segunda-feira, outubro 16, 2006

Apareces tão pouco...

"-Tens muito que fazer?
-Não. Tenho muito que amar.
(Não entendo ser professor de outra maneira. E não me venham dizer que isto cansa e mata; morrer-se sempre se morre: e à minha maneira tem-se a consolação de não ser em vão que se morre de cansaço.)" in Diário de Sebastião da Gama




Sebastião da Gama

Confesso que ao começar a ouvir as primeiras palavras ditas aqui me emocionei bastante.
E reportei-me anos atrás, onde uma voz tranquila lia em certos momentos, palavras que se foram interiorizando em mim. Tal como estas:


“Há palavras alegres e há palavras
tristes. E essa tristeza ou essa alegria
umas vezes está nelas, outras no
modo de as dizer.”


As palavras do Luís Gaspar despertaram em mim recordações há muito guardadas na memória dos afectos. Confesso que enquanto o ouvia, uma lágrima rolava no meu rosto. Da minha meninice e dos meus tempos de estudante, guardo recordações maravilhosas. E sei que muito do amor às letras que tenho, vêm desses tempos.
Hoje num turbilhão de sentimentos, recordei momentos, factos e pessoas que guardei sempre no meu coração. Um deles, a pessoa que me ensinou a amar as letras, que lia na sua voz doce e que me transmitia e a toda a classe que leccionava, toda a candura de um Poeta que ela própria respeitava e admirava: a minha Professora, que também era a minha melhor Amiga e minha Mãe.
É a ela e por ela, que hoje neste Poesia Portuguesa me atrevo a deixar aqui a voz do
Luís e este


Apareces tão pouco...

Apareces tão pouco nos meus sonhos que quando os sonho chego a ter saudades tuas.
E entretanto tu és ainda a mesma continuas a pôr cravos e rosas ao pé do meu retrato, a idealizar uma casa ao rés das ondas (mal pensas nela, riem nos teus ouvidos nossos filhos) e a fazer da Vida precisamente a ideia que fizeste de mim desde a primeira hora.
Era assim, boa e simples, que antigamente chegavas aos meus sonhos. E como eu, pela minha, calculava a tua pressa, fazia-te chegar rosada e ofegante, exausta de correr da tua porta à porta da minha fantasia.
O tempo era o das flores... E tu colheras uma no caminho e vinhas dá-la ao maior e melhor de todos os poetas. Eu fingia fingir acreditar no que de mim julgavas, e era já acordado que beijava as tuas mãos, pois desceras comigo do sonho e à minha volta o estremecer alegre e o perfume suavíssimo do ar e um silêncio igualzinho ao que se faz quando te calas eram tua presença verdadeira ...
Por que não vens agora? Todo o tempo é o tempo das flores, para os poetas...E tu pensas de mim o que pensaste sempre e bordas nos lençóis as nossas iniciais. Por que não vens? Chegarias ainda rosada e ofegante. Não virias molhar de lágrimas meus sonhos, porque não sabes nada ... Nem sequer que até esqueci a cor e o corte do vestido que tu estreaste (há quantas Primaveras?) no último sonho em que sonhei contigo ...

(Sebastião da Gama )

Sebastião da Gama foi Professor. Muitos alunos o recordam. Um deles o próprio Luís Gaspar e são dele estas palavras que finalizam o Palavras de Ouro 63:

"Vou reler e reler o “Diário” de Sebastião da Gama onde ele, a certa altura fala de um dos seus alunos como um tal Micróbio alcunha que me acompanhou durante muito tempo na Escola Veiga Beirão. "

sexta-feira, outubro 13, 2006

Outono


Imagem Mário Galvão Ferreira Galante [Magal]


Talvez nunca a ternura fosse tanta
como entre os montes amadurecidos
e quando as casas se elevam
entre o ouro e o fumo da tarde.

