sexta-feira, abril 27, 2012

Ser Poeta.


Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca
(1894-1930)

segunda-feira, abril 23, 2012

Escultura de palavras

Pintura de Brenda Burke


Na terra das palavras abandonadas
Dos sonhos invisíveis
E da terra suja e molhada
Ouço um grito longínquo
Que me diz ser uma parte de mim!

Respondo com a minha ingenuidade
Mostro-lhe as minhas pétalas
E ergo-me sua escrava
Orgulhosa da minha condição!

Tento tocar-lhe
Mas ele diminui o seu volume
Foge pelo imaginário
E distancia-se da minha realidade!

Choro
Dou o meu próprio grito
Ouço-me novamente
E percebo que eu própria sou vários
Que nunca me deixarão sozinha!

Poema de Teresa Poças

sábado, abril 07, 2012

O olhar descoberto




(Desligar, p.f. a música de fundo do blogue para ouvir o poema)


Nesta Páscoa, deixo-vos um poema do Pe. José Tolentino Mendonça, num trabalho realizado por José-António Moreira do Sons da Escrita

quarta-feira, abril 04, 2012

A poesia não morreu

Pedro Pires



A minha impaciência não cabe no poema
ou na pedra afiada pelo silêncio
que me fere os pulsos.
Gravei a sangue o furor dos dias
e deixei rasgar em minha boca
os frutos da sede e do assombro.
Não me venham dizer
que precisamos de profetas
ou de heróis ou de sábios
para o mundo ser salvo.
Nós acreditamos que o brilho das manhãs
se arredonda nas arcadas do tempo
assediando o sonho fraterno dos poetas.
A poesia não morreu.
De memória em memória
ela atravessa as palavras
com a farpa da revolta.
É preciso gritar que a poesia não morreu?

Poema de Graça Pires

quarta-feira, março 21, 2012

Dia Mundial da Poesia


Pintura de Estall


Aos Poetas



Somos nós
... As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!

E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!

Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!


Poema de Miguel Torga in "Odes"


Bom dia a todos e, em especial, aos Poetas neste Dia Mundial da Poesia. ♥♥♥♥♥

quarta-feira, março 07, 2012

...só um olhar

Pintura de Johannes Vermeer



Não, não é ainda a inquieta
luz de março
à proa de um sorriso,
nem a gloriosa ascensão do trigo,

a seda de uma andorinha roçando
o ombro nu,
o pequeno e solitário rio adormecido
na garganta;

não, nem o cheiro acidulado e bom
do corpo depois do amor,
pelas ruas a caminho do mar,
ou o despenhado silêncio

da pequena praça,
como um barco, o sorriso à proa;

não, é só um olhar.

Poema XX de Eugénio de Andrade, in Branco no Branco

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Convite

Participação do lançamento de "Entre o Sono e o Sonho", III Antologia de Poesia Contemporânea, Edição da Chiado Editora, a realizar no próximo dia 25 de Fevereiro (Sábado), pelas 15,30 no espaço Zeno Lounge, no Casino Estoril.

Eduardo Aleixo,
Isabel Vilaverde, Maria De São Pedro, Otília Martel, Paula Trigo, Rui Serra, Teresa Cunha, Teresa Durães e muitos outros, farão parte desta Obra.



Capa do livro




UM DIA

Um dia
vou dizer-te,
a versão eloquente
de quem fomos,

…dizer-te
dum pretérito simples,
e do futuro condicional
incerto.

Leremos livros
de odores ligeiros
saboreando chás
de sabores diversos,

Diremos poemas
inventaremos núpcias
juraremos juras
e cantaremos versos,

Descobriremos portos,
barcos, travessias,
tormentas brancas
e algumas calmarias…

Tudo isto amor,
e nada mais,
brandos e contemplativos,

eu prometo,

…um dia.


(Bósnia 1998)

Poema de Teresa Cunha
in, III Antologia de Poesia Contemporânea, (Chiado Editora)

CONVITE


Espero encontrar-vos lá!

sábado, fevereiro 11, 2012

Porque existe...

Caros amigos e comentadores

Há dúvidas e questões que por serem tão óbvias, no meu entender, não merecem explicações muito extensas, por isso e para aqueles que têm levantado, via email, dúvidas acerca das escolhas que se fazem neste Blogue (re) publico um texto de 30 de Junho de 2006, sobre o mesmo assunto.








Imagem retirada da internet


O nascimento de um blogue não tem forçosamente de ter um pressuposto…
Ele acontece pela vontade de partilhar conhecimentos, sejam de que espécie for, dentro das aptidões de cada um.
A propósito disto e, como não sou pessoa de virar a cara a nada e muito menos a ultrajes, deixei arrefecer em mim, a vontade de responder de imediato, a provocações que tem sido sujeita a autora deste espaço.
Não me move qualquer tipo de protagonismo, muito menos qualquer interesse comercial na divulgação deste ou daquele blogue que aqui referencio, mas sim o aperfeiçoamento do meu próprio conhecimento e a partilha daquilo que vou encontrando ao longo dos meus passeio, neste mundo blogosférico.
Exceptuando aqueles que tiveram acesso directo a um conhecimento pessoal, poucos são os bloguistas que me associam a qualquer outro blogue que, a nível pessoal, eu seja detentora. Nada neste blogue referencia quem é o seu autor, exceptuando os textos de blogues que me dão a permissão e honra, de aqui me deixarem colocar os seus escritos.
E faço-o, porque mais do que escrever, ler e partilhar esses blogues, é a minha verdadeira prioridade.
Como já referi anteriormente neste blogue, este foi um projecto individual, que nasceu da MINHA vontade de dar a conhecer aquilo que, no meu entender, se escreve de melhor e em língua portuguesa, na blogosfera.
Por vezes, perco-me na infindável lista de favoritos, tantos são aqueles que convosco gostaria de partilhar. Mas a seu tempo, o farei.
Posto isto, e com a serenidade que a maturidade e os anos já me oferecem, gostaria de uma vez por todas, acabassem com as dúvidas sobre a existência e escolhas que aqui se fazem. Elas fazem-se, por mero amor à palavra que me oferecem a ler, venham de quem vier, independentemente do sexo e da idade.
E o tipo de calendarização prende-se, unicamente, por oportunidade de postagem. Nada mais.
Finalizando, quero fazer um agradecimento a todos os que me deram a oportunidade de partilhar aqui as suas obras, porque são a razão da existência deste Blogue.

