quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Há quem diga

Fotografia de Luís Lobo Henriques



Há quem digaque o poema só vale uma ilusão
de salvar do naufrágio a certeza
arrumada além-mar do coração.

Há quem jure
que a alegria vale menos que a pobreza
de carpir a presença da saudade
no sorrir macilento da tristeza.

Também dizemque um poeta só vale a ingenuidade
a cuidar que é verdade o seu amar
sem julgar o que é falso ou realidade.

Ainda assim,
é no todo que eu busco o meu trovar
sem banir a contenda que me assola
no silêncio dos cantos por achar.

(Poema de Nilson Barcelli in
NimbyPolis)



Nota: O Poesia Portuguesa passará a publicar na sua versão original, ou seja, às segundas, quartas e sextas-feiras.
Um abraço a todos.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Poema felino...


Imagem dos Queridos Gatos


Sou gato.
Que terror!
Faça lá o favor,
De não ser fatalista!
Sou gato.
Gato preto, bem preto.
E vivo como um senhor,
Neste mundo,
Que a todos, nos desafia...

Sou gato.
Gosto muito de minha cor,
Quando de toda a ninhada,
Minha mãe a viu pintada,
No terceiro gato que dela nascia,
Deu-me com todo o amor,
Uma inesquecível lambidela,
Que na minha memória de gato,
Me ficou ela gravada,
Para o resto de minha vida!

Sou Gato Preto.
Assumido.
Que presunção,
É a minha!
Mas se vos intimida a cor.
Olhem-me para os olhos,
Que vos espreitam agora,
De forma tão tranquila.
São vivos,
Atentos,
Em permanente expectativa.
A cor?
O Verde da esperança,
Já viram?
Tenho a certeza que vos inspira,
Muito mais autoconfiança.

E neste instante de partilha,
Faço eu meu auto-retrato,
Que por princípio, eu não queria.
Sou gato.
Mas que mistério...
Tanto silêncio me vem desse lado,
Fale-me agora de si,
Pois eu sou como todo o gato,
Que se preza de o ser,
Muito curioso.
Venha daí agora com muita auto- estima,
Aquilo que de si também me fala,
Sua bela fisionomia!

Poema de Beatriz Barroso in
Porosidade Etérea

domingo, janeiro 27, 2008

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Verde acinte


Imagem de Pedro Moreira



A minha retina
Enamorada
Com a minúcia melancólica
Do verde acinte
Nervurado

A todos os espaços
Lágrimas de prata orvalhadas
Se recolhem no debrum
Até ao leito das rotas
De um tempo breve
Que nos tem à escuta

Ambiguidade
entre o verso e o reverso
que se frui
a cada gesto
lentamente despojando
até à nudez final que só a língua testa

(Poema de ContorNUS)

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Roda

É com uma satisfação muito pessoal, que hoje trago aqui um Poeta que admiro e cuja obra já foi merecedora de vários prémios.
Recentemente, foi o vencedor do Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica.
Pela sua simbologia, deixo-vos este poema que retrata um "mundo" muito actual…


Imagem Crestomatia



digo que estes homens de kiev estão a viver
no contentor azul e amarelo e nele dormem, preparam
as frugais refeições no único bico de gás disponível,
cosem as meias, descascam cenouras e batatas e comem
em pratos de alumínio com garfos de plástico, e rezam
em silêncio ao deus ucraniano que sempre os ignora,
o deus que os acompanha nas obras públicas e nos prédios suburbanos
em construção onde trabalham, que os turistas de albufeira
não tardarão a ocupar, com os olhos cheios de um sol que nunca viram,
nunca sentiram queimar assim na sua pele.

digo que estes homens de kiev enchem a boca de um lamento profundo,
que estes homens enchem os olhos de lágrimas que se não vêem
e aqui sonham sem sonhos, com um murmúrio negro a invadir-lhes a cabeça,
como se estivessem para além do último limite, a última exasperação,
estes homens de kiev que não sabem como o mundo pára às vezes
e ao mesmo tempo se amplia, como o coração desesperado
de alguém que viu a partida iminente e, por um instante, estacou,
ainda a neve não derreteu na primeira estação ou os pássaros
nidificaram uma e outra vez na dolorida luz de kiev.

digo que estes homens de kiev devem como todos nós um galo a asclépio
e perscrutam no que é visível tudo o que está invisível nas coisas,
transversal e faminto, amplo e escuro nos subúrbios de albufeira,
procurando na brancura as semelhanças possíveis com o que nunca verão,
tendo já visto tudo, tendo já visto
o mar a inclinar-se sobre os seus corações, num momento longínquos,
nas ruas de albufeira, noutro momento próximos dos subúrbios de kiev,
a pesar argumentos, a exorcizar a morte, a recolher nos braços
uma tristeza infinita, indizível.