Silêncio que parece vir do lento
passado,
vozes que se dão
em resignada melancolia
e tomam a forma dos frutos,
vinho e sombra que apagam o mar
nas árvores
onde não tardará o abandono
memória do que somos.

Repousam sobre a noite os grous
enquanto as cidades crescem à nossa volta
contra o sul vencido.

Vento, ramo e sombra que caem
sobre as janelas ardentes:
lá onde a púrpura se reclina
sobre a água e a beleza
a verdade começa a surgir da espuma.

(Poema de Henrique Dória in Odisseus)

quarta-feira, outubro 11, 2006

Pintar o tempo...


Óleo de John William Waterhouse


Hoje já pela noite
Fiz-me ao mar ...

Libertei sereias
para cantar
em vozes transparentes
e calmas...

Transformei gaivotas
inquietas...
voando
em voos de rasos
de almas
planando...

Desencalhei navios
afundados
soltei barcos
naufragados...

Sacudi a folhagem
mudei a paisagem...
Desfolhei flores
de mil cores...

Perfumei o vento !
Pintei o tempo!

(Poema da Perdida)

segunda-feira, outubro 09, 2006

Escadaria


Fonte da imagem: Clarence Signormori

Subo a escadaria
De mármore polido
Até ao topo
Derrapo nos últimos degraus
Quase me estatelo
Equilibro-me a custo
Dum golpe de rins
Bem delineado
Alcançando a muralha
Donde consigo avistar
Aquilo que tu não queres ver
Quando subires
A escadaria de mármore polido
Cuidado nos últimos degraus
Eles escorregam...

(Poema de Paula Raposo in Canela e Erva Doce)

No próximo dia 14 de Outubro às 18.30, será lançado o livro de poesia "Canela e Erva Doce". Mais detalhes aqui

sexta-feira, outubro 06, 2006

Estuário d´amor


Imagem de Adriarual


Tatuaste
no teu corpo, a minha
cor
entrando... nos teus poros
corro-te
no sangue...
livre

A alada curvatura do meu seio
Não evita o doce peso dos teus dedos
Um favo, onde se junta toda a doçura – sem receio
Vestes a nudez do meu liso ventre – com segredos

Doce mel do teu olhar desliza...
Pequenas gotas em meus lábios caem
Como palavra absoluta, envolvida na melissa
No íntimo desprender, aquando tocamos – a margem

O teu coração
movendo-se na boca
inaudível dos teus dedos...


(Poema de Betty Branco Martins in Fragmentos)

quarta-feira, outubro 04, 2006

O que é Poesia?


Imagem de Luis Caeiro



O que é Poesia?
Porquê escrever?
É uma triste alegria,
É um amargo prazer.

Em versos, o poeta tem
Um desafogo da alma,
A emoção que lhe vem,
É ânsia, loucura, calma...

Escrevendo, sente-se bem,
Sente-se algo, sente-se alguém,
Num mundo que não é seu.

O que ao poeta dói, o que sente,
É que o mundo, não compreende,
O que, tão sentido, escreveu.

(Poema de Luis Caeiro in grão-de-luz )

segunda-feira, outubro 02, 2006

Foi-se o Amor...


Imagem de Jeff Novak

Chegaste
De mãos dadas
Com o Outono,
E em pleno
Rio Tejo,
Olhaste-me
E pediste-me
Aquele beijo.
Não são lamúrias
Que ouço cantar,
Nem pedras de sal
Que vejo chorar.
São dois corações
Impetuosos
Pela dor,
Que fraquejam
Por saber
Que de tudo
O que menos ficou

Foi o amor.

(Poema de Natalie Afonseca in A minha teia)

sábado, setembro 30, 2006

O último sábado de Setembro...


Pintura de Sandonís Martín


Manhã de sábado
Manhã de praça
Manhã de compras

Ó freguesa, não vai um cheirinho?

Manhã de luz de Setembro
Manhã das coisas que me lembro
Manhã de acordar ao relento

Ó freguês, não vai um cafezinho?