Obrigada.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

“O Despertar dos Verbos”

Algures no tempo e através das habituais viagens pela blogosfera descobri o Alien8 em Título Qualquer Serve que originou que a sua Petição Inicial fosse o poema escolhido para aqui ser partilhado.

Alien8”, bloguista; Mário Domingos, advogado e poeta; em Dezembro último publicou o seu primeiro livro de poemas “O Despertar dos Verbos”.



Mário Domingos



À procura das palavras

I
Subi então até à raiz do poema
e aí encontrei uma flor petrificada.
Olhei em volta, à procura das palavras
que pudesse comprar a minha sede:
- Era um deserto de nervos
Com margens de sangue
A paisagem na raiz do poema - eu.
Murmurei vagamente uma oração antiga
E quase me desfiz em pó de tanto olhar
E me arder a vista atroz, incendiada, no crepúsculo
inigualável. Silêncio e mais silêncio.

II
A água corria, corria por entre as pedras,
levava no corpo destroços de cidades,
laranjas esquecidas na penumbra,
raparigas ironicamente vestidas, vestidas de verde,
raparigas-água impressionantes, sorridentes.
A água corria e era muita e era bela. Levava
A palavra procurada, a palavra do poema
algures no corpo, recatada e mansa, talvez adormecida.
Eu sabia apenas que entretanto amanhecera.

III
Tenho sede. Ergo-me de repente e abandono
o amável leito de todos os dias. Veloz como
o navio que sabe seguro o porto, ganho
o espaço ritual que me separa de mim.
Tenho sede. O meu pulso é algo de concreto e latejante,
assim me sinto e reconheço, à procura das palavras
na raíz incandescente do poema - eu.
São de pedra as cidades, são enormes e movem-se
no ritmo lógico em torno dos meus ombros.
A flor petrificada olha-me heroicamente, meigamente,
o seu espanto é de carne rigorosa. Tem cinco pétalas
azuis emocionadas, inscritas pouco a pouco nos meus olhos
maravilhosos de ironia, incrivelmente densos.

Poema de
Mário Domingos


Porque os Poetas não morrem ficarão para sempre as tuas palavras gravadas no Universo.

Até sempre, Alien8. Até sempre, Mário Domingos.
R.I.P.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Rui Costa (1972 - 2012)

"Rui Filipe Morais Aguiar da Costa, de 39 anos, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, exerceu a profissão de advogado durante seis anos em Lisboa e Londres, concluiu um mestrado em Saúde Pública em Leeds, residia há dois anos no Brasil e morreu durante a sua recente estada no Porto para as festas do Natal e passagem de ano com a família.

Era considerado um dos mais inovadores e promissores autores da nova literatura portuguesa.

Com "A Nuvem Prateada das Pessoas Graves", que publicou em 2005 nas Quasi Edições, ganhou o Prémio de Poesia Daniel Faria e, em 2007, recebeu o Prémio Albufeira de Literatura pelo romance "A Resistência dos Materiais".

Também em 2007, traduziu o livro de poesia "Só Mais Uma Vez", do poeta espanhol Uberto Stabile, para a coleção Palavra Ibérica, e em 2008 traduziu "Quarto Com Ilhas", do poeta espanhol Manuel Moya, para a mesma coleção, na qual publicou, em 2009, "O Pequeno-Almoço de Carla Bruni".

No mesmo ano, lançou ainda "As Limitações do Amor São Infinitas", pela editora Sombra do Amor.

Co-organizou a Primeira Antologia de Microficção Portuguesa (Exodus, 2008) e colaborou em diversas publicações, como "Poema Poema -- Antologia de Poesia Portuguesa Actual (Huelva, 2006); "A Sophia" -- Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen (Caminho, 2007); "Um Poema para Fiama" (Labirinto, 2007); "Sulscrito" -- Revista de Literatura; Revista Big Ode e Revista Piolho nº 2.

Em 2010, estava a trabalhar numa tese de doutoramento em Ciências da Saúde sobre o discurso e experiências de transformação do sector da saúde em Portugal e no Brasil
."
(Fonte)


Rui Costa


Elegia Azul

Clara, como talvez tu antes da última esquina da noite,
uma imagem redonda colava-se aos meus dedos por entre
as folhas de papel que lentamente ardiam. Foram sempre
mais as páginas que juntei do que aquelas de que pude
separar-me, naquele T1 pequeno com vista para Monsanto
e para o teu corpo sempre azul.
Infelizmente, não fora capaz de preparar
o silêncio que sempre se segue a tudo o que
não somos, dirias tu, o rumor de instantes que nos apanha
na canga e nos sugere o vale sem luzes e a varanda grande.
Parado sei que isso é poesia, um sonho, pequenas alucinações
de primavera sem apelo no fundo destas veias e sei também
que continuas a existir e vais ser minha muitas vezes,
como eu quero ser teu intermitentemente em cada lua nossa.
Mas tu sabes como os astros nos pregam partidas ao telefone,
como em certos dias a pique para o sol embatem nas antenas,
e este ligeiro pesadelo é apenas o desconforto baço de saber
que há coisas demasiado belas para não serem tristes.


Poema de
Rui Costa in "Os Dias do Amor", selecção de Inês Ramos, pág. 370

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Em dia de aniversário de nascimento... recordar Eugénio de Andrade

José Fontinhas Rato nasceu na Póvoa de Atalaia em 19 de Janeiro de 1923 tendo falecido no Porto em 13 de Junho de 2005 e foi conhecido no mundo cultural como Eugénio de Andrade




Passamos pelas coisas sem as ver

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Poema de
Eugénio de Andrade

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Atribuição do prémio Dezembro/2011...

O público comentarista escolheu, com dezanove (19) comentários registados o poema "as coisas elementares " de António José Cravo terminando com esta atribuição o passatempo que esteve disponível desde Outubro passado.

A gravação em vídeo efectuada pelo Sons da Escrita e voz de José-António Moreira está disponível no Youtube.



(Desligar a música de fundo para ouvir o vídeo, p.f.)