digo que no próximo ano estes homens de kiev hão-de chamar
para aqui as mulheres e os filhos, estes ucranianos que vivem no contentor
azul e amarelo na periferia de albufeira, estes violinistas,
estes médicos, estes professores de línguas, que agora dão
serventia de pedreiro e usam a picareta, a pá e a betoneira e sabem
a quantidade exacta de areia e cimento e água e ferro para levantar
estes arcos, onde vibra a tumultuosa música do sofrimento,
talvez como alicerce, talvez como definitivo ajuste de contas
entre isto que se vê e eles não dizem, ou se não vê e eu digo,
como um deus ucraniano de passagem pela periferia de albufeira.

Poema de Amadeu Baptista
(Antecedentes Criminais, Antologia Pessoal 1982-2007)

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Nós, os outros


Imagem daqui


Nós, os outros, habitamos a textura
aquosa e impura da cidade adormecida
quando o negro nela se abate

Nós, os outros, abrigamos o frio
nos jornais remexidos,
aninhados no vazio dos recantos
que o cimento e a pedra calam

Somos gente sem nome nem destino
em tempo indeterminado;
andarilhos na mão que se estende,
vestidos de invisibilidade

Nós, os outros, também sonhamos
a metáfora ténue dos papeis gastos,
da vida a essência dos dias plenos
entre a existência dos muros lentos
levantados pela hibridez da hora em viragem

Assim caminhamos o esquecimento
sob a trama da luz baça da cidade


(Poema da Amita in Branco e Preto)

domingo, janeiro 13, 2008

Começar 2008...

No iniciar de mais um ano, em que esta página sobreviveu pelo apoio e carinho que os seus frequentadores têm demonstrado por ela, é tempo de reviver e criar novos alentos.
O Poesia Portuguesa nasceu da partilha das palavras que mais lhe tocaram e que ia descobrindo, em blogues de língua Portuguesa.
É tempo de voltar a essa partilha e, continuar a alimentar sonhos e esperanças…


Imagem Google


quero sonhar
acordar e saber que sorriste
quero amar
e pensar que amar é saber que da dor caíste
hummm, queria provar o sabor da minha infância
correr, correr e não mais crescer
das pedras calcadas pelo calor saber delas beber
como é bom ser sonho de criança

tou sozinho
mexo-me e sinto-me vivo
é tão bom esse teu néctar
esse teu desejo infinito de saber a magia
penso em ti
mexeste onde tou sozinho
nos meus pensamentos desertos
quero-te assim
onde meu navio parou
parou num tempo sem vela
e sem rumo e que só te quer bela

mas como não posso parar digo-te
ou digo-me a mim
que a noite tem esperança
que o tempo pode ser meu
que os desejos podem viver em prazeres
que o vento que se descobre a ele próprio é vivo
e que o amor parecendo banal, pode ser infinito

"suspiro"a quem te enganas
ela dançou para ti
e não foste capaz de dizer simplesmente
que naquele momento a amaste sem fim...


(Poema "Desabafo" do Poeta Vagabundo)

terça-feira, janeiro 08, 2008

Mulher


Pintura de Gustave Coubert


nos momentos de incerteza
quando apetece fugir
e desistir da viagem

quando cansado de tudo
me sento à beira da estrada
e adormeço a coragem

são os teus gestos
mulher
que me chamam
para a vida

e sinto de novo a fúria
de desenhar um país


(Poema de Vieira da Silva)

domingo, dezembro 30, 2007

Outro Ano...






Contei quantos anos tem um dia
Adormecido à porta da madrugada
em esperas vãs cansadas de agonia
tomba o dia, o ano, nesta estrada...

entra outro, o novo...o desejado
a fervilhar em taças de ilusões
e diz o velho na folha do passado:
- conseguirás tu, trazer as soluções?

tal como tu, nasci com espirros de luz
e termino no delírio da'nsiedade
do sentimento humano que traduz
o sonho de uma nova realidade.

benditos os anjos de asas quebradas
morrem sem glória e o mundo esquece
numa taça de quimeras deslumbradas
como fumo, porque o fumo, não aquece...

deixo espelhos sombrios em herança
ruínas, guerras, fome, má bonança,
catástrofes, desventuras doloridas,
lágrimas sufocadas, mãos estendidas

e as promessas, são rosários lentos
nas mãos de quem luta dia-a-dia.
retira 2008 a cruz do desalento
dá à vida, sol, saúde, amor e alegria

ser novo ou velho...pouco importa
se houver no mundo, pão, paz e harmonia
e o direito ao sol em cada porta
para a noite desta estrada... se fazer dia.



