(Desligar, p.f. a música de fundo do blogue para ouvir o poema)
Nesta Páscoa, deixo-vos um poema do Pe. José Tolentino Mendonça, num trabalho realizado por José-António Moreira do Sons da Escrita
Capa do livro
UM DIA
Um dia
vou dizer-te,
a versão eloquente
de quem fomos,
…dizer-te
dum pretérito simples,
e do futuro condicional
incerto.
Leremos livros
de odores ligeiros
saboreando chás
de sabores diversos,
Diremos poemas
inventaremos núpcias
juraremos juras
e cantaremos versos,
Descobriremos portos,
barcos, travessias,
tormentas brancas
e algumas calmarias…
Tudo isto amor,
e nada mais,
brandos e contemplativos,
eu prometo,
…um dia.
(Bósnia 1998)
Poema de Teresa Cunha
in, III Antologia de Poesia Contemporânea, (Chiado Editora)
CONVITE
Espero encontrar-vos lá!
Imagem retirada da internet
Mário Domingos
À procura das palavras
I
Subi então até à raiz do poema
e aí encontrei uma flor petrificada.
Olhei em volta, à procura das palavras
que pudesse comprar a minha sede:
- Era um deserto de nervos
Com margens de sangue
A paisagem na raiz do poema - eu.
Murmurei vagamente uma oração antiga
E quase me desfiz em pó de tanto olhar
E me arder a vista atroz, incendiada, no crepúsculo
inigualável. Silêncio e mais silêncio.
II
A água corria, corria por entre as pedras,
levava no corpo destroços de cidades,
laranjas esquecidas na penumbra,
raparigas ironicamente vestidas, vestidas de verde,
raparigas-água impressionantes, sorridentes.
A água corria e era muita e era bela. Levava
A palavra procurada, a palavra do poema
algures no corpo, recatada e mansa, talvez adormecida.
Eu sabia apenas que entretanto amanhecera.
III
Tenho sede. Ergo-me de repente e abandono
o amável leito de todos os dias. Veloz como
o navio que sabe seguro o porto, ganho
o espaço ritual que me separa de mim.
Tenho sede. O meu pulso é algo de concreto e latejante,
assim me sinto e reconheço, à procura das palavras
na raíz incandescente do poema - eu.
São de pedra as cidades, são enormes e movem-se
no ritmo lógico em torno dos meus ombros.
A flor petrificada olha-me heroicamente, meigamente,
o seu espanto é de carne rigorosa. Tem cinco pétalas
azuis emocionadas, inscritas pouco a pouco nos meus olhos
maravilhosos de ironia, incrivelmente densos.
Poema de Mário Domingos
Porque os Poetas não morrem ficarão para sempre as tuas palavras gravadas no Universo.
Até sempre, Alien8. Até sempre, Mário Domingos.
R.I.P.
Rui Costa
Elegia Azul
Clara, como talvez tu antes da última esquina da noite,
uma imagem redonda colava-se aos meus dedos por entre
as folhas de papel que lentamente ardiam. Foram sempre
mais as páginas que juntei do que aquelas de que pude
separar-me, naquele T1 pequeno com vista para Monsanto
e para o teu corpo sempre azul.
Infelizmente, não fora capaz de preparar
o silêncio que sempre se segue a tudo o que
não somos, dirias tu, o rumor de instantes que nos apanha
na canga e nos sugere o vale sem luzes e a varanda grande.
Parado sei que isso é poesia, um sonho, pequenas alucinações
de primavera sem apelo no fundo destas veias e sei também
que continuas a existir e vais ser minha muitas vezes,
como eu quero ser teu intermitentemente em cada lua nossa.
Mas tu sabes como os astros nos pregam partidas ao telefone,
como em certos dias a pique para o sol embatem nas antenas,
e este ligeiro pesadelo é apenas o desconforto baço de saber
que há coisas demasiado belas para não serem tristes.
Poema de Rui Costa in "Os Dias do Amor", selecção de Inês Ramos, pág. 370
Passamos pelas coisas sem as ver
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Poema de Eugénio de Andrade
(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)
O Poesia Portuguesa agradece a todos os que tornaram possível o “passatempo do poema mais comentado” em especial ao Sons da Escrita pelo trabalho realizado na produção dos vídeos dos poemas premiados e ao José-António Moreira por ter dado voz aos mesmos.