O Poesia Portuguesa agradece a todos os que tornaram possível o “passatempo do poema mais comentado” em especial ao Sons da Escrita pelo trabalho realizado na produção dos vídeos dos poemas premiados e ao José-António Moreira por ter dado voz aos mesmos.

sábado, dezembro 31, 2011

Morre-se de solidão no meu país




A solidão prolongada
Em forma de sombras
Neutras
Esbatidas
Infiltrada nas paredes
das casas fechadas – com gente dentro
e a noite a fechar o dia mais uma vez
duas vezes – muitas vezes

e morre-se devagar no meu país

as árvores no Outono estão nuas – esquálidas
no Inverno o frio magoa os ossos e a alma
mas talvez os melros cantem antes da próxima primavera
se o verão chegar todos os dias
no sol de uma tigela de sopa fraterna

morre-se devagar no meu país

e depressa tudo se esquece

Poema de
Piedade Araújo Sol




Nota da Autora: faltam dados estatísticos para idosos que morrem sós em casa

1ª. imagem de Gonçalo Lobo Pinheiro

2ª. imagem foto pessoal


sábado, dezembro 24, 2011

as coisas elementares



falo das coisas mais
elementares

o sino da igreja
onde um galo não canta
um seixo rolado
guardando o tempo
dentro de si
um torrão de terra
grávido de uma semente

mais elementares ainda

os sorrisos presos nos lábios
das crianças tristes
as lágrimas
rios de salgados
nos leitos dos rostos abandonados
nos lares/depósitos

falo porque
estou cansado de comer silêncio
e ler poemas de amor
com tanto desamor
a caminhar por aí

as coisas mais elementares
são as que deviam ocupar
o ventre das palavras por parir

Poema de
António José Cravo

Atribuição do prémio Novembro/2011...


Conforme atempadamente foi referido na postagem de 27 de Setembro ao iniciar-se o “passatempo do poema mais comentado” o público comentarista escolheu, com sete (7) comentários registados, o poema “do fim dos meus dias...” de Virgínia do Carmo.

A gravação em vídeo efectuada pelo
Sons da Escrita e voz de José-António Moreira está disponível no Youtube.



(desligar por favor a música de fundo para ouvir o vídeo)

sábado, dezembro 17, 2011

desiguais se igualam


Imagem de James Harrigan



desiguais se encostam
desiguais se destapam em fios de som
metálicos se enferrujam
desiguais se sentem
sem sentir o igual do tacto
desiguais se tentam enroscar
metálicos
gritam finos sons de cordas rijas
desiguais se amam em cordas
esticadas
desiguais se aconchegam
em cordas que vibram
desiguais se gritam
metálicos
não se olham
desiguais se tocam em notas de viola
desiguais se igualam
em desalinho se deitam
alinhados
encostados se amam
encostados se ouvem
desiguais gritam
metálicos
desiguais se misturam
em sons desabafados
deitados em tecidos amarrotados
desiguais se igualam


Poema de
Teresa Maria Queiroz

sábado, dezembro 10, 2011

Gostaria tanto…


Pintura de Philippe Loubat


Gostaria tanto….

De tocar a superfície da maresia
Com as minhas mãos sedentas e sentir-te apelo…

De escrever-te pétalas tinta sorriso
E declamar-te com os teus versos partilha…

De amar-te murmúrio doce
Na tua entrega paixão querer de ti segredo nosso…

De dizer-te o que me queres soletrar
No prolongar infinito do teu enleio alma…trajecto redacção…

De ouvir as tuas canções nossas
E invejar o teu saber dizer de poemas versus coração…

De me render à tua “luta” apego
E ficar prisioneiro do único amor com o amor que entoas…

De nada saber e tudo me ensinares
No cultivar sólido de sabores teus…doados nossos…

De correr para ti…como menino carente
No fim de cada minuto saudade e sorrir no teu abraço abrigo…

De aprender contigo a moldar a cor do acto
E suspirar no acreditar da certeza página presente…

Que me escrevesses um poema silêncio
Em grito surdo de respiração suspensa …para lá do possível ...

De nunca ter de conjugar verbo no passado
Porque a tua caligrafia semeia sempre futuro em cada escrita dita…hoje presente…

De chorar …apenas para apagar vulcões de êxtase
Que me dás em oferta solta almejo de vida sempre a colorir…

De dizer-te paixão…com um obrigado abençoado…
Porque se Deus existe…tu és o Universo da felicidade…

De nunca findar este caminhar a dois
Onde exigisses amor com amor…até ao beijo final….

De dizer tanto…e tanto ouvir…
No tanto que há para viver…no tanto que há para amar…no tanto que há para declamar...

De não te conhecer…e puxares a minha mão
Para te conhecer e percorrer estrada rio…nascente foz…mar…horizonte…sofreguidão conhecimento…o teu jardim…

De ouvir a tua verdade…nas verdades que tens…
Bálsamo fidelidade…código único…

Que a única diferença de sermos…fosse a interpretação
Homem …mulher…nunca o esgrimir de posições …porque somos…

Gostaria tanto…

De acordar…com o teu acordar…
E sentir-me com o teu acordo do acordo que rubricámos…


Poema de
José Luís Outono

sábado, dezembro 03, 2011

Sejamos Natal


Fotografia de Ann Richardson


Para além de todas as demagogias,
Para além do politicamente correcto,
Para além de todas as hipocrisias,

Celebremos, finalmente, o Espírito do Natal
Em todos os momentos
Desta nossa existência, tão efémera.

Natal é Fraternidade, Solidariedade, Paz,
Amor e Alegria na Terra
E nos Corações dos Homens.

Natal é a apologia do autenticamente Humano,
Em toda a sua essência genuína
De Bondade e de Verdade.

Natal é o enaltecimento de um Mundo
Onde não haja mais lugar para a Crueldade,
Para a Violência ou para a Agressividade.

Natal é a reunião dos Corações sensíveis
Que lutam, desesperadamente, pela União dos
Povos e das Nações.

Natal é a rejeição da Discriminação,
Dos horrores da Guerra,
Da mutilação dos Corpos e das Almas.

Natal é a consciência da Miséria Humana,
O compromisso da sua superação,
O enaltecimento da Justiça e de todas as Uniões.

Natal é o triunfo do Bem e do Belo,
A glória de todos os Renascimentos,
A comemoração da Dignidade Humana.

Natal é a benção do sempre Novo,
O louvor de todo o acto de Criação,
De Renovação e de Regeneração.

Sejamos Natal,
Hoje, sempre,
Para sempre.

