De 1973 a 2012 publicou mais de 40 obras e recebeu uma dezena de prémios pela sua obra.
Faleceu ontem aos 68 anos de idade.
E PEDE-ME AGORA O QUE NÃO DEVIA
Reparastes, donas, que no outro dia
O meu namorado comigo falou
Como se queixava? Tanto se queixou
Que lhe dei o cinto, dei-lhe o que podia;
E pede-me agora, o que não devia.
Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)
Que à força de muito, muito se queixar,
Fez-me da camisa o cordão tirar;
O cordão lhe dei: no que fiz tolice,
E o que pede agora, antes não pedisse.
Das minhas ofertas, João de Guilhade,
Enquanto as quiser, não o privarei,
Que muitas e boas, já dele alcancei;
Nem lhe negarei, minha lealdade,
Mas…de outras loucuras, tem ele vontade!
Poema de João Garcia de Guilhade, trovador português,
nascido em Milhazes, concelho de Barcelos durante o século XIII.
Capa do livro
UM DIA
Um dia
vou dizer-te,
a versão eloquente
de quem fomos,
…dizer-te
dum pretérito simples,
e do futuro condicional
incerto.
Leremos livros
de odores ligeiros
saboreando chás
de sabores diversos,
Diremos poemas
inventaremos núpcias
juraremos juras
e cantaremos versos,
Descobriremos portos,
barcos, travessias,
tormentas brancas
e algumas calmarias…
Tudo isto amor,
e nada mais,
brandos e contemplativos,
eu prometo,
…um dia.
(Bósnia 1998)
Poema de Teresa Cunha
in, III Antologia de Poesia Contemporânea, (Chiado Editora)
CONVITE
Espero encontrar-vos lá!
Imagem retirada da internet
Mário Domingos
À procura das palavras
I
Subi então até à raiz do poema
e aí encontrei uma flor petrificada.
Olhei em volta, à procura das palavras
que pudesse comprar a minha sede:
- Era um deserto de nervos
Com margens de sangue
A paisagem na raiz do poema - eu.
Murmurei vagamente uma oração antiga
E quase me desfiz em pó de tanto olhar
E me arder a vista atroz, incendiada, no crepúsculo
inigualável. Silêncio e mais silêncio.
II
A água corria, corria por entre as pedras,
levava no corpo destroços de cidades,
laranjas esquecidas na penumbra,
raparigas ironicamente vestidas, vestidas de verde,
raparigas-água impressionantes, sorridentes.
A água corria e era muita e era bela. Levava
A palavra procurada, a palavra do poema
algures no corpo, recatada e mansa, talvez adormecida.
Eu sabia apenas que entretanto amanhecera.
III
Tenho sede. Ergo-me de repente e abandono
o amável leito de todos os dias. Veloz como
o navio que sabe seguro o porto, ganho
o espaço ritual que me separa de mim.
Tenho sede. O meu pulso é algo de concreto e latejante,
assim me sinto e reconheço, à procura das palavras
na raíz incandescente do poema - eu.
São de pedra as cidades, são enormes e movem-se
no ritmo lógico em torno dos meus ombros.
A flor petrificada olha-me heroicamente, meigamente,
o seu espanto é de carne rigorosa. Tem cinco pétalas
azuis emocionadas, inscritas pouco a pouco nos meus olhos
maravilhosos de ironia, incrivelmente densos.
Poema de Mário Domingos
Porque os Poetas não morrem ficarão para sempre as tuas palavras gravadas no Universo.
Até sempre, Alien8. Até sempre, Mário Domingos.
R.I.P.
Rui Costa
Elegia Azul
Clara, como talvez tu antes da última esquina da noite,
uma imagem redonda colava-se aos meus dedos por entre
as folhas de papel que lentamente ardiam. Foram sempre
mais as páginas que juntei do que aquelas de que pude
separar-me, naquele T1 pequeno com vista para Monsanto
e para o teu corpo sempre azul.
Infelizmente, não fora capaz de preparar
o silêncio que sempre se segue a tudo o que
não somos, dirias tu, o rumor de instantes que nos apanha
na canga e nos sugere o vale sem luzes e a varanda grande.
Parado sei que isso é poesia, um sonho, pequenas alucinações
de primavera sem apelo no fundo destas veias e sei também
que continuas a existir e vais ser minha muitas vezes,
como eu quero ser teu intermitentemente em cada lua nossa.
Mas tu sabes como os astros nos pregam partidas ao telefone,
como em certos dias a pique para o sol embatem nas antenas,
e este ligeiro pesadelo é apenas o desconforto baço de saber
que há coisas demasiado belas para não serem tristes.
Poema de Rui Costa in "Os Dias do Amor", selecção de Inês Ramos, pág. 370
Passamos pelas coisas sem as ver
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Poema de Eugénio de Andrade
(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)
O Poesia Portuguesa agradece a todos os que tornaram possível o “passatempo do poema mais comentado” em especial ao Sons da Escrita pelo trabalho realizado na produção dos vídeos dos poemas premiados e ao José-António Moreira por ter dado voz aos mesmos.