Manhã de orvalho
Manhã de gotas suadas
Manhã de sinfonias, a soarem de galho em galho

Ó fregueses, então não vai um abracinho?

(Poema de João Firmino in Circulo de Poesia)

quinta-feira, setembro 28, 2006

Embriaguez


Imagem de Daniel Costa-Lourenço


O vento espalha pétalas de lua sobre a calma da noite
Abrindo as nuvens de medos sussurrantes,
Revelando um céu quase virgem de olhares
Como se fosse a única vez que te tocasse
E a última,
De tal forma fulgurante
Que acendemos fogos sobre a água escura do rio
Com restos de entardecer,
Crepitando assustadoramente os nossos nomes,
O vernáculo que soltas quando nos temos,
Os nomes das coisas que inventamos, e fazemos
Sobre o suor das risos ao crepúsculo,
Dos suspiros que se confundem com o rumor da manhã,
Sem rumo, sem norte, sem bússola,
Perdidos,
Num recanto qualquer com vista para o Tejo,
Vagueando, algures na nossa embriaguez,
Devorando-nos em surdina,
Reclinados sobre um precipício que não acaba.

É tudo o que temos,
Quando nos temos…

(Poema de db in mar.da.Palha)

segunda-feira, setembro 25, 2006

Sê tu a palavra... (Um ano depois...)

Um ano… em que iniciei com um poema de Eugénio de Andrade, homenageando assim o grande Homem e Poeta que nos tinha deixado.
É o tempo decorrente entre o início das palavras conjugadas no verbo Existir
É o tempo entre as vossas palavras e o meu carinho por elas, que a cada dia, foi aumentando.
Esta página é vossa. Assim como o meu desejo de vos dar os Parabéns por existirem e permitirem que eu exista…



Imagem de Olga Fonseca


1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?

(Poema de Eugénio de Andrade)


A todos os que gostam de Poesia, permito-me chamar a atenção para as palavras de Luís Gaspar através do Estúdio Raposa – Lugar aos Outros 19 .
Quem estiver interessado em aderir à iniciativa sugerida e nas próprias palavras do Luís seria…“organizar a edição de um livro com a Poesia que anda pela Blogaria”…

Deixo do aqui o desafio…

sexta-feira, setembro 22, 2006

Hoje...

Confesso que tinha escolhido outra imagem para este poema. Mas hoje ao visitar a A. descobri-a numa imagem que é um verdadeiro poema…

"Vamos Viver de Sonhos e Fingir que Somos Assim. Felizes."

Imagem da A.


Hoje dispo-me de ontem,
Procuro o hoje,
Encontrando o amanhã!
As palavras rendilhadas
espalham-se por entre serras perdidas
separadas do mar!
Hoje visto-me de ontem,
não procuro o hoje
e de que interessa o amanhã?..
Buscas incessantes que se engolem
em orgasmos salgados que
caem na terra de ninguém!
São tantas procuras inférteis
de palavras rendilhadas
que acabam mortas
por entre serras perdidas
naturalmente… sem alimento!
Hoje desejo-me… Nua!

(Poema da {{Coral}})

quarta-feira, setembro 20, 2006

Devagarinho no Outono


Imagem Google


Acaba-se imperceptivelmente o fulgor do Verão
Vai-nos caindo sobre...
esta lassidão de Outono.
A luz já não é bem luz
mas uma pasta que se mistura com a Terra.
Dela se ergue uma bruma da sua cor,
diluída, esparsa.
O cheiro entra-nos na pele
absorve-nos
dispensa as narinas.
é acre
intenso
quase agressivo.
As estrelas baixaram no céu
teimosamente entre nós.
Ensombra-nos uma ténue cortina -
futuras nuvens
ainda medrosas de o serem.
O céu já não é a donzela
desconhecedora de vergonhas
descuidando-se brilhante no seu virginal fulgor.
É, agora, pudica menina
tentando encobrir a nudez
em indiscreta cortina translúcida.