Poema de
Isabel Rosete


Fotografia de Lucas Valentim

sábado, novembro 26, 2011

De Manhã


Imagem de Google sem indicação de autor


“Un vague bonheur leur était élan et ménace”
Nic Klecker, “Matin” (conto), in Jadis au village


A manhã de Outono veio trazer prenúncios
de Inverno e sombras de geada
veio montada nos raios oblíquos
e conduziu as rodas das bicicletas
uma em direcção à outra
dele e dela

uma brisa fresca
juntou-se ao encontro
que seria a dois
estavam eles conscientes
do mistério do dia?
foi-lhes ele anunciado na noite já distante?
tê-la-ia ele visitado, ter-lhe-ia ela
franqueado o ardor do umbral?
ter-se-iam amado no corpo
do sonho? as mãos
eram jovens e virgens
ainda seguravam
os guiadores das bicicletas
e os olhos de um faziam tangentes
nos do outro
decidiriam unir-se
para o receio e a ousadia do salto
para a existência e a aventura?

os peitos respiravam ténues
o mesmo ar de sol e gelo
debruçados sobre as bicicletas
os sentimentos eram felizes
os corações abriam-se em ramos de flores
para a beleza palpitante
um do outro

Poema de
Rui Miguel Duarte

sábado, novembro 19, 2011

Eternidade


Fotografia de Josep Ruaix Duran


Chorar as lágrimas do espanto
de te saber flor em mim.
Canto
que a noite encerra. Jasmim
em flor. Jasmim feito amor.

Primavera que encerra o cálice
que bebi em teus olhos.
Derrama
as palavras que nutrem o âmago
de uma caminhada em espera.

Suspensa no olhar que ama
a via que se percorre,
que desespera na água que se solta
da noite e
chama
pelo caminho que o sol faz reluzir
e pelo brilho de uns olhos eternos


Poema de
Susana Duarte

sábado, novembro 12, 2011

Todas as Palavras


Fotografia de Stuart Redler




Um dia quando ouvires as árvores pensar
Irás recordar os olhares e os sonhos.

Irás recordar os erros e
Ouvirás o cantar dos pássaros;
Recordarás o vento e as palavras
Todas as palavras.

O futuro não estará lá,
O passado também não.
Apenas tu, as árvores e os pássaros
Nada mais.

Como será a vida no fim da canção?



Poema de Francisco Vieira

domingo, novembro 06, 2011

Atribuição do prémio Outubro/2011...


Conforme atempadamente foi referido na postagem de 27 de Setembro ao iniciar-se o “Passatempo do poema mais comentado” o público comentarista escolheu, com dezanove (19) comentários registados, o poema “Gosto de Gente” de Fernanda Paixão.


A gravação em vídeo efectuada pelo Sons da Escrita e voz de José-António Moreira está disponível no Youtube.




(desligar por favor a música de fundo para ouvir o vídeo)



Virgínia Do Carmo iniciou Novembro com o seu poema “do fim dos meus dias... “ que já poderão ler e, impreterivelmente, às 12 horas de cada sábado seguir-se-ão os restantes.

Grata a todos pela participação.

sábado, novembro 05, 2011

do fim dos meus dias...


Pintura de Cliff Warner



Do fim dos meus dias
Vê-se um tecto
Branco
E inerte
Que me dá silêncio
E mais silêncio
Tanto que me escorre
Dos olhos
Por já não me caber
No peito…

Do fim dos meus dias
Vê-se o deserto
Que me sobra
Dos gestos
- Como quem morre
Nos restos
De um leito
Seco…

Solidão triste
A que me chega
Das entranhas
Deste vazio
Onde se me cai
A vontade,
Abatida,
De palavras
Em riste

- Campo tardio
De armas sepultadas

- Lume profundo
De chamas inúteis
…Apagadas…


Poema de
Virgínia do Carmo

sábado, outubro 29, 2011

Esgota-se o tempo


Pintura de Vladimir Kush




já não há tempo para que a poesia se dê ao luxo
de passear nos bosques encantados e nos egos poluídos
dos intelectuais de escrivaninha.

já não há tempo para que os versos se ostentem,
bem rimados, construídos, bem ritmados, bonitos,
nos corações vazios da burguesia.

é urgente que as palavras ganhem o peso das pedras,
se revoltem com os que vivem sem poesia e sem pão.
não há tempo para brincar aos poetas, ao depressivo snob en vogue.

só nos resta tempo para que se não nos acabe o tempo,
para que gritemos ainda que não abdicámos do futuro,
com propriedade, ou mesmo sem.

Poema de
Miguel Tiago

sábado, outubro 22, 2011

O Mar Dentro de Nós


Fotografia de Joel Santos


Por dentro de mim corre um longo rio
De seiva, ao por do sol de um campo arado,
E a ceifeira, que ceifa ao desafio,
Esquecida de o ceifar, passou-lhe ao lado…

Talvez volte amanhã, se fizer frio,
Ou se o vento, ao soprar, tiver lembrado
O leito das razões que nele desfio
Na seiva em que o descrevo humanizado

Entretanto, outras foices de ceifeiras
Passaram já por ele de outras maneiras
Mas nunca desaguaram nessa foz

Que, a jusante de mim, beija as ribeiras
Quando elas se lhe oferecem, sempre inteiras
E recomeça o mar dentro de nós…

Poema de
Maria João Brito de Sousa

sábado, outubro 15, 2011

Ensaio sobre o esquecimento


Imagem de Fefa Koroleva



O tempo tudo apaga e a rasura
desaba repentina sobre os olhos:
os dedos da memória sem espessura
começam a safar como se escolhos

os poemas que atirei pela janela
numa garrafa cheia de vazio
(não sei se para os bolsos de uma estrela
se para o leito seco de algum rio)

Eis como sinto a sílabas que outrora
circulavam no sangue das palavras,
a súbitas perdidas, pois agora
almejam ser apenas anuladas:

esquecidas que foram para alguém
o corpo dos poemas de ninguém

Poema de Domingos da Mota in A espessura do tempo

sábado, outubro 08, 2011

Gosto de Gente


Pintura de Luiza Maciel




Gosto de gente honesta
Que faz da vida uma festa
Que partilha e se entrega
Que se oferece mas não se verga

Gosto de gente que vive
De gente que me cative
De gente com brilho nos olhos
De gente com alegria aos molhos;

Gosto de gente sem pressa
De gente simples que tropeça
Da que cai e se levanta
De gente que em sofrimento canta

Gosto de gente de todas as cores
De gente que gosta de flores
De gente transigente
De gente assim bem diferente

Gosto de gente com alma cheia
De gente com sangue na veia
De gente que sonha acordada
Que caminha de mão dada

Gosto de gente directa
De pensamento lavado
Com passo lento ou apressado
Que caminha com e sem gente ao lado

Gosto de gente com imaginação
De gente que tenha paixão
De gente que seja ousada
De gente rica ou descamisada

Gosto de gente inteligente
De gente que seja indulgente
De gente que se atira e se mostra
De gente que nunca se prostra

Gosto de gente que olha de frente
De gente que me acalente
De gente que não tem medo
De gente que guarda um segredo

Gosto de gente divertida
De gente que seja atrevida
De gente que seja versada
Gosto de gente com gargalhada

Poema de
Fernanda Paixão

sábado, outubro 01, 2011

Traço sem nitidez para um Mar Incerto


Fotografia de José Rodrigues




"Lá não verá Inverno triste e escuro,
Não ventos, não tormentas, mão mudanças
Mas tudo quieto em Deos, tudo seguro."