(Poema de Teresa Gonçalves)


quinta-feira, dezembro 20, 2007

O Natal aproxima-se...


Natal do nascimento do Menino, que desde muito pequenina em casa do meu avô, me acostumei a ver deitado nas palhinhas e também, durante muitos anos, em casa dos meus Pais.

Desses Natais, guardo memórias infindáveis, de outro Menino em palhas deitado...


Seguindo a tradição, continuei a deitar o Menino nas palhinhas todos os Natais, pensando em quantos meninos, nem palhinhas tinham para se deitar.


Mas em todos os Natais, cada vez menos se recorda o M
enino, nem o motivo pelo qual ele nasceu, sendo prioritário o consumismo que se gera nesta época.

Por isso, quando hoje acordei com vontade de aqui colocar um poema de Natal, recordando o Menino que já nasceu, dei a minha habitual volta pela blogosfera, em busca de palavras que me fizessem sentir o verdadeiro espírito do Natal... não aquele espírito comercial, que leva a compras desenfreadas, a trânsito interminável, a troca de prendinhas quase obrigatórias, entre familiares, que por vezes, só para o próximo Natal é que se voltam a encontrar, mas aquele espírito que eu sentia há anos, quando me contaram porque motivo o Menino tinha nascido...

Ao final do dia, descubro uma pequena maravilha, que me atrevi a "roubar" à
Maria Pedrógão, da Casa de Maio e que me fez recordar os cânticos de Natal da minha infância e que aqui vos deixo…

Toca o sino pequenino
Toca o sino pequenino
Sino de Belém,
Já nasceu o Deus Menino
Que a Senhora tem.

É Natal, é Natal,
Vamos sem demora,
Já nasceu o Deus Menino
Que a Senhora adora.





Presente de Natal
Quero que todos os dias
Sejam dias de Natal
Para todos terem alegria
E a ninguém lembrar o mal

Ò menino! Não te esqueças
De me dar um presente
Transforma todos os dias
Em Natais p'ra toda a gente.

Em Natais quentes de amor
Com cestos cheios de pão
Com homens todos irmãos


(do Cântico tradicional)











sábado, dezembro 15, 2007

A amizade e a ternura aumentaram - Pág 161

Confesso que me senti deveras envergonhada quando hoje, com um tempo (pouco) livre para mim, decidi visitar alguns dos blogues que tenho tido curiosidade (feminina) de saber o que têm postado, durante esta minha já longa ausência deles.
E senti-me envergonhada porque, a
Júlia Moura Lopes, do blogue O Privilégio dos Caminhos, fez o favor de citar o Poesia Portuguesa numa corrente, "O Meme da página 161" e só agora desse facto tive conhecimento, que com prazer aceito e, passo a referir as regras do mesmo:

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure)
2ª) Abrir na página 161
3ª) Procurar a 5ª frase completa
4ª) Postar essa frase no seu blog
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro
6ª) Repassar para outros 5 blogs.

O livro que tenho aqui mesmo ao meu lado, porque o estou a ler, é o livro de poemas de Natércia Freire, intitulado Poesia Completa, com Prefácio de Maria Gabriela Llansol, das Edições Quasi.
Abro a referida página 161 e deparo-me com um poema que gosto muito, intitulado “UM SÓ DIA”.
Infringindo a terceira regra da corrente, permito-me transcrever uma das partes do poema que mais gosto, da já citada pág. 161:


Pintura de Héctor Becerini


"Ao sol, ao raio de oiro da manhã.
Ao vento, à comoção dos seus sentidos…
À rajada que desce da montanha,
Ao orvalho do sonho, à impaciência
Do seu beijo macio,
Ao fluir de rio
Em sucessiva ausência…
À palavra pequena, ao som de búzio
Que vem do grande mar
E no ouvido se alonga e se insinua
- posse, algema, vertigem
Que a flor vai navegar…"

(excerto, poema de Natércia Freire)

Passo o testemunho a 6 blogues:

As velas ardem até ao fim
Carlos Peres Feio
Des-encantos
Diogo Ribeiro
Dulce
Piedade Araújo Sol


Imagem de autor desconhecido

domingo, dezembro 09, 2007

anseio a noite...


daqui


anseio a noite
o sono o sonho
suspensa a confusão da luz
cravo as mãos no corpo
atingir o interior do rio
longe das vozes do dia
acaricio a música
o correr das águas
no leito novo
a quietude do coração
adormecido na margem


(Poema de
Memória Perturbada)

terça-feira, novembro 20, 2007

O Mar...

