sábado, novembro 22, 2008
domingo, novembro 16, 2008
Um raio de luz
Pego num Sol abstracto e queimo a pele
Quero uma dor absurda mas sentida
Que o meu corpo se derreta no papel
Onde te escrevo senhora, a minha vida
E tudo o mais que me parece tão cruel
Como as horas que tocam a despedida.
Se ao menos houvesse um cais aonde ir...
E ficasse um adeus suspenso na memória
Da dor em gavetas que não consigo abrir
Ou um cometa no rasto da nossa história
Outro absurdo que não me deixa definir
Apenas o que somos nesta cela provisória.
Não vi o monstro que abriu a minha ferida
Um monstro que se esconde lá bem atrás...
Ali, onde todos os medos lhe dão guarida
E a loucura entretém, mas também o trás
Como se fosse alma penada ou coisa parecida
Que há gente capaz de tudo, do que serei eu capaz?
E há o gozo da noite que nos lavra os sentidos
Uma porta que se abre ao desejo de espreitar
A vida dói tanto que nos faz sentir perdidos
Nesta ilusão de um céu com estrelas a brilhar
E luas que ardem por entre beijos proibidos
Ainda que um raio de luz fique preso no olhar.
Saberei quem somos quando em nós houver
Aquele olhar que arranca o monstro ao ninho
E do berço á cova temos muito que aprender
Neste livro que serve para escolher o caminho
Que das falésias eu jamais voarei só para ver...
A imensidão do mar ou o cabelo em desalinho.
terça-feira, novembro 11, 2008
o paraíso é por ali
o paraíso é por ali. eu vou por aqui. aprendi que afinal há paraísos.
não há paraísos.
aprendi a dizer que não há.
há.
é profunda a verdade. tão verdade que não há mentira.
ninguém mente.
tanto como o paraíso.
o paraíso é a palavra mais mentirosa do universo.
como a verdade. dimensional. metafórica. onda de abuso na violência da palavra - verdade. que não existe como forma. fórmula que os idiotas usam para esconder a cara.
afogam-se nela. triunfantes.
a maçã não existe.
articulo a palavra. abro as vogais. fecho o medo.
a verdade não existe. impetuosa. chata. segura. com efeito, não creio.
vamos lá ver o paraíso. eva. adão. não.
dê-me um gin-tónico.
Bandida.
(Incluído no seu livro Apoplexia, pág.78)
domingo, novembro 02, 2008
Depressão
Aqui nos dias que correm
Além da vertigem que a todos cega
As mágoas diversas corroem
A alegria que se lhes nega
Núcleos suspeitos vão tecendo
Malhas para tudo abarcar
O prazer de criar vai morrendo
Forçando a natureza a mudar
Em conflito permanente
Numa ameaça constante
Rasga-me a pele de repente
O teu gume lancinante
Num covil perdido
Bem dentro de nós
Quero ficar escondido
Breves instantes a sós
Descendo ao Inferno dos sentimentos
Ausentes num lugar sem fundo
Ultrapassando todos os lamentos
Fingindo não ser deles este mundo
Dizem que há quem se deprima
Para continuar a crescer
Eu vi alguém matar a rotina
Para só então renascer
Poema de Hélder Dias
quarta-feira, outubro 22, 2008
Disse
Não disse
O que disse
Foi que disse
Que não queria dizer
O que disse
Não foi o que dizem
O que disse
Mesmo os que ouviram dizer
Não entenderam
o que disse Pois o que disse
Não era o que queria dizer
No sentido de contradizer
Que disse,
Pois direi
Não é maldizer
Dar o dito por não dito
Obviamente
Não entenderam
Será um estilo
Desencontros das palavras
Da autoria de quem disse
Maledicência, difamação
Perseguição politica
Obviamente
Manipulação das situações
A partir de uma analise
Não é correcto
Prenunciar-se
Fora do contexto
Obviamente
Procurando um resultado
Surgindo do nada
E nada do que disse
E o que disse
É nada
Poema de C Valente
terça-feira, outubro 14, 2008
60 em sol e azul-mar
Este vasculhar do corpo da palavra
Breve, tão leve
No casulo, o nefelibata se fez criança
Na fusão das flores, luar e da água
Pelo avassalador ostracismo das raízes em rosácea
Qual silhueta amena e cândida
Breve, tão ténue
O conselheiro exponente da morte, da loucura, do lodo
Tecia, degrau a degrau, um inferno de sombra
Com pena de chocolate
Com o erodido e variável método do sobressalto
Pela vulnerabilidade da obstrução
Em forma de tapeçaria sobre a caixa de cal e vida
Em contínuo movimento
Breve, tão breve
Pensa-se afastar o vapor envolvente
Da conversa em tempestade
Sobre o distanciamento amortecido num país sem farol
A inundar de orvalho em linha vertical
Mas o poeta, apoiado no cotovelo,
Desponta a manhã
Num intenso, imenso divagar
Fazendo emergir da viagem
Pelo céu das letras amenas
Um amor maior a comungar
Breve, tão leve
Renasce a palavra de sol e azul-mar
Num sorriso com licença para voar
Poema de Fátima Fernandes (Amita)
sexta-feira, outubro 10, 2008
Não as há.
