segunda-feira, maio 17, 2010

De novo... "portas" abertas!

Finalmente o acesso a este blogue foi restabelecido!

Por algum motivo incompreensível a password de acesso foi bloqueada e os esforços que entretanto foram efectuados, inclusive por alguns Amigos da “casa”, tiveram os seus frutos: estamos de novo no “ar”.

Numa mensagem deixada no texto de 20 de Novembro, p.p.
Bruno Pereira da Revista AlterWords dizia-nos o seguinte:



Revista AlterWords


“Numa altura em que muitos dizem que a Poesia vai perdendo espaço na literatura (o que espero bem que não aconteça porque a Poesia é algo muito português) apresentamos hoje um blog dedicado a publicitar a poesia portuguesa no espaço virtual.

Com poemas de boa qualidade é sem dúvida um bom blog para apreciar o que se vai fazendo em Portugal neste estilo.

O blog já leva 4 anos de existência e apesar dos objetivos mudarem mantém a tentativa de divulgação

"Há um mundo poetico por descobrir: autores publicados, ou por edição própria ou através de editoras, mas que por circunstâncias diversas, não são conhecidos do grande público; autores, igualmente, de grandes capacidades literárias, mas que nunca tiveram sobre si os flashes do sucesso" in www.portuguesapoesia.blogspot.com

esta é a publicidade que vai aparecer na Revista AlterWords Nr.13 porque blogs como este merecem. “

E assim aconteceu...

Na página 26 do nº. 13 da Revista AlterWords o nosso blogue com “capa” do Poema Colectivo postado em 29 de Janeiro último, Bruno Pereira dá a conhecer o nosso blogue Poesia Portuguesa com aquelas palavras de apreço.

Congratulando-me em nome do Poesia Portuguesa e de todos os que têm permanecido fiéis a este projecto, endereço o meu agradecimento à
Revista AlterWords na pessoa do Bruno Pereira. Obrigada.

Um grande abraço a todos.

Otília Martel

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

360 graus de poesia

Pintura de Salvador Dali

Não posso escrever poemas apenas com poesia. Poesia são sonos que vou dormir com o tempo que me resta até ser hoje. É poesia chegar ao fim do copo às vezes sem beber uma única palavra. Acrescentar mais uma hora à eternidade e entornar à tona da tua boca todos os desejos que sorvo quando não escrevo por ser de silêncio o tempo que te basta para ser feliz. São poesia corpos de água que peço ao céu para te embriagar com doses de esquecimento. São poesia sons que me ensurdecem pela garganta abaixo. Arcos de quem flecha uma janela no meio dum coração em pé de aços. Aguarelas de chuva que se fazem eco caindo em catadupa de duas gotas.

São poesia dardos em direcção ao oeste este incêndio à flor da pele este barco estes remos contra a maré estas asas este voo enevoado estes dedos de beliscar as estrelas depois das palavras. São poesia céus para voar transformados em obstáculo. Pontos cardeais que não chegam a nenhum poente. Caminhos de andar desnorteado entre o norte e o luar. Enxadas que descascam a paisagem. Sinais de fumo que nos atravessam em procissão poesia as fracturas de luz e traços de alegria e cores de azul. São de prosa as rosas do vento que nos revela até onde é infinito o sono que vamos levando aos poucos.

São de prosa.

A cama electrodoméstico de fazer metáforas quando a noite se enche de alma. A bússola que não me cura deste jeito imundo de apedrejar as palavras. O almoço que fica mais pequeno quando retiro metade para servir de jantar. O lavatório sujo de manhãs por esfregar. O pão duro matinal fora do alcance dos dentes. Os cigarros que perfumo como incenso. Doesse tudo isso como uma imperceptível bofetada de amor inscrita na face. Sou eu beijo ou inspiração boca a boca ao último verso. És tu a enlouquecer pouco a pouco horas acrescentadas no colo da eternidade. Somos nós corpo a corpo salpicados com um tiro de imaginação em papel de embrulhar sonhos.

