sexta-feira, setembro 22, 2006

Hoje...

Confesso que tinha escolhido outra imagem para este poema. Mas hoje ao visitar a A. descobri-a numa imagem que é um verdadeiro poema…

"Vamos Viver de Sonhos e Fingir que Somos Assim. Felizes."

Imagem da A.


Hoje dispo-me de ontem,
Procuro o hoje,
Encontrando o amanhã!
As palavras rendilhadas
espalham-se por entre serras perdidas
separadas do mar!
Hoje visto-me de ontem,
não procuro o hoje
e de que interessa o amanhã?..
Buscas incessantes que se engolem
em orgasmos salgados que
caem na terra de ninguém!
São tantas procuras inférteis
de palavras rendilhadas
que acabam mortas
por entre serras perdidas
naturalmente… sem alimento!
Hoje desejo-me… Nua!

(Poema da {{Coral}})

quarta-feira, setembro 20, 2006

Devagarinho no Outono


Imagem Google


Acaba-se imperceptivelmente o fulgor do Verão
Vai-nos caindo sobre...
esta lassidão de Outono.
A luz já não é bem luz
mas uma pasta que se mistura com a Terra.
Dela se ergue uma bruma da sua cor,
diluída, esparsa.
O cheiro entra-nos na pele
absorve-nos
dispensa as narinas.
é acre
intenso
quase agressivo.
As estrelas baixaram no céu
teimosamente entre nós.
Ensombra-nos uma ténue cortina -
futuras nuvens
ainda medrosas de o serem.
O céu já não é a donzela
desconhecedora de vergonhas
descuidando-se brilhante no seu virginal fulgor.
É, agora, pudica menina
tentando encobrir a nudez
em indiscreta cortina translúcida.

(As fêmeas deveriam sempre aleitar nesta estação.
Então, os vagidos das crias sequiosas ou o ronronar da saciedade, soariam abafados docemente na penumbra, de manhã a manhã, como uma almofada de lã fofa e transparente e as crias, rolando dos leitos, vagueariam nesta maciez onde a gravidade quase se anula.)


Se Paz houvesse, ela seria proclamada em cada início de Outono!

(Poema da Seila)

segunda-feira, setembro 18, 2006

Cavalheiro


Imagem de Dionísio Leitão


Hoje, fumei um cigarro.
Emprestaram-me o isqueiro,
deram-me o invólucro branco-laranja,
e foi com a alma em franja
que cheguei à sala do fumeiro
e entre a impestação alheia por catarro
me esfumarava inteiro.

Entrou uma mulher;
"Tem lume?" – mordendo o cigarro ao meu fogo ofertado
"Sim" – passando-lhe para a mão o mecanismo emprestado
Surpresa, não se conteve; "Julguei ser um cavalheiro!"
Rindo-me retorqui, com o meu ar mais matreiro:
"Que maior confiança deposito que ter na mão o meu isqueiro?"

É que nestas convenções de cavalheiros
escondem-se sagazes predadores de atenção,
mas são os que não procuram ser certeiros
que guardam os melhores sorrisos
no coração!

(Poema de Rui Diniz)

sexta-feira, setembro 15, 2006

Demasiado vivo...


Pintura de Edward J. Poynter


Quero ser…
Existir nos teus lábios…
Quero estar…
Possuir as tuas mãos…
Quero, quero ser a montanha que te recebe.
Silencia os nossos gemidos,
cala os nossos choros…

Serei fonte que te bebe sem sede,
onde estou, serei vida que te leva como numa rede.
O que sou sem a tua luz não me transporta,
deixei de ser, abandonei a matéria morta.

Quero ir…
Existir nas tuas palavras…
Quero voltar…
Possuir os teus erros…
Quero, quero ir na corrente que te leva.
Grita na melodia do nosso silêncio,
Revela o nosso sorriso…

Serei o pó que recebes,
onde vou, crescer no teu mundo como sebes.
O que fui, perguntas, apenas matéria,
passarei a ser, tão vivo como uma artéria.


(Poema de Joca-João C. Santos)

quarta-feira, setembro 13, 2006

Um Hino à Cidade...

Dedicado a todos os que gostam dela…e em especial aos meus Amigos que lá vivem...

Imagem de A Cidade Surpreendente



Ai esse corpo cidade que a cidade vai abrindo
Esse corpo de ansiedade nas vidas que vão florindo...

Ai esse corpo violado que se esgueira pelas vielas
Esse corpo mal tratado nos corpos deles e delas...

Ai esse corpo almofada sem atavios de riqueza
Corpo de pedra lavrada, corpo de vida burguesa...

Ai esse corpo cidade com traineiras na lonjura
Sempre manhã, sempre tarde, nos braços da noite escura...

Ai esse corpo doçura no amor de quem lhe quer
Esse corpo dedilhado, como guitarra-mulher...

Ai esse corpo de espanto desta cidade brumosa
Todo riso, todo pranto, todo amante ansiosa...

Ai cidade marginal no desespero dos dias
Cidade nobre e leal de muitas democracias...

Ai encanto de pintores, de poetas, doutros mais
De jardins cheios de cores, de tertúlias ancestrais

És cidade toda Povo de manjerico na mão
E és Porto de igualdade em Noite de S.João!...