Pintura de Leonid Afremov
Não há palavras!
Que signifiquem
O que não pode significar.
Que expressem
O que só na bruta pele corta e queima.
Que verbalizem
O que um sentir não permite.
Que iluminem
Uma inexistente e negra Alma.
Que faça florescer
Uma brisa num rochedo.
Que leve a desabrochar
Uma esperança,
Num infinito deserto.
Ou que desaponte uma rosa
No alto mar.
Não há palavras!
Que silentemente,
Fale
Que inexistindo,
Expurgue,
a sua necessidade.
Que vivendo,
Postergue.
Que etéreas,
Não pesem toneladas
No fardo da minha consciência.
Que nada sendo,
Tudo sejam no meu Ser.
Não!
Não... as há!
(Poema de RFS)
quinta-feira, outubro 02, 2008
De volta à Poesia da Blogosfera...
Pintura de Michael and Inessa Garmash
(Paráfrase inspirada no poema "Porque voam as Pétalas?", de Paulo de Carvalho):
No meu jardim
No meu jardim
ouço o som da maré-cheia
e o grito das gaivotas;
vejo as árvores
que se despem
e os outros pássaros mudos,
tristes, pousados nos ramos.
O forte ruído da chuva
assusta-os, mantém-nos calados...
um relâmpago ilumina
de repente a tarde escura,
a maré-viva faz-se ouvir
com violência, contra as rochas,
o ribombar do trovão
faz coro com a tempestade.
As gaivotas continuam seu grasnar
numa luta contra o vento
que as impede
de alcançar porto seguro,
indiferentes que lhes é
a serenidade
repousada em meu jardim.
(Poema de Maria Carvalhosa)
domingo, setembro 28, 2008
Em mês de Aniversário...
Creio, poder dizer, que se atingiram os objectivos propostos e muita gente que era então desconhecida, ganhou alento para partilhar, fora da blogosfera, a sua poesia, o que muito me apraz registar.
Ao perfazer 3 anos de existência neste mês de Setembro e que foram essencialmente dedicados à poesia que fui descobrindo, AGRADEÇO a TODOS os que partilharam as emoções neste mundo de palavras que, muitas vezes, é um caminho difícil e longo de percorrer.
Tem sido muito solicitado ao Poesia Portuguesa para que divulgue, também, as palavras dos Poetas consagrados na nossa Poesia e será isso que, a partir deste terceiro aniversário, os leitores encontrarão.
Imagem de F.Koroleva
POESIA
De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?
Esteve aqui – aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.
E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no Inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.
Diz: “ Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”
Como se a ouvíssemos.
Nuno Júdice in "Meditação sobre Ruínas" pág.87/88
quarta-feira, setembro 24, 2008
Outono
Talvez nunca a ternura fosse tanta
como entre os montes amadurecidos
e quando as casas se elevam
entre o ouro e o fumo da tarde.