In A Diogo Bernardes em resposta d’outra sua, Livro II, 34,75 de Pêro Andrade de Caminha



Inventados os nomes do Livro,
Refeito o traço em desenho de viagem
Aqui colocarei uma página de prata,
Ali adiante uma nuvem de fogo,
E mais além um mar desconhecido.

Criar é noção, é primeiro fingimento,
De cada [cousa] que toma o lugar;
“Não vento, não tormenta, não mudança”
Apenas dum pouco de céu
E duns restos de água e sal,
Comprimo em ar o vento,
Em corpo o mar.
E do Livro, o mundo invento
O improviso do tempo na sua passagem
De todas as almas meu corpo casa,
Dos passos nas ruas do improvisados becos
Meu sangue mesa,
Criação é réplica, é súplica, é fim
Do primeiro momento.

De regresso e partida, a viagem
De descanso o Livro que abandonado
Descansa o corpo exausto neste colchão,
Em concha em forma de estrado, de estrada
E aqui colocarei um lâmpada iluminada,
Ali adiante uma vela de cera salgada
E mais além, um vagabundo,
Mais um no mundo, ilusório pilar de vida,
Que trémula pedra gigante
Esta terra de pedintes.

De regresso e partida, os contrários
A imaginária rota quase corpo construído,
De certeza em certeza, a absoluta manhã
Que não conhecerá o dia.
Contrária é a ousada sabedoria,
De quem se diz alheio em alheio caminho
E na página em prata de desfaz a poeira,
Na nuvem de fogo a mão derradeira
E mais além, do momento o instante,
Breve corpo de chão tecto armário cadeira,
Aprendiz da letra segura, traço dum deus errante.

Se tudo é breve, tudo é mundo,
Tudo é caminho, um pouco de estrada;
Destino do ponto mais distante,
Do incerto fim, vaga letra vaga-lume
Vaga estante onde se pousam os rascunhos,
O amargo fruto que restou do primeiro
Dia. Deste projecto,
Que da cinza regressará ao nada.

Poema de
Leonardo B. in a barca dos amantes



Nota: Este poema inicia um "passatempo" que tem como objectivo a escolha do poema a ser gravado pelo Sons da Escrita e publicado no Youtube. A escolha do poema seleccionado para aquele efeito ficará a cargo dos comentadores.
A cada sábado será publicado um novo poema. No início de cada mês, será feita a selecção.
O mais comentado, ganha a gravação.
Um incentivo para aqueles que ainda fazem da Blogosfera um local de acesso à Poesia……

terça-feira, setembro 27, 2011

"De amor nada mais resta que um Outubro"

O Outono já entrou e Outubro está a chegar fazendo ressaltar todas as lembranças associadas a este tempo, num misto de saudade e orgulho, porque em cada estação, em cada ano que passa, a memória aviva-se em lembranças de um tempo que está marcado a ternura e alegrias, tal como está a inicial O do meu nome de baptismo.

Os O’s de mim… costumava rir-me ao referi-los.

Do Outono guardo a memória de uma certa infância calcando as folhas secas da Serra de Sintra que percorria pela mão do meu Avô esperando as queijadinhas que me iria oferecer de mimo… o cheiro da terra a anunciar a chuva e a ternura com que a minha Mãe lia poesia perante uma assembleia atenta.

Do Outubro, anos mais tarde, recordo as viagens a Malange, a visão das Palancas Negras, animais imponentes, misteriosos, que avistava ao longe, enquanto percorríamos os quilómetros que nos levariam às Quedas do Duque de Bragança (designadas, presentemente, com outro nome) um local cujas palavras não conseguem traduzir o verdadeiro sentimento que se tem frente à grandiosidade da Natureza.

Pelo caminho, passávamos pelas “Pedras Negras” que eram enormes pedras com centenas e centenas de anos e que estão aliadas a uma lendária história de uma rainha africana de nome D. Ana de Sousa.

Vem este preâmbulo a propósito da ideia que o Poesia Portuguesa a partir de Outubro e, em parceria com o
Sons da Escrita, vai impulsionar.

Como sabem, este é um blogue de divulgação da poesia de Blogues Portugueses e de autores que através deles partilham a sua poesia com o mundo internético.

Dentro da selecção mensal aqui partilhada, o poema mais comentado terá, no início do mês seguinte, um prémio de incentivo ou seja, a gravação em vídeo efectuada pelo
Sons da Escrita na voz de José-António Moreira e publicitado no Youtube.

Deixo-vos o poema de Natália Correia "O sol nas noites e o luar nos dias" na voz de José-António Moreira a quem agradeço, desde já, a gentileza da
Parceria .



(desligar, por favor, a música de fundo, para ouvir o vídeo)

terça-feira, agosto 30, 2011

Insensatez


Imagem de Alexey Andreev



Não foi o vento nem as marés que levaram das águas o brilho,

Não foi o sol nem a lua que se apagaram e fizeram esse escuro,
Não foram os passos que correram cansados e dolentes esse trilho
Que agora feito de pedras e de sombras se tornou mais duro...

Não foram as palavras, antes flores, que murcharam

Nem as suas emoções que me perfumaram
Que alagaram esse canteiro cuidado
E o fizeram abandonado...

Não foi a noite que chegou sem aviso,

Mostrando somente sombras e penumbras
E do dia tirou e levou o sorriso....

Foi o silêncio cortante que cantaste

E fizeste soar calando o mar,
Secando a areia onde te deitaste,
Em que não soubeste sonhar

Nessa permanente insensatez


Poema de Delfim Peixoto in Serenata às estrelas

sexta-feira, julho 15, 2011

Sentir


Pintura de Cliff Warner


As palavras hesitam
no abraço das madrugadas do poema.

Deslizam nas linhas nascentes,
fugazes e tímidas,
como uma jovem que se desnuda pela primeira vez
perante o seu desejo.

Palpitante,
o papel aconchega o seu espaço,
para nele acolher o derrame virginal do sentir dos poetas.