(Poema de Maria Mamede)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Dúvida


Imagem de Zhaoming Wu


Perfilo-me à beira da vida
tentando
evitar o inevitável.
Dobro as esquinas com cuidado
evitando as surpresas.
Espreito os becos desertos
com a esperança de neles ver surgir
o in(esperado).
Fujo do confronto,
de olhar em frente
o que quero não ver mais.
Encolho-me no meu canto
e escolho
a imobilidade
pensando assim passar
despercebida.

A invisibilidade é o
que mais pretendo.
A instabilidade é o que possuo.
A paz é o que procuro
mas a desilusão espreita em cada passo.

Desilusão.
A ilusão desiludida.
Instabilidade.
Instável estabilidade.
Escondo-me do futuro
escudada na ilusão,
e à beira da vida, aguardo.
Imóvel.

Salto?

(Poema da Dulce)

sexta-feira, setembro 08, 2006

Beijar-te a alma...


1000Imagens FilipeSantos

Eis que a ti me entrego e a ti recebo,
é a unificação do nosso ser.
Que maior maravilha pode haver
do que beijar-te a alma, o meu abrigo?

Deixa que a ternura que em mim sentes, seja a estrada de sonho
em que caminhes, e caminhando tu irei contigo.
Deixa pois que o infinito seja o fim, e que até lá
na doce comunhão do nosso amor, eu consiga a ventura
de te ter ao pé de mim.

(Mesmo que as vagas sejam muitas
eu vencerei distâncias).

O marulhar bramindo
não será mais forte
do que os meus lábios
teus olhos cobrindo
ao cair da noite.

Deixa pois que me atreva
a ser superior à humanidade;
que subjugue o ciúme,
o tédio e o esquecimento com a minha vontade.

(Deslizarei bem junto a ti, abraçarei os teus joelhos
e assim, reinarei submissamente).

Depois te contarei os lindos sonhos que para ti criei.

Consente amor que a tua alma embale docemente,
que o frémito que existe
nos meus lábios
circule no teu sangue, e te mantenha
o fogo
eternamente.

(Poema d' A rapariga)

quarta-feira, setembro 06, 2006

Um Outono...

… e porque nos comentários me oferecem verdadeiras pérolas, deixo aqui este principiar de…


Pintura impressionista de Berthe Morisot

Um Outono...
amarelece,
lentamente vai descaindo.
Flutuações osciladas.
Pelos dedos
escorrem os últimos sóis
(de um calor).
De longe,
restos de pó,
memórias do tempo...
entre as folhas,
resvalam luzes
aquietadas,
mornas.
Uma despedida,
talvez
um regresso...

(Poema de Joaquim Sobral Gil)


Adenda sobre a pintura de hoje: Berthe Marie Morisot, foi a primeira mulher a juntar-se aos pintores impressionistas franceses.
Apesar da oposição de familiares e amigos, ela continuou a lutar pela arte em que acreditava e pelo seu reconhecimento.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Selvagem...




Adeus, disse-lhe!
Virou costas, nem olhou para trás
Entrou num café, pediu uma bica
Puxou um cigarro, suspirou.
Saiu!
Andou sem destino pelas ruas
Até chegar ao carro.
Guiou!
Sem norte nem sul
Sentia-se livre, sem peso
Olhou-se pelo retrovisor, sorria
Parou!
Saiu num descampado
Despiu-se devagar
Correu através dos campos

Como um cavalo selvagem…


("Wild" poema da Wind)


Imagem de Sascha Hüttenhain

sexta-feira, setembro 01, 2006

...e é Setembro.


Imagem de autor desconhecido

a rua respira de um amarelo minúsculo,
nos dedos a poesia gasta-se.
com algemas nasceu uma rosa corroendo a paisagem,
e é Setembro.
chegaram os sopros pungentes da iluminação.

certamente vestirei um acto inútil,
perderei do sentido a noção.

ouve-me,
ainda que as esferas no meu sangue se esbarrem, o vento
continua a empurrar as aves
que conduzem trenós, e a ternura é veloz.

(Poema "A rua respira" de Maria Gomes)

sexta-feira, agosto 25, 2006

Vagas de ilusão...


Imagem de daqui


As palavras que penso, nunca digo
são secretas, quase como o universo
viajando com elas, somente em verso
para se encontrarem apenas contigo

Abraçando cada palavra na solidão
deslizo nas vagas deste pensamento
que me acalmam sempre o sofrimento
estendo-te os braços, dou-te a mão

Finjo não entender as desilusões
das palavras que vou arrastando
quando tocam fundo no teu peito

Afinal, tudo não passa de ilusões
que ambos vamos aguentando
neste cintilar único, quase perfeito...


(Poema de Friedrich)

quarta-feira, agosto 23, 2006

Doce Tentação...


Pintura de John Collier

neste minuto igual a qualquer outro
queria guardar ciosamente o meu corpo
ser a essência e a matéria
ter o brilho mágico de uma estrela
e cultivar para ti a flor da espera

mas entranço o tempo na viola
a pendurar memórias pelas cordas
a emoldurar o olhar nas tardes de ócio
como se vomitasse todo o mar
e seus trágicos despojos

aqui reclino as noites se te espero
desperto as madrugadas se te ouço
este é o lugar mais seguro que conheço
para te amar na concha do segredo
e te esquecer na métrica de um verso

aqui sou essência de toda a matéria
que prevalece na fusão do beijo
depois da tua língua sugar com arrojo
tudo o que me vai dentro do corpo…

ergo agora o cristal deste momento
e brindo ao fruto do teu corpo doce arinto
como Lady Godiva nua de alma
saboreando só o fruto do silêncio…

(Poema de Aziluth)

segunda-feira, agosto 21, 2006

...amores eternos...


