão a mim!

(Poema de
Amaral Nascimento in Laramablog )



Imagem Google

domingo, dezembro 24, 2006

...que venham rosas


Pintura de Susan Rios


que venham rosas descer pela chaminé
e outros sinais avancem em direcção ao sonho.
que o mar vagueie terno pela terra,
sem cadáveres,
pernoite nas palavras,
saliente em hélice o hálito do amor.
e uma lua cresça no teu corpo
na serenidade das coisas que te acordam
como uma flor
na verdade que outros sois inventam.

(Poema de Maria Gomes in A Romã de Vidro)


sábado, dezembro 23, 2006

...e porque o Mundo precisa de Paz...


... não devemos esquecer a... Guerra...

Poema de Heloísa BP
Declamado por Henrique Sousa
(Desligar p. f. a música de fundo para ver e ouvir o vídeo)

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Natal 2006


Imagem de autor desconhecido


não te digo do natal coisa nenhuma
do natal enfeitado a sumaúma
que se arruma em cada ano nalgum canto

não te digo do natal em mar de espuma
esse efémero natal-coisa-nenhuma
quebradiço a ter-de-ser e sem encanto

não te digo do natal de coitadinhos
nem daquele de nós todos tão sozinhos
conformados sem ter sonhos nem espanto

não te digo do natal feito de prendas
num afecto leva-e-traz que me encomendas
e trocamos cada ano em qualquer canto

mas te digo um natal fio de seda
do casulo entretecido que te enreda
e te leva ao riso ao sonho em doce encanto

digo ainda do natal feito de enlaces
desfiando o casulo onde renasces
enlaçando cada ser por valer tanto

digo então um natal que desse fio
deslassado mundo fora como um rio
nos envolva a todos nós num acalanto

mais te digo do natal de um outro início
celebrando a nova esperança o solstício
recriado em nossa voz num novo canto.


Poema de Jorge Castro



FELIZ NATAL

segunda-feira, dezembro 18, 2006

As barreiras da razão...


Imagem de Debra Martelli



Hoje não me falem de dor
Levantei as barreiras da razão
Defini as palavras proibidas
Dor, não!
Digam do tempo, da chuva ou da bruma
Talvez do frio das noites
No conforto das casas aquecidas
Digam do mar
Que repousa em cachos de espuma
Diz-me tu, da vida
Não da tua nem da minha
Da dos desconhecidos que se cruzam
Na margem paralela do caminho
Conta histórias de outros tempos
De dias por conhecer
Enche-me de palavras os ouvidos
Das que despertam os sentidos
Sem limites nesta rota de ilusão
Hoje, dor não!


(Poema de Vida de Vidro)


sábado, dezembro 16, 2006

Um dia na Cidade...

Imagem daqui


Na manhã nova, a luz chega de seda
E envolve devagar o Porto Antigo
Como pedindo à noite, ávara e negra
Que troque agora de lugar consigo

Passaram horas; soa o meio dia
Nas torres de granito iluminado;
No apogeu da luz; o céu é sinfonia
E o Douro, imenso diamante lapidado

A tarde cai! É dos Pintores a hora
A cidade é tela, inacabada e pura
Com pinceladas rubras onde se demora
Toda a cor que alastra pela lonjura.

E a noite escura sucedeu ao dia;
As vielas são estreitas manchas pretas
Já ninguém lembra quem é que dizia
Que a esta hora o Porto é dos Poetas!...


(Poema da *Maria Jerónima aqui)

*Maria Jerónima não tem blogue. Conhecia-a numa Noite de Poesia, em que declamou de forma soberba um poema de António Gedeão, que pode ser lido aqui e foi um enorme prazer revê-la no Blogue Chave de Poesia

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Ser...


Pintura de Susan Rios


Eu não quero enriquecer como os demais
Pensando em tudo o que me apraz comprar;
E não quero só bens materiais
Quando outros mais posso amealhar.

Trincando petiscos preciosos
De risos enchendo serões quentes,
Eu quero os meus amigos ansiosos
Em tornar estes momentos mais frequentes.

Eu quero enriquecer ao dar a mão
Àquele que ao meu lado ma estenda,
Sem nada dar em troca, só um olhar
Que docemente pede que o entenda.

Pois riqueza não há maior que esta,
De dar o coração e receber,
Afeição, ternura manifesta
Que nunca é demais oferecer.

(Poema de Era uma vez um Girassol )

segunda-feira, dezembro 11, 2006

...amor é isso!


Imagem de autor desconhecido


Havemos de descansar. Sim. Descansar
Deixar de turbilhão a vida à porta
Como maré só de ida. Devagar
Que o amor se faz paixão, mesmo morta
Quando pára cansada, de madrugada
Por entre gritos e segredos de tudo e nada
Por dentro de mim na saudade de ti
Por certo sem rumo, sem aqui ou ali
Por força da Natureza que em nós se faz
Havemos de descansar. Sim. Mesmo sem paz...

Havemos de nos ver. Sim. De nos ver
Partir da terra à proa nos ventos
Como tempestades de carinho. Nascer
Que a paixão se faz amor, nos momentos
Quando adormece, se esquece
Por entre as noites em que tudo nos aquece
Por dentro da dança que se faz canção
Por certo sem medo, sem compromisso
Por força dos sonhos que nunca temos em vão
Havemos de nos ver. Sim.
Porque amor é isso!



(Poema de Pedro Branco in Das palavras que nos unem)

sexta-feira, dezembro 08, 2006

O Sonho Adiado...


Óleo de *Alfredo Keil


O poeta continua a viagem
Pelo cais dos sonhos...

Mesmo sem a luz do Farol,
Sem a frescura da água
Das bicas do Chafariz,
Não desiste de sonhar...

Percorre o Ginjal
De mão dada com a serenidade
Deixa-se empurrar pelo vento
Naquele carreiro da liberdade

Apesar das paredes cinzentas
Marcadas pelo abandono
Acredita num futuro azul
Inspirado na beleza do Tejo
E no encanto das suas margens

O poeta continua a viagem
Pelo cais dos sonhos...

E promete,
Nunca desistir de sonhar...


(Poema de Luís Milheiro in Casario do Ginjal)

*Uma breve nota sobre Alfredo Keil: Compositor, escritor e pintor contemporâneo, deixou mais de 2000 obras, entre telas e desenhos. É ainda o autor da música "A Portuguesa" que com letra de Henrique Lopes de Mendonça, deu origem ao actual Hino Nacional.