(As fêmeas deveriam sempre aleitar nesta estação.
Então, os vagidos das crias sequiosas ou o ronronar da saciedade, soariam abafados docemente na penumbra, de manhã a manhã, como uma almofada de lã fofa e transparente e as crias, rolando dos leitos, vagueariam nesta maciez onde a gravidade quase se anula.)


Se Paz houvesse, ela seria proclamada em cada início de Outono!

(Poema da Seila)

segunda-feira, setembro 18, 2006

Cavalheiro


Imagem de Dionísio Leitão


Hoje, fumei um cigarro.
Emprestaram-me o isqueiro,
deram-me o invólucro branco-laranja,
e foi com a alma em franja
que cheguei à sala do fumeiro
e entre a impestação alheia por catarro
me esfumarava inteiro.

Entrou uma mulher;
"Tem lume?" – mordendo o cigarro ao meu fogo ofertado
"Sim" – passando-lhe para a mão o mecanismo emprestado
Surpresa, não se conteve; "Julguei ser um cavalheiro!"
Rindo-me retorqui, com o meu ar mais matreiro:
"Que maior confiança deposito que ter na mão o meu isqueiro?"

É que nestas convenções de cavalheiros
escondem-se sagazes predadores de atenção,
mas são os que não procuram ser certeiros
que guardam os melhores sorrisos
no coração!

(Poema de Rui Diniz)

sexta-feira, setembro 15, 2006

Demasiado vivo...


Pintura de Edward J. Poynter


Quero ser…
Existir nos teus lábios…
Quero estar…
Possuir as tuas mãos…
Quero, quero ser a montanha que te recebe.
Silencia os nossos gemidos,
cala os nossos choros…

Serei fonte que te bebe sem sede,
onde estou, serei vida que te leva como numa rede.
O que sou sem a tua luz não me transporta,
deixei de ser, abandonei a matéria morta.

Quero ir…
Existir nas tuas palavras…
Quero voltar…
Possuir os teus erros…
Quero, quero ir na corrente que te leva.
Grita na melodia do nosso silêncio,
Revela o nosso sorriso…

Serei o pó que recebes,
onde vou, crescer no teu mundo como sebes.
O que fui, perguntas, apenas matéria,
passarei a ser, tão vivo como uma artéria.


(Poema de Joca-João C. Santos)

quarta-feira, setembro 13, 2006

Um Hino à Cidade...

Dedicado a todos os que gostam dela…e em especial aos meus Amigos que lá vivem...

Imagem de A Cidade Surpreendente



Ai esse corpo cidade que a cidade vai abrindo
Esse corpo de ansiedade nas vidas que vão florindo...

Ai esse corpo violado que se esgueira pelas vielas
Esse corpo mal tratado nos corpos deles e delas...

Ai esse corpo almofada sem atavios de riqueza
Corpo de pedra lavrada, corpo de vida burguesa...

Ai esse corpo cidade com traineiras na lonjura
Sempre manhã, sempre tarde, nos braços da noite escura...

Ai esse corpo doçura no amor de quem lhe quer
Esse corpo dedilhado, como guitarra-mulher...

Ai esse corpo de espanto desta cidade brumosa
Todo riso, todo pranto, todo amante ansiosa...

Ai cidade marginal no desespero dos dias
Cidade nobre e leal de muitas democracias...

Ai encanto de pintores, de poetas, doutros mais
De jardins cheios de cores, de tertúlias ancestrais

És cidade toda Povo de manjerico na mão
E és Porto de igualdade em Noite de S.João!...