Pintura de Edward Robert Hughes


Gosto particularmente
de amores
eternos
assim que principiam
A estranha sensação de déjà-vu
«...já te conheço!»
A doce pretensão
«não te mereço!...»
A louca rendição
em ardores
ainda assim ternos
de que os corpos se arrepiam.

Gosto particularmente
que perdure
nos infernos
mal se extinga
Pois não existe coisa mais bonita
do que um amor extinto
que crepita

(Poema de Fata Morgana)

sexta-feira, agosto 18, 2006

O Guerreiro...ou como um gatinho conquistou o Adamastor...



Eis a primeira grande conquista da minha vida,
de armas em punho e refinadas,
– usei o charme, esperteza e olhar estratégico:
lá me aproximei, pé ante pé pelo flanco,
espalhando miadelas narcotizantes de cativação,
tonteando o Adamastor de olhar durão.

Depois de conquistada a pata e dorso,
torturando-o com lambidelas de carícias mortais,
o matulão estava sob meu domínio felpudo,
cravei-o com garras bem afiadas de festas,
subi-o e desci-o com ron-rons de encanto, para seu pesadelo...

A partir daqui está dominada a besta sodomizada...
A partir de agora sei que posso conquistar o mundo!...

(Poema e imagem de Carlos Reis-In_loko-)



BOM FIM DE SEMANA

quarta-feira, agosto 16, 2006

O sabor da amora...


A arte de Isabel Filipe


não sei de que silêncios
me falam as manhãs
descobertas na lura
de todos os exílios.

não sei quais os segredos
se escondem e cativos
nos rios, e das árvores
submersas na memória

não sei nomes nem frutos;
são as sombras e os limbos
que vão rasgando a pele
na mancha das desoras.

não sei de que torrentes
quero agarrar a água
que se planta nas margens
à beira de uma sede.

não sei de que relâmpagos
se retira a centelha
a cor, a luz, o fogo
com que se queima a dor.

não sei de tudo isto
nem de como sentir
mesmo que seja frágil,
o sabor de uma amora.

(Poema de José Félix)

segunda-feira, agosto 14, 2006

Seios...



Seios pequenos, discretos,
Seios rebeldes, erectos,
Feitos desejos secretos.

Seios redondos e quentes,
Seios desnudos, frementes,
Colos d'amor, exigentes.

Seios luxúria, vibrantes,
Seios gulosos, de amantes,
Dons de paixões escaldantes.

Seios crescidos, maduros,
Seios pujantes, seguros,
Sons de silêncios impuros.

Seios enormes, caídos,
Seios vazios erguidos,
Resto de tempos vividos.

(Poema e imagem de Vitor Cintra)

Este poema, consta do livro " Momentos "

sexta-feira, agosto 11, 2006

A Esmola...


Lisboa - Óleo sobre tela de Francisco Smith(1920)


Mas que criança alegre ali vinha,
Arrastada pela mão da sua presumível mãe,
Com o cabelo amarelo em desalinho,
A tagarelar e a bisbilhotar
Os artigos expostos nas prateleiras.
Eu observava a cena,
Enquanto esperava ser chamado
Para levantar uma encomenda
Que o carteiro não me trouxe a casa -
Preferiu deixar o aviso
Na minha caixa de correio.
A mãe, muito magra, deambulava
Com uma caixa de sapatos verde,
Sem tampa, estendia-a às pessoas
Para que nela depositassem,
Por caridade, uma esmola.
Muito jovem, diria mesmo, jovem demais.
Para já ter uma filha de dois ou três anos?
Até podia ser a irmã mais velha de uma família cigana
Que faz da mendicidade profissão.
Não havia sinal de sofrimento na cara da pedinte,
Saiu cedo para trabalhar (acho)
E à tarde, quando regressar,
Alguém irá pedir-lhe contas
“E se não for?”, pensei.
Talvez seja mesmo mãe da criança
E esteja sozinha neste mundo,
Que insensível sou ao sofrimento alheio.
Que merda!
Aproximou-se de mim por trás
E estendeu-me a caixa.
Olhei de lado para dentro dela.
Vazia, completamente vazia, a caixa!
Depois de ter passado por dez ou mais pessoas!
Mundo vadio, que mundo bestial!
Porque é que um ser humano,
Que tem uma criança tão alegre e saudável,
Não há-de dispor de meios
Para assegurar a sua existência
E a do filho sem precisar pedir?
Nem percebo porque é que esta situação
Tão corriqueira entre nós,
Me causa tamanha dor!
– Eu próprio já recusei tantas esmolas,
Não, uma esmola destas acho que não.
Que posso fazer?
Sei que a minha esmola não é solução.
Se lhe der a esmola,
Apenas fico de consciência aliviada,
Ela, ficará na mesma
Hesitei. Numa fracção de segundo, ainda pensei:
“A vida tem uma duração finita, são dias, são anos,
São décadas e pouco mais; se eu lhe der uma esmola,
Talvez ela e a criança cheguem ao fim do dia sem fome;
(Ao fim e ao cabo nós todos
Só queremos chegar ao fim dos dias sem fome.)
Estreei a caixa vazia das moedas com uma moeda,
E ela lá continuou a sua ronda sem espanto.
Desta vez, já outros seguiram o meu exemplo,
E puseram mais moedas na caixa sem vazio.
Saíram as duas (mãe e filha?),
E fiquei a espreitá-las
Através da fachada envidraçada dos correios.
Atravessaram a rua para o outro lado,
E vi-as entrar no café de defronte,
Todas contentes. Afinal tinham mesmo fome.
E veio-me à mente o sempiterno verso
Que enforma a minha própria mente:
"Mas as crianças, Deus meu…"
Só então percebi plenamente
Porque tive tanta pena daquela gente.