Do vazio,
surge sentido,
na recolha dos sentidos,
em silhuetas esboçadas na procura de significados.

O poema é sentir.
Sinto.

Poema de João Carlos Esteves in Gotas de Silêncio

quarta-feira, junho 29, 2011

Como pintar o Sol todas as manhãs


Pintura de Margusta



Como pintar o sol todas as manhãs
no jardim onde florescem os lírios
se tenho as mãos vazias
de certezas
e de versos?
Sonho, tão-somente, versos obscuros,
versos lua nova.
Não versos quarto crescente
- a aspergir luar -
acalentados pelo som das harpas
dos anjos com brilhos de mistério
e asas de papel.
Papel de seda... de seda
para vestir e amaciar o tempo
de pintar o sol no tempo dos lírios.
Amaciar o tempo das mãos vazias
e da tristeza à flor da pele.

Poema de
Maripa

domingo, maio 29, 2011

As Tentações




Sabemos o que existe. Não sabemos
o que existe. Nem sequer sabemos
alguma vez de nós no frémito do sonhos
onde vivemos e perdemos a vida.

Nenhuma sombra (a luz) nos conduz
à existência,
sequer com a existência celebramos o encontro,
e tudo o mais são sombras violentas.

Violento é o ar que respiramos,
sofregamente respiramos a existência,
desde que nascemos e sabemos o que existe.

Não sabemos o que existe. Nem sequer
sabemos que nome alastra na grandeza
de estarmos vivos e irmos para o mar
perscrutar a existência
com as mão rendidas
ao mar intrépido da nossa ignorância.

Sabemos o que existe. Não sabemos.







Imagem de Fefa Koroleva

sábado, março 05, 2011

como desenhar um rio inscrito na pele?

Depois de três meses de ausência o Poesia Portuguesa volta a “abrir” portas.

Não é fácil, nos tempos que correm, cumprir a missão a que nos destinamos e que foi dar a conhecer a poesia da blogosfera, mas a desistência não está, de forma alguma, nos planos de quem se propôs levar a cabo tal missão.

Hoje trago-vos a poesia de alguém que apesar de já voar fora da blogosfera a ela permanece fiel e é carne e sangue de um Poeta que muito amo…




Pintura de Vladimir Volegov



escrever sobre um rosto é traçar numa tela a matéria do silêncio
como desenhar um rio inscrito na pele?
há palavras na boca que dizem a palavra, o início, há palavras que dizem pão,
há palavras no rosto há palavras há um rosto de palavras
na minha mão.

há uma fricção entre o rosto do mundo e o mundo do rosto
há a Voz de um rosto que resiste e revela por entre as mãos

há num rosto um olhar e um espelho,
um animal insubmisso, há uma substância mental
num rosto encontro um mapa de alianças, um fluxo de água
num rosto confluem poema e tempo
uma melodia de palavras em gestação

Poema de Gisela Ramos Rosa




Nota: este Post foi preparado em data anterior ao dia de hoje mas por motivos alheios à minha vontade só agora foi possível publicá-lo. As minhas desculpas pelo facto (26.04.2011)

terça-feira, dezembro 28, 2010

De uma memória tão antiga

Mais um ano a terminar.

Outro a aproximar-se devagarinho e, como nos anos anteriores, desejamos sempre que algo de novo nos traga.

Este blogue cumpriu, muito discretamente, no passado mês de Setembro, cinco anos de existência enriquecidos com palavras dos Autores que aqui foram partilhados ao longo deste tempo.

Cinco anos se cumpriram, é verdade!

A autora deste blogue sente-se feliz por ter partilhado, com emoção, a sensibilidade que foi descobrindo no mundo da blogosfera.

Muitos dos blogues provavelmente já não existem mas, aqui ficou, para a posteridade, o seu registo.

Outros caminhos de divulgação foram surgindo, é verdade, mas o Poesia Portuguesa continua a senda a que se propôs aqui...

Neste final de ano e através do blogue da Graça Pires Poeta Portuguesa de grande mérito e para quem vai a minha grande admiração, partilho o poema que lá descobri e que muito me sensibilizou.



Pintura de Gaudiol


dizer Dezembro como se o mar tocasse a voz
ou dizer uma rosa rubra atravessada
por lábios de luz.
dizer o oriente de uma estrela
e vestir a pele de um poema.
mas a palavra é uma criança tolhida de frio
nos cabelos nevrálgicos que a árvore segura.
e assim amanhecemos, tardios e ébrios
no carrossel que orquestra a cidade
com tambores de solidão.

dizer corpo e ser ponte sábia para o outro lado
e a vida ser tão simples como a mão
que toca a pele da sílaba
de uma memória tão antiga
como as solas de uma infância gasta.
dizer amor, esse fósforo que incendeia
e ser fogueira na nervura da palavra.

despir o olhar desta erosão de distância.
agasalhar os pés e resguardar
o dorso lírico do sangue
como se a um poema de Natal bastasse
o verde inflamado de um arbusto:
o labor inteiro do meu coração de terra.

Poema de
Luísa Henriques


Com o desejo de um...

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Natal.



Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
As cinzas de milhões?
Natal de paz agora
Nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
Num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
Roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
Em ser-se concebido,
Em de um ventre nascer-se,
Em por de amor sofrer-se,
Em de morte morrer-se,
E de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
Quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
Num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
Com gente que é traição,
Vil ódio, mesquinhez,
E até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Ou dos que olhando ao longe
Sonham de humana vida
Um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
E torturados são
Na crença de que os homens
Devem estender-se a mão?

Poema “Natal de 1971”

 de Jorge de Sena in, De palavra em punho





FELIZ NATAL

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Petição Inicial


Pintura de Caspar David Fredrich


Dá-me um cavalo uma alma uma nave
Algo que voe ou galope ou navegue
E seja azul ou de outra cor mas leve
No seu vagar qualquer coisa que lave

Dá-me uma curva um espelho uma pausa
Algo que brilhe e demore e seduza
E se transforme ao ar em luz difusa
Ou nada ou coisa que não tenha causa

Dá-me um comboio um apito um berlinde
Algo que parta ou que role ou decida
E ao passar perto da hora perdida
Nos traga a rima precisa de brinde

Dá-me um baloiço um esquadro uma vez
Algo que meça que oscile que seja
Uma surpresa o gesto que se beija
A última loucura que se fez

Dá-me um segredo uma cor uma uva
Algo que importe ou se cheire ou escorregue
(Mas não tropece nem ceda nem negue)
Por entre dedos ou gotas de chuva