(Poema de Maria Mamede)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Dúvida


Imagem de Zhaoming Wu


Perfilo-me à beira da vida
tentando
evitar o inevitável.
Dobro as esquinas com cuidado
evitando as surpresas.
Espreito os becos desertos
com a esperança de neles ver surgir
o in(esperado).
Fujo do confronto,
de olhar em frente
o que quero não ver mais.
Encolho-me no meu canto
e escolho
a imobilidade
pensando assim passar
despercebida.

A invisibilidade é o
que mais pretendo.
A instabilidade é o que possuo.
A paz é o que procuro
mas a desilusão espreita em cada passo.

Desilusão.
A ilusão desiludida.
Instabilidade.
Instável estabilidade.
Escondo-me do futuro
escudada na ilusão,
e à beira da vida, aguardo.
Imóvel.

Salto?

(Poema da Dulce)

sexta-feira, setembro 08, 2006

Beijar-te a alma...


1000Imagens FilipeSantos

Eis que a ti me entrego e a ti recebo,
é a unificação do nosso ser.
Que maior maravilha pode haver
do que beijar-te a alma, o meu abrigo?

Deixa que a ternura que em mim sentes, seja a estrada de sonho
em que caminhes, e caminhando tu irei contigo.
Deixa pois que o infinito seja o fim, e que até lá
na doce comunhão do nosso amor, eu consiga a ventura
de te ter ao pé de mim.

(Mesmo que as vagas sejam muitas
eu vencerei distâncias).

O marulhar bramindo
não será mais forte
do que os meus lábios
teus olhos cobrindo
ao cair da noite.

Deixa pois que me atreva
a ser superior à humanidade;
que subjugue o ciúme,
o tédio e o esquecimento com a minha vontade.

(Deslizarei bem junto a ti, abraçarei os teus joelhos
e assim, reinarei submissamente).

Depois te contarei os lindos sonhos que para ti criei.

Consente amor que a tua alma embale docemente,
que o frémito que existe
nos meus lábios
circule no teu sangue, e te mantenha
o fogo
eternamente.

(Poema d' A rapariga)

quarta-feira, setembro 06, 2006

Um Outono...

… e porque nos comentários me oferecem verdadeiras pérolas, deixo aqui este principiar de…


Pintura impressionista de Berthe Morisot

Um Outono...
amarelece,
lentamente vai descaindo.
Flutuações osciladas.
Pelos dedos
escorrem os últimos sóis
(de um calor).
De longe,
restos de pó,
memórias do tempo...
entre as folhas,
resvalam luzes
aquietadas,
mornas.
Uma despedida,
talvez
um regresso...

(Poema de Joaquim Sobral Gil)


Adenda sobre a pintura de hoje: Berthe Marie Morisot, foi a primeira mulher a juntar-se aos pintores impressionistas franceses.
Apesar da oposição de familiares e amigos, ela continuou a lutar pela arte em que acreditava e pelo seu reconhecimento.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Selvagem...




Adeus, disse-lhe!
Virou costas, nem olhou para trás
Entrou num café, pediu uma bica
Puxou um cigarro, suspirou.
Saiu!
Andou sem destino pelas ruas
Até chegar ao carro.
Guiou!
Sem norte nem sul
Sentia-se livre, sem peso
Olhou-se pelo retrovisor, sorria
Parou!
Saiu num descampado
Despiu-se devagar
Correu através dos campos

Como um cavalo selvagem…


("Wild" poema da Wind)


Imagem de Sascha Hüttenhain

sexta-feira, setembro 01, 2006

...e é Setembro.


Imagem de autor desconhecido

a rua respira de um amarelo minúsculo,
nos dedos a poesia gasta-se.
com algemas nasceu uma rosa corroendo a paisagem,
e é Setembro.
chegaram os sopros pungentes da iluminação.

certamente vestirei um acto inútil,
perderei do sentido a noção.

ouve-me,
ainda que as esferas no meu sangue se esbarrem, o vento
continua a empurrar as aves
que conduzem trenós, e a ternura é veloz.

(Poema "A rua respira" de Maria Gomes)