(Poema de Henrique Sousa que apesar de gostar muito mais de escrever em prosa, tendo até alguns livros publicados, teve a gentileza de me enviar este poema, diria antes, este flash do dia a dia de quem percorre caminhos e a quem peço desculpa pela ousadia de o postar… )

quarta-feira, agosto 09, 2006

Os Poetas...

Apesar da finalidade deste blogue ser, essencialmente, dar a conhecer a poesia de outros blogues e seus autores, não resisto a publicar um poema que me foi enviado por e-mail, esperando assim incentivar o seu autor a aderir à blogosfera…


Imagem de Mel Gama



Porque são tão tristes os poetas?
Porque têm os olhos sempre no infinito?
Porque caminham sempre cabisbaixos?

Porque passam tanto tempo à beira do rio?
Porque deambulam tanto pela grande cidade?

Porque percorrem as ruas depois da chuva?
Sempre sozinhos, pensativos...

Alguns há que correm pelos campos,
Como veados tresloucados,
Na ânsia de absorver
Toda a essência do mundo.

Outros há que se embriagam com palavras,
Que fumam nos cafés,
Que bebem nos cabarés,
Que se esquecem que em breve surgirá a madrugada...

Muitos não têm amigos
Alimentam-se de fatias de solidão
Que devoram em grandes garfadas.

Outros, odeiam a Lua,
Porque passeia indiferente às suas desgraças.

Outros ouvem rádio toda a noite
Nalguma vivenda da linha do Estoril.

São tão estranhos, os poetas...

(Poema de Pedro Cordeiro)

segunda-feira, agosto 07, 2006

Pérola Romântica...




Caminho por sobre as pétalas da rosa por ti desfolhada,
Mergulho na fragrância intensa que em mim despertas.
Dispo o véu dos preconceitos em doce chama aprisionada,
E me dou por inteira quando em teus braços me apertas.

Pérola romântica me tornei depois de por ti ser encontrada,
Perfumando o teu corpo com a essência intensa do meu.
Excitando os sentidos prendidos nesta espera acabada,
Te aguardo na bruma cerrada em que o espírito se perdeu.

Ao te insinuares, meigamente me envolve e me prende,
Por sobre meu peito, teu peito se deleita e se estende.
Nossas almas se contorcem nessa entrega desejada.

Nossos corpos se fundem nesta rendição terminada.
E na pele escorrem gotas perfumadas de intenso sabor,
Não me perguntes agora, se é paixão ou se vai ser amor.

(Poema e imagem da Lagoa Azul)

sexta-feira, agosto 04, 2006

Amor


Trabalho a lápis de Carlos Peres Feio


(poema a escrever hoje, ou nunca)


não dei por ele,
talvez brisa no
pescoço
e na orelha,
o primeiro arrepio de prazer
talvez tenha sido isso
leve, começo a senti-lo
refresca-me
mas cresce,
torna-se forte
antevejo um tornado,
com todos os sentimentos
no centro
a elevar-se em
espiral,
para fora de mim e
do mundo dos ventos
amor-vento
já uma tempestade
abre-me os olhos,
amor-água
escorre-me pelo rosto
pelo corpo
as cordas das velas do meu passado
esticam rangem vibram,
as cruzes nelas bordadas
partem com o vento
e a minha alma fica
branca
pura
disponível
para receber as tuas marcas,
só as tuas!


(Poema de Carlos Peres Feio)

terça-feira, agosto 01, 2006

O cheiro dos dias...


Imagem de Morgane


Os nossos dias são de cheiro,
que é mesmo de admirar

Há dias que cheiram a limoeiro,
o que é de espantar

Outro dias cheira a Pinheiro,
esses são mais de aceitar

Outros dias de Dinheiro,
nesses ninguém vai acreditar

E de outros dias de cheiros, podemos falar
onde alguns agradáveis são, ou não

Mas os dias de cheiros que mais gostas,
são os que dizem mais do coração

Porque os dias de cheiros ao amor,
esses, dias não tem

Eles, os dias de cheiros até podiam ter cor,
e algum sabores também

Mas os dias que cheiram aos teus lábios,
os meus eles adoçam

Aqueles dias de cheiros dos beijos muito sábios,
nos meus eles roçam

Ainda há os dias de cheiros a natureza,
que até trazem muitas cores

Eles, os dias de cheiros vem com toda a beleza,
cheirar teus lábios de sabores

Assim os dias, em tudo tem cheiro,
e nós muitos amores

Os cheiros dos dias não são feios,
nem nossos lábios têm pudores

Sempre nos dias que têm cheiros,
brotam todos seus odores

Os dias têm muitos cheiros?
Têm sim senhor

(Poema de Fernando Ramos)

quinta-feira, julho 27, 2006

...dos retratos


Imagem Geocities


Retratos são mentiras e verdades, sugeridas
ao correr dos olhos de quem quer olhar:

A menina que posa, não pode ser mentira,
quando dança sem dançar longos bailados
no palco brilhante dos olhos do seu pai;
a mulher que se expõe só pode ser verdade,
quando deixa a tristeza esvoar-se de dentro
e pintar nas nuvens o peso do chumbo.

