sábado, setembro 30, 2006

O último sábado de Setembro...


Pintura de Sandonís Martín


Manhã de sábado
Manhã de praça
Manhã de compras

Ó freguesa, não vai um cheirinho?

Manhã de luz de Setembro
Manhã das coisas que me lembro
Manhã de acordar ao relento

Ó freguês, não vai um cafezinho?

Manhã de orvalho
Manhã de gotas suadas
Manhã de sinfonias, a soarem de galho em galho

Ó fregueses, então não vai um abracinho?

(Poema de João Firmino in Circulo de Poesia)

quinta-feira, setembro 28, 2006

Embriaguez


Imagem de Daniel Costa-Lourenço


O vento espalha pétalas de lua sobre a calma da noite
Abrindo as nuvens de medos sussurrantes,
Revelando um céu quase virgem de olhares
Como se fosse a única vez que te tocasse
E a última,
De tal forma fulgurante
Que acendemos fogos sobre a água escura do rio
Com restos de entardecer,
Crepitando assustadoramente os nossos nomes,
O vernáculo que soltas quando nos temos,
Os nomes das coisas que inventamos, e fazemos
Sobre o suor das risos ao crepúsculo,
Dos suspiros que se confundem com o rumor da manhã,
Sem rumo, sem norte, sem bússola,
Perdidos,
Num recanto qualquer com vista para o Tejo,
Vagueando, algures na nossa embriaguez,
Devorando-nos em surdina,
Reclinados sobre um precipício que não acaba.

É tudo o que temos,
Quando nos temos…

(Poema de db in mar.da.Palha)

segunda-feira, setembro 25, 2006

Sê tu a palavra... (Um ano depois...)

Um ano… em que iniciei com um poema de Eugénio de Andrade, homenageando assim o grande Homem e Poeta que nos tinha deixado.
É o tempo decorrente entre o início das palavras conjugadas no verbo Existir
É o tempo entre as vossas palavras e o meu carinho por elas, que a cada dia, foi aumentando.
Esta página é vossa. Assim como o meu desejo de vos dar os Parabéns por existirem e permitirem que eu exista…



Imagem de Olga Fonseca


1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?

(Poema de Eugénio de Andrade)


A todos os que gostam de Poesia, permito-me chamar a atenção para as palavras de Luís Gaspar através do Estúdio Raposa – Lugar aos Outros 19 .
Quem estiver interessado em aderir à iniciativa sugerida e nas próprias palavras do Luís seria…“organizar a edição de um livro com a Poesia que anda pela Blogaria”…

Deixo do aqui o desafio…

sexta-feira, setembro 22, 2006

Hoje...

Confesso que tinha escolhido outra imagem para este poema. Mas hoje ao visitar a A. descobri-a numa imagem que é um verdadeiro poema…

"Vamos Viver de Sonhos e Fingir que Somos Assim. Felizes."

Imagem da A.


Hoje dispo-me de ontem,
Procuro o hoje,
Encontrando o amanhã!
As palavras rendilhadas
espalham-se por entre serras perdidas
separadas do mar!
Hoje visto-me de ontem,
não procuro o hoje
e de que interessa o amanhã?..
Buscas incessantes que se engolem
em orgasmos salgados que
caem na terra de ninguém!
São tantas procuras inférteis
de palavras rendilhadas
que acabam mortas
por entre serras perdidas
naturalmente… sem alimento!
Hoje desejo-me… Nua!

(Poema da {{Coral}})

quarta-feira, setembro 20, 2006

Devagarinho no Outono


Imagem Google


Acaba-se imperceptivelmente o fulgor do Verão
Vai-nos caindo sobre...
esta lassidão de Outono.
A luz já não é bem luz
mas uma pasta que se mistura com a Terra.
Dela se ergue uma bruma da sua cor,
diluída, esparsa.
O cheiro entra-nos na pele
absorve-nos
dispensa as narinas.
é acre
intenso
quase agressivo.
As estrelas baixaram no céu
teimosamente entre nós.
Ensombra-nos uma ténue cortina -
futuras nuvens
ainda medrosas de o serem.
O céu já não é a donzela
desconhecedora de vergonhas
descuidando-se brilhante no seu virginal fulgor.
É, agora, pudica menina
tentando encobrir a nudez
em indiscreta cortina translúcida.

