para o Amadeu Baptista
Meu caro amigo
o fim chegou como uma flecha
e não encontro a chave
para decifrar o último enigma.
Pesam-me as pálpebras e as mãos.
Houve dias em que dancei
troquei beijos
sonhei.
Agora, perto do fim
resta-me a soma das lembranças.
Passada já a última dor
acerto os passos nos últimos versos.
Não me angustia a morte
mas os rios onde não deitei os meus olhos
as pétalas que não toquei
as melodias que não ouvi
as estrelas que não espreitei.
Não vale a pena esquivar o tempo
ir buscar a cana de pesca e abalar para o rio
contar histórias aos peixes que não mordem o isco.
Resta-me ainda nos olhos
um grande reservatório de sonhos
que se embaciam.
Mas nem um vestido negro tenho
para o meu próprio luto.
Meu caro amigo
promete cobrir-me de rosas vermelhas
amanhã.
Sei que vai chover.
Não chores por mim.
Cobre-me de rosas cor de sangue
e segue para casa.
Abre a caixa de selos que te enviei pelo correio
e procura neles
as minhas impressões digitais.
No silêncio da casa
tenta tu compreender a vida
enigma de todos os meus dias
esse traço estranho que me acompanhou sempre
essa etérea luz
nem sempre chama
nem sempre ténue.
O olhar escurece-me
e nestas palavras inúteis
medito sobre o fim.
Aconchego-me na despedida
sem saber o que fui
porque nunca me forneceram
o meu livro de instruções.
Inês Ramos
in Antologia de Poesia "Meditações sobre o fim – os últimos Poemas"