Silêncio que parece vir do lento
passado,
vozes que se dão em resignada melancolia
e tomam a forma dos frutos,
vinho e sombra que apagam o mar
nas árvores
onde não tardará o abandono,
memória do que somos.
Repousam sobre a noite os grous
enquanto as cidades crescem à nossa volta
contra o sul vencido.
Vento, ramo e sombra que caem
sobre as janelas ardentes:
lá onde a púrpura se reclina
sobre a água e a beleza
a verdade começa a surgir da espuma.
(Poema de Henrique Dória)
Imagem de Sergey Alexei
quarta-feira, setembro 17, 2008
Sabor a Chuva
Terá o sabor da chuva
Roçando os lábios da infância.
Sedenta: a ave e a vida!
A ternura destruída.
E o mosto e a uva...
Suave fragrância!
Então dirás:
”Não tenho a coragem
De ir nessa viagem.”
Será o amor, será a vida...
A transparência surda do olhar!
E, devagar...
A ternura interrompida!
(Poema de Ana Tapadas )
quarta-feira, setembro 10, 2008
A mulher
Ela é a dança dos lugares que cercam
a cidade
onde noutros tempos havia religiões.
É o ídolo da juventude e com ela me surpreendo
no assobio das árvores, no peito da deusa que acalma
as minhas tragédias nocturnas.
Ela é a fonte imensa, cristalina e intangível.
Ela é como a chuva.
Bate nos cabelos
ao lado dos violinos com que as palavras se dão
letra a letra numa mesa escutando.
Escrevendo-a, eu sei, abro os seus frutos na sua cor.
Ela é a loucura que o barulho do frio faz
na minha garganta.
Ela olha o vento e os seus olhos estão quietos
à beira dos odores do jardim
e todos os roseirais são dominados pelo seu silêncio.
Delírio inóspito, também onde é deserta a altíssima voz,
ela inventa o toque que cativa aquele que pode governar
acima das estrelas.
Ela é a palavra que se ergue
na existência demorada.
O êxtase das estações mas sobretudo aquela
que atravessa o mês de Agosto
e percorre Setembro num poema pela terra dentro.
Ela é o sino de um futuro onde só habitam os gestos.
A pedra para encostar à cabeça quando Março
gira à volta de todas as bocas maternas.
Escrevê-la-ei debaixo dos rios apodrecidos
e ela seguirá direita, terrível e lancinante.
Ela é o livro que me bate à porta sempre devagar
e ressoando violentamente me diz quem sou.
Estremeço.
Depois sangra um ponto secreto
do meu corpo.
Talvez a minha face se queime.
Ela é a surpresa que tem agarrado a si
os animais inspirados.
Lenta, atravessa a floresta e alicia
o entardecer,
que se delonga às portas da noite.
Ela é a Primavera da noite
que abre uma porta para o coração passar.
Um grito que detém um breve minuto
enquanto respiro metade de um pensamento.
Todo o meu corpo se assusta, no desejo de tocar-lhe,
na ânsia de eternidade do seu momento só.
Ela é a amiga, acidente de percurso ou não,
o certo é que sorri, no exacto lugar
onde se fendeu o desejo.
Amo-a na onda de lodo que perpassa
à flor dos lábios de todos os rios ainda escondidos.
Ela é deste povo cujo hálito
era inocente como um candelabro
quando todos os tectos mantinham inofensiva ainda
a guerra fechada dos suspeitos.
Ela é toda a casa que acaba à noite
depois das sementeiras.
Ela é a tentação nunca mais expirada
pelo tempo fora.
Chega por um impulso, quando o frio
instala cravos na neve e as amantes ofegam por dentro
as maçãs sumarentas com seus pulmões.
A palavra amor não vem no dicionário. Ela é
toda a palavra cheia de todos os significados.
Vestíbulo depauperado e absorto,
ela conduz a água
na secura de todas as bocas
e às portas
onde raparigas que comem os bagos da romã anunciam
o tempo da menstruação.
Ela é toda a cor da fome, todo o rubor
da saciedade.