(As fêmeas deveriam sempre aleitar nesta estação.
Então, os vagidos das crias sequiosas ou o ronronar da saciedade, soariam abafados docemente na penumbra, de manhã a manhã, como uma almofada de lã fofa e transparente e as crias, rolando dos leitos, vagueariam nesta maciez onde a gravidade quase se anula.)


Se Paz houvesse, ela seria proclamada em cada início de Outono!

(Poema da Seila)

segunda-feira, setembro 18, 2006

Cavalheiro


Imagem de Dionísio Leitão


Hoje, fumei um cigarro.
Emprestaram-me o isqueiro,
deram-me o invólucro branco-laranja,
e foi com a alma em franja
que cheguei à sala do fumeiro
e entre a impestação alheia por catarro
me esfumarava inteiro.

Entrou uma mulher;
"Tem lume?" – mordendo o cigarro ao meu fogo ofertado
"Sim" – passando-lhe para a mão o mecanismo emprestado
Surpresa, não se conteve; "Julguei ser um cavalheiro!"
Rindo-me retorqui, com o meu ar mais matreiro:
"Que maior confiança deposito que ter na mão o meu isqueiro?"

É que nestas convenções de cavalheiros
escondem-se sagazes predadores de atenção,
mas são os que não procuram ser certeiros
que guardam os melhores sorrisos
no coração!

(Poema de Rui Diniz)

sexta-feira, setembro 15, 2006

Demasiado vivo...


Pintura de Edward J. Poynter


Quero ser…
Existir nos teus lábios…
Quero estar…
Possuir as tuas mãos…
Quero, quero ser a montanha que te recebe.
Silencia os nossos gemidos,
cala os nossos choros…

Serei fonte que te bebe sem sede,
onde estou, serei vida que te leva como numa rede.
O que sou sem a tua luz não me transporta,
deixei de ser, abandonei a matéria morta.

Quero ir…
Existir nas tuas palavras…
Quero voltar…
Possuir os teus erros…
Quero, quero ir na corrente que te leva.
Grita na melodia do nosso silêncio,
Revela o nosso sorriso…

Serei o pó que recebes,
onde vou, crescer no teu mundo como sebes.
O que fui, perguntas, apenas matéria,
passarei a ser, tão vivo como uma artéria.


(Poema de Joca-João C. Santos)

quarta-feira, setembro 13, 2006

Um Hino à Cidade...

Dedicado a todos os que gostam dela…e em especial aos meus Amigos que lá vivem...

Imagem de A Cidade Surpreendente



Ai esse corpo cidade que a cidade vai abrindo
Esse corpo de ansiedade nas vidas que vão florindo...

Ai esse corpo violado que se esgueira pelas vielas
Esse corpo mal tratado nos corpos deles e delas...

Ai esse corpo almofada sem atavios de riqueza
Corpo de pedra lavrada, corpo de vida burguesa...

Ai esse corpo cidade com traineiras na lonjura
Sempre manhã, sempre tarde, nos braços da noite escura...

Ai esse corpo doçura no amor de quem lhe quer
Esse corpo dedilhado, como guitarra-mulher...

Ai esse corpo de espanto desta cidade brumosa
Todo riso, todo pranto, todo amante ansiosa...

Ai cidade marginal no desespero dos dias
Cidade nobre e leal de muitas democracias...

Ai encanto de pintores, de poetas, doutros mais
De jardins cheios de cores, de tertúlias ancestrais

És cidade toda Povo de manjerico na mão
E és Porto de igualdade em Noite de S.João!...