Não posso escrever poemas apenas com poesia. Um dia não se cura de uma ferida para a outra e apenas saudade não basta para te esconder da minha ausência.

in ParadoXos

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Poema Colectivo.

Pintura de Üzeyir Lokman Çayci


um beijo
no centro
do coração
e que a voz
se erga
pulando a cerca da noite
em balidos de veludo
despertando sobre a areia
no aroma da aurora

um beijo
um beijo ao lado do coração
para depois o agarrar
na noite perdida e achada
sem nunca a voz derrubar

da boca nasce então um grito
nas mãos
cravos vermelhos
no coração
amor novo
nascido na madrugada
que aqui não chegou

nesta minha terra não se podia cantar
até que um cravo de liberdade
nos fez levantar e gritar

as vozes ergueram-se em uníssono
e um canto fizeram despertar

eis agora
no centro do cravo coração
alma de novo a pulsar
não pode perder a noção
não pode deixar-se calar
desperta voz do amor
desprende deste cravo
as notas suaves
mas graves
de arpejos quase sem dor

escuta
o olhar preso na miséria do povo
ouve o soldado poeta
de mãos a gemer
ejaculando ecos de raiva
com que bordava as estrofes
pressentindo em júbilo

que um abril havia de acontecer
e no perfil dum tempo a correr
atiram as palavras-mal-paridas
como balas abatendo os cravos que nasciam
no coração do poeta

olha os passos fardados
olha o ganir do medo
vampiros vorazes
procurando sugar o puro sangue
da madrugada
sem o tempo da aurora

que fazer

que fazer
deste tempo
daquele tempo

pára
pára tempo
tempo não pares
olha o futuro

futuro

onde

para onde
para ontem

para amanhã
porque hoje
não és porto de abrigo

cada um escolheu seu jardim florido
nos verdes sonhos da juventude que escoa
onde nossos filhos abraçarão
gaia
que lhes deixaremos como
terra queimada e desilusão

sabes

não me perguntes
como vivi o futuro
porque eu quero
sepultar o tempo
o passado é amanhã
e por ti vou esperar
nos silêncios gastos
enrolados nas areias
ansiando um tempo novo

serenos
aguardamos
o que somos
o que fomos
fruto da seiva
escorrida da terra ferida
de onde nasceram
cravos vermelhos
que ousaram
perpetuar o nome de
liberdade

direi então
mais do que nunca

um beijo
no centro
do coração e que a voz
se erga
ao nascer
da aurora


Imagem de Isabel Monteverde in Artista Maldito


Ideia original do Blogue Poemar-te


Participaram neste poema, com pequenos retoques do José Marinho, autor da ideia e igualmente participante:

Isabel Monteverde,
Ana Paula Sena Belo,
Fátima,
BC-SLetras,
Vasco,
Desnuda,
Marta Vasil,

Betty Martins,
Menina Marota,

Poetaeusou,
Rosa Brava,
José Marinho.

(A versão em bruto (original) poderá ser vista no próprio Blogue)

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Janeiro

Pintura de Carlo Carrà


Não chove nem faz sol na minha rua.
É a hora triste. Aquela hora morta
em que uma sombra nos espreita a porta
e pelas frinchas gastas se insinua.

Monótona e distante quer a lua
reflorir ao luar, na minha horta,
aquela cerejeira velha e torta
que há muitos anos amanhece nua.

Um cão sujo, faminto, vagabundo,
com ar de quem já sabe o que é o mundo,
para ali se ficou lambendo uns pratos…

Passa gente embrulhada em roupas velhas…
E sobre as casas, através das telhas,
A sinfonia bárbara dos gatos.


Fernanda de Castro in, Cidade em Flor
pág. 27/28 (1924)

sábado, dezembro 19, 2009

Natal...

Imagem cedida por Pessoa Amiga

Velho Menino-Deus que me vens ver
Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
Em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração...