Dá-me uma febre um papel uma esquina
Algo que rasgue ou se dobre ou estremeça
E que se esconda e mais tarde apareça
Sombra de vulto subindo a colina
Dá-me um arco que seja íris
Dá-me um sonho que seja doce
Dá-me um porto que tenha barcos
Dá-me um barco que nunca fosse

Dá-me um remo
Dá-me um prado
Dá-me um reino
Dá-me um verso

Dá-me um cesto
Dá-me um cento
Dá-me só
Um universo


Poema de
Mário Domingos(Alien8)

terça-feira, novembro 23, 2010

Poetisas


Pintura de Mela Villalta



Como pode alguém chamar
A este país, de Florbelas e Adílias?
Sem sequer saber sentir
Que nas nossas veias corre
Aroma de jasmins e buganvílias.
Sou passageira em viagem
Sempre em constante busca
Uma espécie de voragem
Uma estranha inquietação
Pouco me interessa quem chame
Se me sinto Gaspara Stampa
Irmanada na nudez e solidão.
Posso ser quem eu quiser
Fedra, Mariana ou só mulher
Auto-determinada para o Ser
Nesta errância da fatalidade.
Tenho assim por desígnio
Dolorosa e imensa tarefa,
Aperfeiçoar a arte de
Morrer Soror Saudade.
Não sem antes, ousar sonhar
Que sou Safo, que me corre
No corpo um frémito,
O coração bate apressado
Desfaleço e caio
E continuo a viagem
Sem ao fim ter já chegado.
Ah Soror Saudade,
Soror das Mágoas
Neste país a quem chamam
Das Adílias e Florbelas
Soubessem amá-las
E seria sim um jardim
À beira mar plantado.
Cheio das flores mais belas!

Poema de
Arroba

quarta-feira, outubro 27, 2010

Os Poetas


Imagem Photobucket

"A poesia, tal como a entendo, é inútil.
Para que terei então chegado aqui"
Nuno Júdice

a poesia não é inútil!
inúteis são todos os poetas
porque ninguém conseguiu ainda entende-los.

inútil sou eu quando escrevo um poema
simples e cristalino
latejando de verdade
sofrendo nesta cidade tranquila.

inútil sou eu que clamo
a magia do poema feito
numa tarde inexplicavelmente quente de setembro.

inúteis são os sonhos decepados
as palavras gastas
os gestos inexpressivos.

inúteis são todos os poetas
porque ninguém quer
entende-los.

Nota: Decidi publicar este poema que escrevi na década de 80 baseado numa frase de Nuno Júdice e após ler "da inutilidade dos meus dias"

quarta-feira, outubro 06, 2010

Tomai e comei...


Óleo sobre tábua de Pieter Claesz



Turvam-se os caminhos. Mas do sangue
Apenas o que farejo no barroco empolgante de Coppola
Nos mistérios nocturnos da Transilvânia
Nas oníricas danças das Parcas
No mistério decadente dos vampiros
E no absoluto amor do conde de Drácula...

Fora esse
Apenas o sangue da fêmea com cio
Ou arrancado ao peito para alimento dos famintos
Ou o sangue selo secreto
Das cumplicidades da vida.

E o sangue abortado de uma flor vermelha
Ou o virginal rubor das manhãs sem nome
Que me entram pela janela...

Ou a ceifeira morta. Ou a papoila decepada...
Ou o vermelho da romã nos lábios febris do beijo
Primevo.

Fora esse
Apenas o sangue quente do vinho e do mel
Em que ondas me expludo e teimo
Longe de caminhos palmilhados...

Este o meu corpo: tomai e comei!...


de
Heretico in Relógio de Pêndulo

sexta-feira, outubro 01, 2010

Concurso Literário

Imagem de Alfarroba

Informamos todos os interessados que está a decorrer o primeiro Concurso Literário – CONTO por CONTO organizado pela Alfarroba Edições, nas seguintes condições:
- categoria: CONTO
- limite 24 páginas, redigidas em tamanho A4, Arial corpo 12, espaço 1,5
- trabalhos apenas em língua portuguesa
- inscrições até 15 Dez 2010
- cinco primeiros classificados verão o seu conto publicado em livro pela Alfarroba

"Há a história do gato, do tio, da avó. A história da vizinha, da escola, do autocarro.
Todos os dias há histórias. As que nos acontecem e aconteceram. As que contamos aos nossos amigos e as que fazem apenas sentido lembrar.
E depois há as outras. As que deviam ou podiam ter acontecido. Mas apenas fazem eco nas nossas cabeças, brincando connosco.
Todas estas pequenas histórias merecem ser contadas. Ponto por ponto, conto por conto."


Outras informações aqui e aqui


Atreva-se a este desafio!

terça-feira, setembro 21, 2010

Vida


Pintura de Bernardus Johannes Blommers


"Capitão no seu posto"

Fez-se ao mar o marinheiro...
Ondinha vai, ondinha vem
O barco avança, vai mais além.

Lançou as redes o marinheiro,
Veio cardume bom e inteiro,
Peixe sadio e variado,
Mas, marinheiro, fardo pesado!
Ondinha vai, ondinha vem,
O barco avança, vai mais além.

Há vagas altas,
Há sobressaltos,
O barco balança,
Mas logo serena
Com a bonança,
Ondinha vai, ondinha vem,
O barco avança, vai mais além.

Não se desvia da sua rota.
Há muito mar para navegar,
Há muito peixe para colher,
Há horizontes por desvendar,
Há sol ao longe por descobrir,
Há onda e onda por florir...
Ondinha vai, ondinha vem
O barco avança, vai mais além.


Poema de Ibel (Maria Isabel)

in Frutos de Mim e Mar

domingo, agosto 15, 2010

Ilha


Imagem de Fabio Pallozzo



Há, no horizonte, uma ilha.
Na ilha, a voz distante de um clamor.
É de verde que se veste o coração. Expectante.

(Fechas os olhos e
encerras, no seu eixo,
o segredo de que ainda só
suspeitas.
Não sabes. Mas esperas.
E a luz, dentro deles,
revela o sonho que te conduz.)

No horizonte, uma ilha.
Nos teus olhos, o horizonte.


Poema de Susana Duarte in Terra de Encanto

quinta-feira, agosto 12, 2010

103 anos depois...

... continua VIVO entre aqueles que amam a sua Poesia.