Mas o ser no retrato não diz a menina
que brincou às bonecas antes de posar,
e não diz a mulher que se banhou nua
na lua de Março, não diz como riu,
se lavou da tristeza nesse riso de estrelas
e como, depois disso, foi jantar


(Poema de Vasco Pontes)

quarta-feira, julho 19, 2006

É preciso reinventar as palavras...

Hoje lembrei-me de ti

Imagem da Silvia



E o poema como o germinar do trigo
Brotou do caos húmido e escuro da mente

Primeiro um impulso quase imperceptível
Depois mais forte mais convicto
Por fim já tensão de músculos e gestos
A extravasarem-se em sons

Rolaram sons na minha cabeça na busca inquieta e dorida
Da forma pura

Que ânsia de cruzar sons e versos
Com o impulso de te agarrar nos braços
E pôr nas rimas fugidias os beijos certeiros
De palavras quentes

Mas a sombra negra do vazio
Ameaça como uma mancha de tinta negra
Os versos esculpidos
A golpes de emoção contida
E tolhida de esgares
Que vêem no poema
O sopro interdito do desejo.

(Poema de Manuel Sousa)


segunda-feira, julho 17, 2006

O que Há de Real...


Foto de Adri Berger



Vou abrir as asas e navegar...

Soltar-me incandescente
No Oceano, do desejo
Sucumbir
A este quer mais.
Ficar derramada na espuma das ondas...

Erguer-me depois...
Voo da gaivota,
Planando no ar...
O meu destino são estas voltas
Reviro e viro-me no Céu
Desço
Voo picado sobre mim mesma.

Atiro-me ao Mar...

Sou esta pedra que se move.
Sou esta incerteza que as marés cobrem.
Há algas,
No lugar de cabelos,
Prendem-se nos corais
E voltam a escapar-se...
Ergo-me, derrubo-me...

Transporto-me nas ondas
Termino em espuma.
E é sobre a areia que volto ao ar,
Sabendo sempre
Que descerei em voo picado,
Perfurarei como pedra o Mar.
Oceano longinquo
Onde me metarmorfosei-o
E encontro no irreal
O que de real há na vida...

Corais inesqueciveis...

(Poema da Ar)

sábado, julho 15, 2006

Tanto faz…


Imagem de autor desconhecido

Alvoreces, despertas e acordas longe,
Ao meu lado.
Adormeces, madrugas no enlevo,
Revelas-te criança-mulher,
Inundada de mim, vazia de ti,
Tanto faz…

Abres os olhos e sonhas-te criança,
A caminhar
Na areia da praia a esboçar trilhos para mim.
Entregas-te mulher no calor das dunas,
Onde te escondo do sonho,
Que amanheço,
E estanco as vagas de choro que o mar verte,
Ao ver-te no regresso impossível ao começo.

O mar é cão, nós ouvimo-lo a morder,
Encheu-te os ouvidos de búzios
E o teu corpo quente de moliço ou sargaço,
Tanto faz,
Para que ouças e sintas, no sonho,
As carpideiras em pranto
De lágrimas e salpicos de mar,
Tanto faz,
Pelo naufrágio da tua fantasia de sal
Ao largo de um cabedelo tinto de luar.

Mas eu sonho-te, cinjo-te num abraço,
Alago-te de um mar chão de ruídos.
O mar é bom, salvo-te, torno-te lua
Perto de mim, nos quartos ou cheia,
De coração espelhado a incendiar a noite
Onde te vejo nua,
Por cima de mim
Ou dobrada no espelho de sal e areia,
Tanto faz…

(Poema do Nilson)

quarta-feira, julho 12, 2006

Rubra Sombra...


Imagem de Louisa Schlepper



A sombra que me envolve não é pálida.
É rubra, solitária, palpitante!...
É sombra que anuncia noite cálida
Qu’implora a companhia dum instante!

É sombra que sugere uma crisálida
Escondida no peito dum amante…
Sabendo que talvez possa ser válida
Como vinho de efeito embriagante!..

Mas como desvendar o seu segredo
Se não puder suster todo o meu medo
E nela penetrar com decisão?

Quem sabe se os meus sonhos em romagem
Serão exactamente a sua imagem
E a sombra se transforma em clarão!

(Poema de Natividade Negreiros
in "Lugares Secretos")

sexta-feira, julho 07, 2006

Palavras ao vento...


Imagem de Christophe Vacher



Dei as palavras ao vento,
O vento virou furacão.
E trouxe-me a solidão,
Da minha falta de alento.

Vou pedir adiamento,
Duma rápida decisão,
Não é nesta ocasião,
Tempo de rebatimento.

Vou travar o sentimento,
Seja amor, seja paixão.
E calar o atendimento,
Deste louco coração.

(Poema de João Norte)

* Autor do livro "O Peso do Silêncio" (ficção)recentemente editado

quarta-feira, julho 05, 2006

Vem para mim


Óleo de Ina Lukauskaite


Vem para mim,
Mas olha primeiro o mar.
Traz-me o seu azul
Reflexo no olhar
(com o cheiro da maresia)
De relance deita uma mirada
Rápido ao sol e
assim reterás o amarelo.
(com um aroma de canela)
Peço-te mais,
Que me tragas
o arroxeado do poente
(olorado por lilases)
E o verdejante dos vales
na Primavera
(com o sabor do alecrim).
Queria também
nos teus olhos
O terno e quente
alaranjado
(mais o cheiro do jasmim)
Com que se pinta o céu
Na alba de mais um dia
Desejado.
Contigo, vem o vermelho,
(com um aroma de violetas)
Nesses rios
que te escorrem do peito,
aberto em borbotões.