(Poema de Maria Mamede)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Dúvida


Imagem de Zhaoming Wu


Perfilo-me à beira da vida
tentando
evitar o inevitável.
Dobro as esquinas com cuidado
evitando as surpresas.
Espreito os becos desertos
com a esperança de neles ver surgir
o in(esperado).
Fujo do confronto,
de olhar em frente
o que quero não ver mais.
Encolho-me no meu canto
e escolho
a imobilidade
pensando assim passar
despercebida.

A invisibilidade é o
que mais pretendo.
A instabilidade é o que possuo.
A paz é o que procuro
mas a desilusão espreita em cada passo.

Desilusão.
A ilusão desiludida.
Instabilidade.
Instável estabilidade.
Escondo-me do futuro
escudada na ilusão,
e à beira da vida, aguardo.
Imóvel.

Salto?

(Poema da Dulce)

sexta-feira, setembro 08, 2006

Beijar-te a alma...


1000Imagens FilipeSantos

Eis que a ti me entrego e a ti recebo,
é a unificação do nosso ser.
Que maior maravilha pode haver
do que beijar-te a alma, o meu abrigo?

Deixa que a ternura que em mim sentes, seja a estrada de sonho
em que caminhes, e caminhando tu irei contigo.
Deixa pois que o infinito seja o fim, e que até lá
na doce comunhão do nosso amor, eu consiga a ventura
de te ter ao pé de mim.

(Mesmo que as vagas sejam muitas
eu vencerei distâncias).

O marulhar bramindo
não será mais forte
do que os meus lábios
teus olhos cobrindo
ao cair da noite.

Deixa pois que me atreva
a ser superior à humanidade;
que subjugue o ciúme,
o tédio e o esquecimento com a minha vontade.

(Deslizarei bem junto a ti, abraçarei os teus joelhos
e assim, reinarei submissamente).

Depois te contarei os lindos sonhos que para ti criei.

Consente amor que a tua alma embale docemente,
que o frémito que existe
nos meus lábios
circule no teu sangue, e te mantenha
o fogo
eternamente.

(Poema d' A rapariga)

quarta-feira, setembro 06, 2006

Um Outono...

… e porque nos comentários me oferecem verdadeiras pérolas, deixo aqui este principiar de…


Pintura impressionista de Berthe Morisot

Um Outono...
amarelece,
lentamente vai descaindo.
Flutuações osciladas.
Pelos dedos
escorrem os últimos sóis
(de um calor).
De longe,
restos de pó,
memórias do tempo...
entre as folhas,
resvalam luzes
aquietadas,
mornas.
Uma despedida,
talvez
um regresso...

(Poema de Joaquim Sobral Gil)


Adenda sobre a pintura de hoje: Berthe Marie Morisot, foi a primeira mulher a juntar-se aos pintores impressionistas franceses.
Apesar da oposição de familiares e amigos, ela continuou a lutar pela arte em que acreditava e pelo seu reconhecimento.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Selvagem...




Adeus, disse-lhe!
Virou costas, nem olhou para trás
Entrou num café, pediu uma bica
Puxou um cigarro, suspirou.
Saiu!
Andou sem destino pelas ruas
Até chegar ao carro.
Guiou!
Sem norte nem sul
Sentia-se livre, sem peso
Olhou-se pelo retrovisor, sorria
Parou!
Saiu num descampado
Despiu-se devagar
Correu através dos campos

Como um cavalo selvagem…


("Wild" poema da Wind)


Imagem de Sascha Hüttenhain

sexta-feira, setembro 01, 2006

...e é Setembro.


Imagem de autor desconhecido

a rua respira de um amarelo minúsculo,
nos dedos a poesia gasta-se.
com algemas nasceu uma rosa corroendo a paisagem,
e é Setembro.
chegaram os sopros pungentes da iluminação.

certamente vestirei um acto inútil,
perderei do sentido a noção.

ouve-me,
ainda que as esferas no meu sangue se esbarrem, o vento
continua a empurrar as aves
que conduzem trenós, e a ternura é veloz.

(Poema "A rua respira" de Maria Gomes)