NATAL, de Miguel Torga



terça-feira, dezembro 15, 2009

Criança eterna…

Imagem autor desconhecido (Google)

Vi nos voos dos pássaros
O entardecer escapar-se por entre
Os traços verdes do arvoredo.
Sob os olhos do anoitecer uma alma
Amparada no florir de um beijo
Em instantes de sol e doçura;
Um coração a sangrar por nada ter
Para dar e tudo perder e um homem
Que toda a sua riqueza consigo transporta.

E vi sombras de fogo num peito,
Uma alegria descontente em horas
Que são minutos quando dois corpos
Em seu leito se enamoram; e vi bolsos
De mar e de luz no desassossego
E em tudo vi a criança eterna…
Vi-me a mim.

De Alves Bento Belisário in, Inquietudes, pág. 38 (2005)



sexta-feira, novembro 20, 2009

Poesia Portuguesa...

Completaram-se no passado mês de Setembro 4 anos sobre a criação deste Poesia Portuguesa que visou, essencialmente, a poesia dos mais variados autores de blogues.

Confesso, que foi um projecto que acarinhei com muita alegria desde o seu início, que me deu uma perspectiva maravilhosa da partilha que se faz neste mundo virtual.

O início deste projecto, tinha um objectivo que, infelizmente, não se concretizou por variadíssimas razões, incluindo a que muitos autores começaram a editar pessoalmente os seus trabalhos, o que me deixa muito feliz, porque nalguns dos casos, esta página serviu de incentivo para isso.

Mas existe um tempo para tudo e, o tempo da minha busca, por esse mundo internauta, cessou.

Mas, como não se esgota a Poesia Portuguesa na imensidade dos seus variadíssimos temas, de autores famosos, só conhecidos ou, simplesmente, desconhecidos, esta página continua, mas numa outra perspectiva, sem obrigatoriedades.

Há um Mundo Poético por descobrir: autores publicados, ou por edição própria ou através de editoras, mas que, por circunstâncias diversas, não são conhecidos do grande público; autores, igualmente, de grandes capacidades literárias, mas que nunca tiveram sobre si os flashes do sucesso.

São esses autores que pretendo trazer ao Poesia Portuguesa e, essa finalidade leva-me a pedir a vossa participação: se tem um livro de poemas de algum autor desconhecido de que gosta muito, remeta ao endereço Portuguesapoesia@sapo.pt com indicação do nome do autor, título do poema e do livro, bem como o número da página; poderá ainda, se o entender, enviar a capa do livro, que será ou não publicada, consoante a oportunidade de postagem.

É este o novo desafio que vos faço, não obstante esta página poder, do mesmo modo, partilhar poesia de autores consagrados, apesar de já disponíveis em muitos sites de poesia na blogosfera, dependendo das opções de escolhas.

A Poesia vive e viverá sempre no coração de quem a ama.

Imagem de autor desconhecido


E a estrela perdeu-se na noite deserta...
Tentar procurá-la, para quê, se era em vão?
Deixaram-me em casa com a porta aberta.
Mas eu bem compreendo que estou em prisão.

Talvez que pensassem mal imaginário
a mágoa duns olhos em rosto bravio.
Mas eu bem me sinto peixe em aquário,
e sei a amargura de sonhá-lo rio.

Mas eu bem compreendo o cruel desalento
dos gestos frustrados, perdidos no ar.
Foi curta a mensagem, findou meu tormento.
E não vale a pena o que está por contar.

(Poema “Bandeira Branca” de Maria Manuela Couto Viana
in, antologia das mulheres poetas portuguesas, pág.s 179/180)

quinta-feira, novembro 05, 2009

Podia dizer-te...