Vem para mim
Com esse corpo
esguio e anilado
Meu arco-íris
Sentido, vivo,
Belo e só por mim sonhado
Vem para mim
Com esse teu cheiro
De mil aromas feito
A amor amado

(Poema do Vic)

segunda-feira, julho 03, 2006

Hoje apetece...

Imagem do "Vento"




Hoje apetece que uma rosa seja
o coração exterior do dia
e a tua adolescência de cereja
no meu bico de Isolda cotovia.

Hoje apetece a intuição dum cais
para a lucidez de não chegar a tempo
e ficarmos violetas nupciais
com a lua a celebrar o casamento.

Apetece uma casa cor-de-rosa
com um galo vermelho no telhado
e os degraus duma seda vagarosa
que nunca chegue à varanda do noivado.

Hoje apetece que o cigarro saiba
a ter fumado uma cidade toda.
Ser o anel onde o teu dedo caiba
e faltarmos os dois à nossa boda.

Hoje apetece um interior de esponja
E como estátua a que moldar o vento.
Deitar as sortes e, se sair monja,
Navegar ao acaso o meu convento.

Hoje apetece o mundo pelo modo
Como vai despenhar-se um trapezista.
Abrir mais uma flor no nosso lodo:
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista.

Hoje apetece que a cor dum automóvel
Seja o Egipto de novo em movimento;
E que no espaço duma gota imóvel
Caiba a possível capital do vento.

Hoje apetece ter nascido loiro
Como apetece ter havido Atenas;
E tu nas curvas rápidas de um toiro.
E eu quase intangível como as renas.

Hoje apetece que venhas no jornal
Como um anúncio. Sem fotografia.
E inventar-te uma lenda de cristal
Para reflectir a minha biografia.



* "Projecto de Bodas", Poema de Natália Correia
in «Poesia Completa O sol nas Noites e o Luar nos Dias»,
 

Publicações D. Quixote, Lisboa*

domingo, julho 02, 2006

Ontem...


Girassóis da Vera Cymbron - Açores


Ontem,
fiquei em silêncio!
Roubaste-me,
palavras com beijos.
Abraçaste-me,
sem dor e sem medo.
Trataste-me,
o corpo e a alma.
Amaste-me,
com sede e desejo…
Ontem,
curaste a doença.
Tiraste-me,
a fome e foste alimento.
Carregaste-me,
a dor e fizeste-a tua.
Apagaste-me,
os pesadelos e fantasmas.
Recriaste-me,
os sonhos e as alegrias.
Devolveste-me,
o sono e a paz.
Ontem,
Nos teu braços, ao sabor dos teus beijos,
Quando olhei no fundo dos teus olhos
E me envolvi no calor do teu corpo…
Senti que hoje estaria melhor,
Porque tu és a minha cura.

(Poema da Vera Cymbron)

terça-feira, junho 27, 2006

Voltarei um dia destes...

Imagem de autor desconhecido

quarta-feira, junho 21, 2006

Arco-íris


Imagem Alexandru Darida


O sol, dia após dia, não queimava
o meu corpo soturno e sombrio.
E eu ambicionando um mar de lava
que me abrasasse o coração vazio...

A cada noite a lua minguava,
no meu quarto, crescente só o frio.
E eu ansiando a luz que fosse escrava
dum farol que orientasse o meu navio...

Foi então que te vi, de sete cores,
avivando o meu céu, serena e nua,
num arco que apagou todas as dores.

Encheste de clarões a minha rua,
cobriste a minha cama de mil flores,
tornaste-te meu sol e minha lua.


(Poema do Fernando-Cidadão do Mundo)

segunda-feira, junho 19, 2006

Canto...

Imagem de Jake Baddeley


Enquanto houver um rio, hei-de cantar
Lonjuras de outros tempos, esquecidas.
Enquanto houver gaivotas rumo ao mar,
Cantarei lembranças de outras vidas.

Enquanto houver um rio, hei-de sonhar
Venturas de outros tempos, proibidas.
Enquanto houver mordaças de matar,
Cantarei esperanças coloridas.

E enquanto o rio correr e eu cantar
Vontades, ilusões, destinos, fados,
Talvez um dia, o meu canto chegue ao mar

Se não, que espalhem as gaivotas pelo ar
Em pios, em voos, em desenhos ousados
Tudo quanto meu canto nunca ousou cantar.



(Poema de Helena Pedro)

sexta-feira, junho 16, 2006

Percurso



Num campo de papoilas
O meu sonho
Num oceano frio
O teu olhar
Nas areias da praia
O teu cabelo às ondas
No vento do deserto
O meu amar

Na curva do caminho
O teu ar sério
No cume da montanha
O meu querer
Numa cidade à noite
O teu mistério
Num vale de espera cor-de-nada
O meu sofrer

Nas asas de uma pomba
As mãos com que te afago
Na palidez da Lua
O teu sorrir
Numa noite sem estrelas
O teu sono
Num rio impetuoso
O meu sentir

Num lago gelado
A minha mágoa
Numa manhã cinzenta
O teu torpor
O teu desejo
Numa poça d´água
Numa terra distante
O meu amor

Num prado verdejante
A minha esperança
Numa ilha deserta
A minha solidão
Num livro em branco
Meu sonho de criança
Numa história de Amor

A minha inspiração...