(desligar por favor a música de fundo para ouvir o vídeo)
Imagem de James Harrigan
desiguais se encostam
desiguais se destapam em fios de som
metálicos se enferrujam
desiguais se sentem
sem sentir o igual do tacto
desiguais se tentam enroscar
metálicos
gritam finos sons de cordas rijas
desiguais se amam em cordas
esticadas
desiguais se aconchegam
em cordas que vibram
desiguais se gritam
metálicos
não se olham
desiguais se tocam em notas de viola
desiguais se igualam
em desalinho se deitam
alinhados
encostados se amam
encostados se ouvem
desiguais gritam
metálicos
desiguais se misturam
em sons desabafados
deitados em tecidos amarrotados
desiguais se igualam
Poema de Teresa Maria Queiroz
Pintura de Philippe Loubat
Gostaria tanto….
De tocar a superfície da maresia
Com as minhas mãos sedentas e sentir-te apelo…
De escrever-te pétalas tinta sorriso
E declamar-te com os teus versos partilha…
De amar-te murmúrio doce
Na tua entrega paixão querer de ti segredo nosso…
De dizer-te o que me queres soletrar
No prolongar infinito do teu enleio alma…trajecto redacção…
De ouvir as tuas canções nossas
E invejar o teu saber dizer de poemas versus coração…
De me render à tua “luta” apego
E ficar prisioneiro do único amor com o amor que entoas…
De nada saber e tudo me ensinares
No cultivar sólido de sabores teus…doados nossos…
De correr para ti…como menino carente
No fim de cada minuto saudade e sorrir no teu abraço abrigo…
De aprender contigo a moldar a cor do acto
E suspirar no acreditar da certeza página presente…
Que me escrevesses um poema silêncio
Em grito surdo de respiração suspensa …para lá do possível ...
De nunca ter de conjugar verbo no passado
Porque a tua caligrafia semeia sempre futuro em cada escrita dita…hoje presente…
De chorar …apenas para apagar vulcões de êxtase
Que me dás em oferta solta almejo de vida sempre a colorir…
De dizer-te paixão…com um obrigado abençoado…
Porque se Deus existe…tu és o Universo da felicidade…
De nunca findar este caminhar a dois
Onde exigisses amor com amor…até ao beijo final….
De dizer tanto…e tanto ouvir…
No tanto que há para viver…no tanto que há para amar…no tanto que há para declamar...
De não te conhecer…e puxares a minha mão
Para te conhecer e percorrer estrada rio…nascente foz…mar…horizonte…sofreguidão conhecimento…o teu jardim…
De ouvir a tua verdade…nas verdades que tens…
Bálsamo fidelidade…código único…
Que a única diferença de sermos…fosse a interpretação
Homem …mulher…nunca o esgrimir de posições …porque somos…
Gostaria tanto…
De acordar…com o teu acordar…
E sentir-me com o teu acordo do acordo que rubricámos…
Poema de José Luís Outono
Imagem de Google sem indicação de autor
“Un vague bonheur leur était élan et ménace”
Nic Klecker, “Matin” (conto), in Jadis au village
A manhã de Outono veio trazer prenúncios
de Inverno e sombras de geada
veio montada nos raios oblíquos
e conduziu as rodas das bicicletas
uma em direcção à outra
dele e dela
uma brisa fresca
juntou-se ao encontro
que seria a dois
estavam eles conscientes
do mistério do dia?
foi-lhes ele anunciado na noite já distante?
tê-la-ia ele visitado, ter-lhe-ia ela
franqueado o ardor do umbral?
ter-se-iam amado no corpo
do sonho? as mãos
eram jovens e virgens
ainda seguravam
os guiadores das bicicletas
e os olhos de um faziam tangentes
nos do outro
decidiriam unir-se
para o receio e a ousadia do salto
para a existência e a aventura?
os peitos respiravam ténues
o mesmo ar de sol e gelo
debruçados sobre as bicicletas
os sentimentos eram felizes
os corações abriam-se em ramos de flores
para a beleza palpitante
um do outro
Poema de Rui Miguel Duarte
Fotografia de Stuart Redler
Um dia quando ouvires as árvores pensar
Irás recordar os olhares e os sonhos.
Irás recordar os erros e
Ouvirás o cantar dos pássaros;
Recordarás o vento e as palavras
Todas as palavras.
O futuro não estará lá,
O passado também não.
Apenas tu, as árvores e os pássaros
Nada mais.
Como será a vida no fim da canção?
Poema de Francisco Vieira
Virgínia Do Carmo iniciou Novembro com o seu poema “do fim dos meus dias... “ que já poderão ler e, impreterivelmente, às 12 horas de cada sábado seguir-se-ão os restantes.
Grata a todos pela participação.