Miguel Torga

"Segredo" na voz de Luis Gaspar


SEGREDO

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

in "Diário VIII"


Nota: Para ouvir o poema desligar a música de fundo do Blogue, por favor.

sexta-feira, julho 23, 2010

... poema de amar


Fotografia de Alexander Flemming


gostava de fazer-te um poema de amar,
fazer um poema para te amar,
de fazer um poema ao amar-te.

porquê amar, amar-te a ti?
porque me amo mais por amar-te,
porque nos amo aos dois?
sim e não,
sim porque amar, é amar-te a ti.
não porque amar-te, não é amar.

porquê perguntar, perguntar-te a ti
e não a mim mesma?
sim e não, pergunto-te?
ontem sim, hoje não,
amanhã talvez?
talvez não ontem, como hoje
e talvez não amanhã.

mas amo amar-te,
e amava puder amar-te mais.

gostei de fazer-te um poema de amar,
fazer um poema para te amar,
um poema ao amar-te.
e ao amar-te, fiz um poema de amar.
e ao te amar, faço um poema para amar-te mais.

Poema de
Luísa Azevedo

quarta-feira, junho 16, 2010

ausência


Imagem de Marta Dahig

À sombra da tua ausência
Repouso os meus olhos
Fechados, inertes
Vagueiam por mim
Procurando destroços
Em que despertes,
De repente…

Sei-te ausente,
- Mesmo…
Sei que não posso
esperar-te
- De todo…
Mas este vício
De aguardar-te
Prende-me como lama,
Lodo
Atrofiante, espesso…

E como nódoa
Entranhada
Permaneces como gesso
Colado à parede
Do meu afecto
Qual vinagre
Na minha sede
Qual erro
De tudo
Quanto em mim
Está certo…


Poema de
Virgínia do Carmo

sexta-feira, maio 21, 2010

ASAS


Imagem de Fabio Pallozzo


Quando chegava o Verão
Sentavas-te
À tardinha
Debaixo da figueira
Onde a brisa
Suave
Anunciava
O rumor das cotovias
Então pegavas
Delicada
Na minha mão
E contavas
Baixinho
Era uma vez um potrinho
Que adormecia
Feliz
A ouvir
As histórias do vento...
Sentia-te perto
E o tempo
Adormecido
No cantar do ribeiro
Parava
Enlevado
Para nos ver
Assim eram os dias
No tranquilo Paraíso
Em que desenhavas
Minuciosa
O crescer das minhas asas
E eu sentia
Maravilhado
O vigor do teu voar.

Poema de
AC in Interioridades

segunda-feira, maio 17, 2010

De novo... "portas" abertas!

Finalmente o acesso a este blogue foi restabelecido!

Por algum motivo incompreensível a password de acesso foi bloqueada e os esforços que entretanto foram efectuados, inclusive por alguns Amigos da “casa”, tiveram os seus frutos: estamos de novo no “ar”.

Numa mensagem deixada no texto de 20 de Novembro, p.p.
Bruno Pereira da Revista AlterWords dizia-nos o seguinte:



Revista AlterWords


“Numa altura em que muitos dizem que a Poesia vai perdendo espaço na literatura (o que espero bem que não aconteça porque a Poesia é algo muito português) apresentamos hoje um blog dedicado a publicitar a poesia portuguesa no espaço virtual.

Com poemas de boa qualidade é sem dúvida um bom blog para apreciar o que se vai fazendo em Portugal neste estilo.

O blog já leva 4 anos de existência e apesar dos objetivos mudarem mantém a tentativa de divulgação

"Há um mundo poetico por descobrir: autores publicados, ou por edição própria ou através de editoras, mas que por circunstâncias diversas, não são conhecidos do grande público; autores, igualmente, de grandes capacidades literárias, mas que nunca tiveram sobre si os flashes do sucesso" in www.portuguesapoesia.blogspot.com

esta é a publicidade que vai aparecer na Revista AlterWords Nr.13 porque blogs como este merecem. “

E assim aconteceu...

Na página 26 do nº. 13 da Revista AlterWords o nosso blogue com “capa” do Poema Colectivo postado em 29 de Janeiro último, Bruno Pereira dá a conhecer o nosso blogue Poesia Portuguesa com aquelas palavras de apreço.

Congratulando-me em nome do Poesia Portuguesa e de todos os que têm permanecido fiéis a este projecto, endereço o meu agradecimento à
Revista AlterWords na pessoa do Bruno Pereira. Obrigada.

Um grande abraço a todos.

Otília Martel

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

360 graus de poesia

Pintura de Salvador Dali

Não posso escrever poemas apenas com poesia. Poesia são sonos que vou dormir com o tempo que me resta até ser hoje. É poesia chegar ao fim do copo às vezes sem beber uma única palavra. Acrescentar mais uma hora à eternidade e entornar à tona da tua boca todos os desejos que sorvo quando não escrevo por ser de silêncio o tempo que te basta para ser feliz. São poesia corpos de água que peço ao céu para te embriagar com doses de esquecimento. São poesia sons que me ensurdecem pela garganta abaixo. Arcos de quem flecha uma janela no meio dum coração em pé de aços. Aguarelas de chuva que se fazem eco caindo em catadupa de duas gotas.

São poesia dardos em direcção ao oeste este incêndio à flor da pele este barco estes remos contra a maré estas asas este voo enevoado estes dedos de beliscar as estrelas depois das palavras. São poesia céus para voar transformados em obstáculo. Pontos cardeais que não chegam a nenhum poente. Caminhos de andar desnorteado entre o norte e o luar. Enxadas que descascam a paisagem. Sinais de fumo que nos atravessam em procissão poesia as fracturas de luz e traços de alegria e cores de azul. São de prosa as rosas do vento que nos revela até onde é infinito o sono que vamos levando aos poucos.

São de prosa.

A cama electrodoméstico de fazer metáforas quando a noite se enche de alma. A bússola que não me cura deste jeito imundo de apedrejar as palavras. O almoço que fica mais pequeno quando retiro metade para servir de jantar. O lavatório sujo de manhãs por esfregar. O pão duro matinal fora do alcance dos dentes. Os cigarros que perfumo como incenso. Doesse tudo isso como uma imperceptível bofetada de amor inscrita na face. Sou eu beijo ou inspiração boca a boca ao último verso. És tu a enlouquecer pouco a pouco horas acrescentadas no colo da eternidade. Somos nós corpo a corpo salpicados com um tiro de imaginação em papel de embrulhar sonhos.

Não posso escrever poemas apenas com poesia. Um dia não se cura de uma ferida para a outra e apenas saudade não basta para te esconder da minha ausência.

in ParadoXos