Pintura de Jean-Baptiste Valadie


Podia dizer-te como te vejo,
mas aquilo que os meus olhos vêem é pouco para dizer-te.
Vejo-te, é certo,
vejo-te como outros captaram nos olhos aquilo que decerto os meus também vêem nas vistas.
Ver é uma coisa para quem tem vistas
e não apenas para quem tem olhos.
E eu tenho vistas.
Às vezes são ouvidos, as vistas,
outras são mãos, ou esse odor que o meu corpo respira quando passas.
Ver-te, ver-te, ver-te...
só de te ver em verde meu coração se transformaria
ou se tu fosses uma rosa, uma rosa vermelha como o sangue
que se agarra aos espinhos.
Mas a vida é outra coisa, a vida é para quem tem olhos
e eu só tenho estas vistas.

Estas vistas cansadas dos escolhos dos abismos dos outros.
Vistas cansadas de te seguir na corrente onde mergulhaste.
Vistas exaustas por ter ficado ali, parado, a ver
e não a olhar.
Para onde,
para que mar?

Estou deitado na relva do jardim.
Ainda florescem rosas
e eu descanso a vista.


Poema de
José Miguel de Oliveira

segunda-feira, outubro 05, 2009

Setembro já se foi, mas...



Setembro é um sentimento,
É uma metade de Lua
Desajeitada no céu.
Grito contínuo de esquecimento,
Nudez ao léu.

De novo estranhos.
Praia deserta, sem mais respostas
Nem límpidas mentiras
Em calorosos banhos.
O vento traz pétalas em forma de safiras.

Restos de festas evasivas
Convidam à recapitulação,
Ousada e pouco racional,
De escolhas emotivas dissuasivas.
O amor é uma rua abismal.

Fresca aragem sem aroma,
Adeus adiado e promíscuo
Cuja sede de eternidade
Constitui o maior sintoma.
Que ausência de fecundidade...

Que expressão pálida:
A estrada do Guincho
Coberta de cirros,
De vegetação árida.
O horizonte carece de navios.

Os olhos carecem de lágrimas,
Porque Setembro é um sentimento:
É uma metade de Lua
Desajeitada no céu.
Grito contínuo de esquecimento
– Nudez ao léu.

(Poema "Setembro" de
D. B. Radou)



Imagem de Philip Dunn

domingo, setembro 27, 2009

Asas do meu pensamento

Pintura de John Singer Sargent


Nas asas do meu pensamento,
Levito,
Procuro no ser espelhado de cada um,
O que me transforma e me alimenta,
Voo na direcção do que me complementa,
Conheço o desconhecido que me atrai,
Suspiro por um qualquer momento que divago,
Aspiro sentimento em tudo o que encontro.

Ave rara essa que voa sem rumo,
Rumo talvez encontrado,
Num qualquer momento que me apazigua,

Ave que pinta,
Que paira nas nuvens que encontra,
Que se delicia no vazio que preenche.

Indomável ser,
Que sou,
Que encontro no sonho,
A razão da existência,
E que na porta entreaberta,
Procuro um qualquer ser humano,
Rico no pensar,
Rico no sentir.
Rico em tudo o que abriga.


Poema de
Renata Pereira Correia

sábado, setembro 19, 2009

Que aprendi eu

Pintura:Yeda Arouche

Que aprendi eu
-
Aprendi tudo o que do nada se faz grande
-
Deixei cair ferramentas
aos saberes a mim os moldei
na helicoidade temporal em que se fundem
-
Declinei títulos e graus honoríficos
a burocracia que impera
e não deixa ver
-
Canto e não canto
toco e nada toco
sei e nada sei
choro o que deixei
-
Pouco ou nada sou
na papelada que esqueci
nem cito
o que não vi
-
Que serei eu no que aprendi
-
Sou
-
Sou o que se vê
e cresce
neste lugar
-
Sou
o que do nada eu escrevi
e escrevo
e canto
e toco envolto em manto
-
Sou ou não sou
dizei-me em vosso espanto
-
Se não sou
o que é que é isto

Poema de Jaime Latino Ferreira

domingo, julho 05, 2009

O berço vazio


A Persistência da Memória, de Salvador Dali


Ao perto essa parede sempre branca
Caiada por um trapo de peneira
Cuidava dessa cal como quem canta
A retratar famílias, à lareira.