Ela é o som que estremece os ombros
e surge na nossa idade quando nos despedimos
e não queremos dizer que amanhã morreremos.
Ela espreita as crianças loucamente no poema
enquanto na floresta as giestas se iluminam.
Ela é o mar, este mar,
pequena estrela que muda de cor
e às vezes tem as suas raízes queimadas.
Ela envolve os peixes no recanto da praia
onde quantas vezes ficou gravado o seu corpo
em despedida breve.
Ela é o desvelo, a surpresa do sol e do regresso
quando se chega do fogo e da solidariedade
que unem as águas ternas nos lábios do desespero.
Como um livro que atrai secretamente a ternura
do tempo perdido, ela segue o caminho
de toda a perdição humana. Toda a queda supõe
o abismo dos seus braços.
Ela percorre todos os países, todos os mares do sul
e é nua como um corpo cristalino
que conduz o seu cavalo por entre as pedras sem memória.
É o esquecimento. Todo o esquecimento do real.
Por isso mesmo ela se intima nos poros da cabeça
deste mês de Outubro.
Ela é todo o olhar derretido,
simples.
Olhar longínquo entre os arbustos,
lâmina trivial cortando a distância.
Ela liquefaz-se nas horas do amor gritante
pela noite dentro e nas enchentes
do dia.
Ela é a pomba.
Ofega,
na tranquilidade do corpo,
as searas ondeantes e repletas
de alegria.
Tem o seu mistério
escondido na linguagem.
Ela é a boca de todo o pão.
Voa e leva dentro dela
os nossos filhos adormecidos.
Ela é a nossa solidão.
(Poema de Rogério Carrola)
quarta-feira, setembro 03, 2008
des_acordo ortográfico
Pintura de Sebastia Boada
na solidão das palavras
na fome dos vocábulos
na sede que nos mata…
eu fico envolvida pelas sílabas
e entoo a música
em toadas sem ritmo
à espera de inventar
palavras fechadas nas vogais...
mata-me esta renúncia de letras
cartas geográficas confusas
onde jazem mapas
imprecisos
dentro de armários baralhados
onde guardamos factos e fatos
no lado terno das nossas lembranças.
recuso-me esquecer as letras que
querem arrancar dessa ortografia nossa
que quero virgem.
recuso-me a comer letras
que não sejam as da sopa…
estou em greve de acordos ortográficos
recuso-me simplesmente.
(Poema de Piedade Araújo Sol )
quarta-feira, agosto 27, 2008
...em ti!
Vens…
Inesperadamente!
Em inquietude
Como brisas doces que ateiam lume.
Que desassossego
Que encanto-veneno me trazes
Nesse desejo de me quereres teu?
Vens...
Amadurecida no meu calor
Ausente de corpo.
Despida em suaves contornos
Reflexos de paixão.
E tu vens…
Rasgas o teu corpo
No meu.
O teu vazio...
Deslizas ternura que me lambe
E lentamente desces
Sobre mim
Como o tempo quebrando asas.
Ouço-te respirar.
Guardo-te nas minhas mãos.
Preencho-te.
Perco-me....em ti!
(Poema de In§†an†e§ ðe µm £oµ¢o)
quarta-feira, agosto 20, 2008
A Ver Dançar As Palavras
Nas pedras do chão há cristais
cheios de pó e movimento
que seguem itinerários
vagarosos
que tropeçam
antes de serem brilho
expressão musical
para espanto dos pássaros
antes do voo
As pedras do chão
perdem a inocência
quando se aproximam dos cristais
Será do pó em movimento
ou dos meus pobres olhos
que espantam os pássaros?
Já não me pergunto
se nos alimentamos de poemas e destinos
neste chão onde me apetece
ver dançar as palavras
(Poema de Eufrázio Filipe)
quarta-feira, agosto 13, 2008
Jogo do(s) Saber(es)
Nada sei da sapiência
dos sábios sabedores de todos os saberes
Não sei se sei, de certeza sabida
da vida os sabores.
Sei
Que correm para os mares os rios
Levando consigo
o saber/sabor
de todos que os sabem olhar e viver.