E porque o Mar foi tema de destaque, no blogue Porosidade Etérea da Inês Ramos, deixo aqui os poemas que foram seleccionados para serem gravados em áudio…


Fotografia de Pedro Moreira (Meia-laranja, Praia da Granja)



Penélope fala a Ulisses, ou outras falas
1.

Cala-te, tu,
de voz de azul harpia
e deixa-me que eu ouça outra vez o Egeu,
as ondas sufocadas,
as sereias cantando,
e um riso que foi meu junto de tanto mar

Deixa que ouça outra vez a sua voz
e silencia o tom de azul harpia,
agora,

que o meu amigo fala,
e a memória que dele se desprende
só me pode rimar com o que tenho agora
e é demais conhecido ao longo desta língua,
a minha língua que não é de Egeu,
mas de outro mar mais largo


2.

Deixa-me que registe
por dentro da memória
a sua voz,
que com ela me cheguem
mil Cretas e soluços de sereias,
Minotauros brincando pela praia,
livres como meninos
em castelos de areia e labirintos

Deixa-me a sua voz,
tu, a de azul harpia,
revisitados montes sem idade
nem tempo para amar

3.

Por isso, ao meu amigo, lhe fala a minha língua
de saudade
— rimando no meu mar com o seu mar,
que é outro e tão diferente
e em tempo tão diferente
do azul, que até à exaustão
cantei

Por isso, ao meu amigo, lhe fala
a minha língua de saudade:
de janelas de sol emolduradas em solidões
diferentes,
mas sempre e ao mesmo tempo
e neste bastidor:
a solidão igual –

Ana Luísa Amaral(poema inédito, que será incluído no seu próximo livro)



Ouvir o poema na voz de Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)


Fotografia cedida gentilmente pelo Almaro

Morrer devia ser assim:
lavar a cara com areia fina
e mergulhar no mar adormecido.


Joaquim Alves

Ouvir o poema na voz de Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)

O meu agradecimento a Inês Ramos pela disponibilidade e partilha.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Campo… de Mar

Há palavras que são momentos… e momentos que não precisam de palavras.
O meu agradecimento à
Cris por este momento que deixou nos comentários e que peço licença para aqui transcrever…


Olhar o mar como se olha para o céu como se olha para o campo...
As estrelas estão lindas, brilhantes, num firmamento trigal.
Os peixes são agora papoilas e as ondas mil flores silvestres, ondulando sob nuvens, vagas de espuma em flor!
E as algas entrelaçam-se, trepadeiras, namorando os astros, quais frutos em árvores frondosas.
O coral é já sol-posto, repousado em rochedos, horizontes sobre oceanos, prados a perder de vista...
Já se adivinha o encanto...

A maré-cheia corre, estende seus braços de água e, transformada em ribeira, ladeia, cantarolando, o imenso areal dourado, qual eira, enchendo-a duma frescura tão marinha, tão campestre!
Brotam os búzios viçosos e as conchas são borboletas, com asas de madrepérola...
E cantam, com voz de aroma de marés vivas, sobre campos azuis, prontos para serem ceifados.
Dormem os pescadores...descansa a faina...sonham que são lavradores...

Veste-se a praia de verde e pede à noite que se junte à fantasia; que lhe traga o vento para com ela bailar ao som da melodia das dunas tão moçoilas, lindas ceifeiras!
Lá longe a montanha sorri e a festa vai durar, estender-se pela madrugada até que o dia os avise que é tempo de recolher porque a noite quer ir deitar-se e o sol-posto vai ser de novo coral.

Descansa o encanto nos braços do dia mas promete voltar!
Trará com ele a noite e será outra vez festa, num campo verde, no mar!
E vai fazer os pescadores dormir de novo, repousando da faina sonhando que são lavradores.
E a praia vai tornar a vestir-se de verde, vai bailar, descalça, com a brisa pelos ombros...
Mas desta vez, num mar que se tornou campo, olhada pelas dunas ceifeiras, nos braços ternos do vento.

Cris in Campo… de Mar

sexta-feira, outubro 19, 2007

O mar tão perto...


São estes os caminhos que percorro diariamente, que fortalecem a minha alma e acalmam o meu espírito.


O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves,
só alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto
puríssimo, doirado.

(Poema de Eugénio de Andrade)



É deste mar que retiro toda a essência que percorre as minhas veias e nele procuro a nascente onde vou beber a minha sede.

(fotos minhas...)

quarta-feira, agosto 15, 2007

...


Imagem Google



Todos os sonhos têm um Fim

segunda-feira, agosto 13, 2007

Ode ao Mar


Fotografia de Sandra V.