Poema e Imagem de Berenice

quarta-feira, junho 14, 2006

Pintor





Se eu fosse pintor
Pintava-te nua
Com minhas mãos trémulas
Misturava as cores em pinceladas desiguais
Perdia-me tacteando
Nas curvas redondas de teus seios
Entre a linha do horizonte e o por do sol.

Mas porque não sou pintor nem tenho jeito
Quero que me perdoes se te usei, no pensamento
Ou ousei desnudar-te, e ver-te assim exposta entre o sol e o horizonte
E profanado as curvas de teus seios
Neste fim de tarde do Outono que termina.

O meu amor por ti ou a ausência do teu por mim
São algo que não se confessa mas se sente
Sei que te usei, modelo em nu artístico
Porque sonho contigo
Sei que és a desculpa do meu sonho instituído
Por isso, se fosse pintor
Pintava-te nua de cabelos ao vento…



Poema de Lobo do Mar


Imagem de Tiago Estima

segunda-feira, junho 12, 2006

Carta ao Amigo...


Imagem daqui


Olá, Amigo, resolvi escrever-te
só para dizer que não há nada de novo.

Olha, saí, meti-me no carro
e chegando ao semáforo seguinte
vi o mesmo pedinte
com que há anos deparo.
Dei-lhe uma moeda de vinte.

Na fila de trânsito,
vi as mesmas caras agressivas
por dentro dos vidros embaciados.
Sorrisos não vi, nem expressões vivas:
só olhares cansados.

Também quis entrar no café,
mas era tal a fumaça lá dentro
que achei melhor adiar o momento
e fugi dali a sete pés.

Deu-me para comprar o jornal,
mas também não sei para quê:
já ontem, na TV, disseram tudo igual.

Parece que o principal
é que caiu um avião no Mar do Norte.
Mas olha, tiveram sorte:
dos noventa só morreram vinte e tal,
incluindo um doente de Sida, por sinal,
a quem já tinham lido a sentença de morte.

Os pais do rapaz até deram graças
por ele ir de repente
e não o verem mais pela casa
a morrer lentamente.
Das famílias dos outros vinte e tal
é que não sei o que disseram,
não vinha no jornal,
talvez não tenha sido tão sensacional.

Como vês, vai tudo normal.

Passei ali pelos arredores
e lá estavam os arrumadores
à porta do Centro Comercial
a arrumarem os senhores doutores.
Também estavam uns ciganos vendedores
discutindo com eles um espaço vital
para estenderem no chão uns cobertores
onde exporem o material.
Mas apareceu um carro da polícia
e debandaram todos por igual.

Enfim, virão tempos melhores.

De saúde, olha, vou assim-assim,
uns dias pior, outros menos mal.
Que se há-de fazer? É fatal.

E assim cheguei ao fim.
Como vês, não há nada de especial.
Fica bem, ou, pelo menos, tu também,
menos mal.

(Poema da Aspásia)

sexta-feira, junho 09, 2006

Tango


Imagem do Ognid


Dança comigo uma dança latina.
Qualquer uma.
vermelha
quente
sensual.
Apenas nós numa pista de dança
madeiras velhas
candeeiros quebrados
ambiente vermelho
orquestra decrépita.
Deixa-me agarrar-te
guiar-te os passos
rodopiar contigo
dobrar-me sobre ti
suspender o tempo
quase beijar-te.
Recomeçar
e repetir
até que os nossos corpos
suados de desejo e de cansaço
rubros do esforço
nos obriguem a parar.

(Poema do Ognid)

quinta-feira, junho 08, 2006

Um Amor Libertador...

O texto que aqui deixo, foi deixado num comentário. 
Resolvi partilhar...

Óleo de Frederic Leighton




Sei de um lugar,

onde iremos enfim,
juntos ...
e juntos nos haveremos de encontrar
(Para Sempre)!

Onde o Mundo acaba,
onde as terras desabam,
premente a chama,
labareda acesa,
o olhar...

Onde o rio se abre ao mar,
num doce arrepio...
para nos deixar passar…

Sei um sentir,
de Princesa/Bruxa...
De Mulher/Menina...
De um Príncipe encantado!
Vou-to contar:
Entregar-se ao Abraço,
aliviar o cansaço,
esquecer o Mundo!
O Monte da Lua
(a tua lua secreta)
Mas saber deixar-te partir...

Um Amor Libertador...


(Autor: Anónimo)

segunda-feira, junho 05, 2006

Ser, sentindo...


Monte da Lua - Óleo de JP


Sei de um lugar,
Onde o mundo acaba, onde as terras desabam,
Onde o rio se abre ao mar
Sei um sentir,
Entregar-se ao abraço, aliviar o cansaço
Mas saber deixar-te partir...

Pois sei de cor os teus silêncios
E sei de cor o teu olhar
Ser livre e leve na certeza,
No teu laço ser princesa das histórias
De encantar...

(Poema da Princesa)

sexta-feira, junho 02, 2006

Outras Águas...

Gravura de David Almeida



Amarás o pássaro
cantando.

Amarás a lua
respirando
sobre o corpo das mulheres
e das cidades.

Amarás a curva delicada
no adeus da folha do salgueiro
a caminho do Outono.

Não hesites.