Será
Que os sábios sabem
Que os rios levam consigo
Olvidados amores?
(Poema de Helena Domingues in Orion)
quarta-feira, agosto 06, 2008
Ternura.
Bagas chovendo em circuitos abertos
devolvem-me o sabor do Verão e do Sol.
O líquido que delas se desprende quando as trinco
amaciam-me a alma
colorindo-a de tonalidades excitantes
pegajosas.
Escorre saliva p’la minha boca abaixo
pingando-me os seios descontraídos
desnudos:
Teus...
Alternadas quais ritmos incessantes repetem-se
palavras de Amor que refrescam
a paisagem dançante.
Os corpos fundidos ofegantes animam-se
disfrutam-se
enleiam-se apaixonados.
Animais à solta
Livres
Cabelos em tempo de vendaval
escrevem diários íntimos
indiscretos. Fascinam
pelos toques de branco que com o tempo
assumiram
riscando o preto original.
Fortes como amêndoas doces alimentam dedos
que se enrolam brincando
que se deleitam ao senti-los:
Meus...
Bolhas de sabão cheiroso massajam as peles já suadas.
Beijos partilhados à toa soam a miosótis
no jardim que imaginámos. Somos.
Queremos. Damos.
(Poema da Azul)
quarta-feira, julho 30, 2008
Inocência
Pintura de Lucien Lévy-Dhurmer
É amena a hora e o tempo casto.
Na flor, o orvalho da manhã
estende-se em planos
indeléveis, indefinidos, breves,
qual pena em mão de criança
que do sonho nada teme.
E, sorrindo à brisa, se balança
indiferente ao conselheiro sem idade -
exponente pluriforme da morte -
em incauta obstrução à vulnerabilidade.
É amena a hora e o tempo casto.
Da silhueta ténue da rosa-menina
urge afastar densos passos
sobrepostos na tapeçaria da vida.
(Poema de Amita 'Fátima Fernandes')
quarta-feira, julho 23, 2008
Allegretto
vê-se a Poesia.”
Aguarela de Abigail Vasthi Schlemm
Irrompeu do caos
O silêncio
E fez-se a maresia, o instante
E a solidão.
Irrompeu da espuma a tristeza,
A lágrima, a nuvem e a primeira imagem da nudez.
Irrompeu do caos
O silêncio: a primeira imagem da surdez desejada.
Irrompeu do caos e da lama
O silêncio purificante de uma chama, e o desejo
Da brutal carícia das coisas impossíveis,
Sobre a laje fria dos banquetes irreversíveis dos abutres.
Foi na secura resignada dos meus olhos
Que as lágrimas se espelharam,
Derramando-se no cântico lago do mundo.
Ao inclinar a cabeça servil
Soltaram-se, em gemidos, os cabelos da escravatura.
E abriu-se o caminho da tua viral doçura
Dos abismos sob as estradas e caminhos
Dos nossos infantis amplexos.
E irrompeu do silêncio a oração, então esquecida,
Dos abraços reflexos.
Descerrou-se o mármore.
E acolheu-se o silêncio nas palavras
Nuvem, água e maresia.
Descerrou-se o mármore
E entrou em trabalho de parto a poesia.
(Poema de Manuel Anastácio in Da Condição Humana)
Final (início) do filme "Irreversible" de Gaspar Noe. Allegretto da sétima
sinfonia de Beethoven. (retirado daqui)
(Desligar p.f. a música de fundo para ver o vídeo)
segunda-feira, julho 21, 2008
Em dia de Aniversário...
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
De António Gedeão
Falar do Porosidade Etérea é convidar-vos a percorrer e conviver com a Poesia que a Inês Ramos nos aferta de uma forma altruísta, diria mesmo carinhosa.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...
Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
(Excerto)
(Poema de Álvaro de Campos in
Fernando Pessoa, Obras Completas - I Volume, pág.432/433)
Pelo 2º. aniversário do Porosidade Etérea endereço à Inês Ramos as minhas sinceras felicitações pelo trabalho desenvolvido, desejando-lhe as maiores felicidades a todos os níveis...