Água, sal e vontade — a vida!
Azul — a cor do céu e da inocência.
Um lenço a colorir a despedida
Da galera da ausência...

Mar tenebroso!
Mar fechado e rugoso
Sobre um casto jardim adormecido!
Mar de medusas que ninguém semeia,
Criadas com mistério e com areia,
Perfeitas de beleza e de sentido!

Vem a sede da terra e não se acalma!
Vem a força do mundo e não te doma!
Impenitente e funda, a tua alma
Guarda-se no cristal duma redoma.

Guarda-se purificada em leve espuma,
Renda da sua túnica de linho.
Guarda-se aberta em sol, sagrada em bruma,
Sem amor, sem ternura e sem caminho.

O navio do sonho foi ao fundo,
E o capitão, despido, jaz ao leme,
Branco nos ossos descarnados;
Uma alga no peito, a flor do mundo,
Uma fibra de amor que vive e treme
De ouvir segredos vãos, petrificados.

Uma ilusão enfuna e enxuga a vela,
Uma desilusão a rasga e molha;
Morta a magia que pintava a tela,
O mesmo olhar de há pouco já não olha.

Na órbita vazia um cego ouriço
Pica o silêncio leve que perpassa...
Pica o novo feitiço
Que nasce do final de uma desgraça.

Mas nem corais, nem polvos, nem quimeras
Sobem à tona das marés...
O navio encalhado e as suas eras
Lá permanecem a milhentos pés.

Soterrados em verde, negro e vago,
Nenhum sol os aquece.
Habitantes do lago
Do esquecimento, só a sombra os tece...

Ela és tu, anónimo oceano,
Coração ciumento e namorado!
Ela que és tu, arfar viril e plano,
Largo como um abraço descuidado!

Tu, mar fechado, aberto e descoberto
Com bússolas e gritos de gajeiro!
Tu, mar salgado, lírico, coberto
De lágrimas, iodo e nevoeiro!

* Miguel Torga, in Odes,(1946)


* Poeta, contista, romancista, diarista, ensaísta e dramaturgo, Miguel Torga, de seu verdadeiro nome Adolfo Correia da Rocha, nasceu em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real, a 12 de Agosto de 1907 e faleceu em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Saber Amar


Pintura de Peder Severin Kroyer



Ah! Como é bom saber amar alguém,
ter dentro de si aquele amor ardente,
amar com todo ardor que a alma consente
sem temer ser loucura, mal... ou bem.

Mas há quem se iluda, quem diga que ama...
frouxa luz de candeia que se apaga,
simples amor que esvoaça, que divaga,
deixa morrer no coração a chama.

Amor é tudo o que se dá feito ternura,
é ficar preso d'alguém sem amargura,
sem se sentir como ave em cativeiro.

É o encontro de paixões iguais... sentidas;
depois, duas almas numa só unidas,
duas vidas que se entregam por inteiro.

(Poema de
Maria Teodora in Thornlessrose)

sábado, agosto 04, 2007

O discurso do sol...


Aquarela de Gisele


O sol abriu os seus braços
Mostrou o melhor sorriso
E disse:
Da rotina solta os laços
Ganha tino, ganha siso,
Toma o barco da ousadia
E zarpa rumo ao futuro...
Onde há noite, vai ser dia,
Olhar forte, rosto duro,
Sorriso vestindo esperança
À bolina navegando,
Tens o leme da mudança
Na alma... o sonho brilhante,
O mar, é todo bonança,
Vai, e não olhes p'ra trás...
És a coragem que avança
Porto seguro verás,
E... saciado o desejo,
Ancora no meu olhar
Bem doce... te dou um beijo
E... em ti... vou mergulhar!...

(Rouxinol de Bernardim)

quarta-feira, agosto 01, 2007

Silêncio


Imagem de autor desconhecido


Diz-se o silêncio,
Não são precisas palavras,
Fala-nos por si e no meio de tanta gente,
Faz-nos sentir quanto é premente,
Vencer as barreiras que nos aporta o tempo...

Diz-se o silêncio,
Impõe-se, belisca-nos, agita-nos...
Porque nos mexe na alma e nos morde o corpo
Ao trazer até nós a premência, a urgência,
que nos impele ao outro...

Diz-se o silêncio,
Ele é de ouro ou de prata,
Porque nos eleva,
Mesmo quando a saudade mata,
Sobe em nós a temperatura da consciência,
Ao penarmos pela ausência,
Mas sabemos que há uma memória que cura
e uma esperança que colmata...

(Poema de
Beatriz Barroso in Porosidade Etérea)


Ouvir o poema na voz de Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)