Ama em cada instante
a música que nasce e nunca voltará.

Este é o teu destino:
branco sobre branco.
Água deslizando
a caminho
de outras águas.

Poema de José Fanha



(Sobre uma gravura de David Almeida)

quarta-feira, maio 31, 2006

Momentos...

Gosto dos momentos em que deslizo por aqui...É dos poucos locais sem acesso a comentários onde permaneço fiel…e volto sempre, mesmo naquelas noites de insónia, quando busco alimento para a minha alma…esta noite, dormi com este quadro no pensamento…



pintura de Marta Mestre

"(come chocolates, pequena;
come chocolates!)"
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
...
o dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
...
... e o dono da Tabacaria sorriu.

(nacos de TABACARIA / 1928)

Júlio César in "Álvaro de Campos à QUARTA de cinzas"


Imagem do Júlio César daqui

segunda-feira, maio 29, 2006

O mundo completo


Imagem de Alex Krivtsov


Estes gestos de vento,
estas palavras duras como a noite,
estes silêncios falsos,
estes olhares de raiva a apertarem as mãos,
estas sombras de ódio a morderem os lábios,
estes corpos marcados pelas unhas!. . .

Esta ternura inventando desejos na distância,
esta lembrança a projectar caminhos,
este cansaço a retratar as horas!...

Amamo-nos. Sem lírios
sobre os braços,
sem riachos na voz,
sem miragens nos olhos.

Amamo-nos no arame farpado,
no fumo dos cigarros,
na luz dos candeeiros públicos.

O nosso amor anda pela rua
misturado ao buzinar dos carros,
ao relento e à chuva.

O nosso amor é que brilha na noite
quando as estrelas morrem no céu dos aviões.

(Poema de António Rebordão Navarro in "A Condição Reflexa")

sexta-feira, maio 26, 2006

O corpo do poema...


Desconheço a autoria da imagem

Vamos fazer um poema
suave
como a doçura da pele
ao toque.
Deixa soltarem-se as frases
leves
quais beijos à flor do corpo
quente.
Palavras ganhando ritmo
em mim
rimas que rolam loucas
por ti.
O poema a surgir completo
em nós.
Na busca do final perfeito
o grito,
sentir enfim pleno o corpo
do poema.

(Poema da Água Quente)

quarta-feira, maio 24, 2006

Próxima vez


Desconheço o autor da imagem

Da próxima vez,
Vou apostar na tua loucura,
Deitar por terra toda essa ternura,
Soltar-te as asas para não te esquecer.

Da próxima vez,
Vou libertar-te da minha verdade,
Vou dar-te força para tanta vaidade,
Olhar-te sempre sem nunca te ver.

Da próxima vez,
Vou desafiar a minha coragem,
Tirar paragens da nossa viagem,
Contar-te tudo o que quiseres saber.

Da próxima vez,
Vou sentir-te a cada segundo,
Deixar-te crer que vais mudar o mundo,
Mostrar-te o lado doce do meu ser.

(Poema do GNM)

segunda-feira, maio 22, 2006

Falaremos. Num murmúrio


Imagem de autor desconhecido


Falaremos. Num murmúrio.
Do pó de estrelas que semeámos
ao pentear os cabelos dos amantes.

Falaremos. Dos cometas que largámos.
Dos sóis que retirámos
do calor do nosso lume.
Das estrelas que tirámos
do céu e colocámos no mar.

Falaremos. Falaremos das outras.
Das que inventámos
nos sonhos ainda não sonhados
e ancoraremos
em céus por descobrir.

Falaremos sós.
Sorriremos fazendo nascer o sol
e partiremos.
Completos e cumpridos.

(Poema de Conceição Paulino - TMara
in As Tarefas Transparentes, editado em 1993)

sexta-feira, maio 19, 2006

Jogos no Parque...




O tempo pára feito luz desmesurada
sobrevindo no pinheiro
em vénia longa curvado à terra.
Foram ventos que o dobraram ou propósito
no coração da semente, germinando sonhos
de amor e cavalgadas?
Riem connosco os pardais. Olha-os de cima:
burel de penas, mendicantes, o vivo olhar -
que faz esta alegria
entre as sombras que há na terra?

Já se erguem do rio névoas,
mas sobre nós a luz
e persiste a boca manifesta.
O crescente não fulge ainda,
excepto no teu olhar que a lua circunda.
No mais tudo é solar, e o pinheiro
oferece o tronco a cabeleira em reverência
como se as coisas e as circunstâncias
se dispusessem porque um dia
viríamos juntos os dois.

(Poema de Soledade Santos aqui)


Imagem de autor desconhecido

quarta-feira, maio 17, 2006

Maio...




em que outro mês caberia
um dia só
do trabalho?
e do silêncio?

que outra lua seria
o branco de todas as noivas?

que outras cores se não todas
para maio
das papoilas?

de que outra mãe serias filho
Hermes?

(Poema de Luís Natal Marques)


Imagem de autor desconhecido

segunda-feira, maio 15, 2006

Maio sonhado



Que venha Maio
e traga nos dias a plenitude da terra,
renascer de promessas que Abril plantou!
Que seja então Maio,
cheiro de brisa suave que em si carrega
mil águas caídas no solo que secou!
Floresça Maio agora
nesta hora de bandeiras caídas no chão,
cravos desfraldados no tempo de outrora
e traga de novo
a força que sonhámos ter dentro da mão!


(Poema da Lique)



Imagem de autor desconhecido