Nesse cuidado branco de quem espanta
Eu me revi e aos meus na erma eira.
Em outra aberta o ritual que encanta
O dar as mãos assim, junto à fogueira.

E foi então que descobri a tela
Um prego forte, um cravo por trás dela
Mãe vestida de negro, o olhar frio.

As mãos pousadas no regaço e um terço
Ajoelhada, com o olhar disperso
E ao lado um berço, esperança, mas vazio.

Soneto de
José M. Barbosa

Breve nota:

Oportunamente comuniquei
aqui a criação do Club de Poetas Vivos, um espaço que tinha a finalidade de juntar Poesia e Poetas e que conta, neste momento, com mais de 500 associados.

Contudo, problemas técnicos levaram-me a tomar a decisão de abandonar o CPV e o próprio Facebook.

Não foi fácil tomar esta decisão, diria até bastante penosa, mas ela foi tomada e aqui é assumida.

Grata a todos os que me deram a honra e privilégio de percorrer este caminho, que foi, contudo, bastante aliciante e me deu a coragem de levar esta ideia através do
Roteiro Poético, pelo que estão convidados a uma “viagem” por aquele espaço.

Obrigada.

terça-feira, junho 23, 2009

Da dança


Pintura de Jacqui Faye


Concede-me por hoje apenas
Por um instante
Por um segundo
Por uma vez [que importa?]
Num rodopiar de verbos substantivos e acervos de lembrança
Os teus dedos [toca-me]
Os teus nervos [sente-me]
O borbulhar de sangue em tua aorta
O teu corpo
Contra
O meu corpo. Os meus nervos. Os meus dedos.
in Acto de entrega e fé.

A máscara que me oculta Não temas: é branca.

[O rosto que vendo, não vês, tem de ti secular arquivo:
Um alaúde toca em proximidade longínqua,
Estudante de Coimbra em serenata…
O Mondego ao fundo e Pedro e sua Inês…].

Concede-me a dança.
Passo a passo
Ponto a ponto
Num compasso miscigenado de fúria e calma: tango ou valsa.

Essência de fogo em ponta de lança. Ou espelho d’água.

Sou. Somos. És…

Poema de
bonecadetrapo[em saltos altos]

segunda-feira, junho 15, 2009

Caída da vida

Confesso que abrir o Club dos Poetas Vivos num espaço como o Facebook foi um autêntico desafio.

As chamadas redes sociais nunca me atraíram já que, a minha simpatia, vai para o mundo da blogosfera, pela forma intercultural de comunicação.

Quase a perfazer um mês (nasceu a 18 de Maio) com 284 membros efectivos, no Club dos Poetas Vivos pretende-se juntar todos aqueles que partilham o mundo literário, quer com as suas próprias palavras, quer com as dos outros.

É, igualmente, um local onde poderão dar "asas" à imaginação, publicando, interrogando, afirmando e partilhando tudo aquilo de que gostam.

Aderiram à administração deste projecto e a quem agradeço desde já a disponibilidade Isabel Maria Cruz, a Wind do WebClub, Carlos Peres Feio de Podiamsermais e Luís Pinto colaborador da Truca do Estúdio Raposa e de Queridos Gatos.

Neste sentido, os poemas aqui publicados passarão a constar no Club dos Poetas Vivos.

Obrigada a todos.




Marcha para o palpável
esta ilharga soprada
e crua que me acerba
os elementos.

Vida para trás, a razão
do ritmo abrasa-me o pensamento
exaltante. Faísca o tão poliglota
perfume do lume que alumia
em volta o corpo virado
do avesso, como se o crânio
deixasse o agir filtrado
pela luz do osso.

Vida para trás, miúdo para a frente,
junto ao sistema de atirar
o invólucro da mãe
ao casco granito choro
e adeus brotado conjugado
com o jogo do grito.

Fala à frente da saudade, olhos
em flecha atirada à conjugação
da palavra nunca. A vida move-se,
o viver pára onde o sujeito se divide
em inerências e arranques
atacantes à madeira fechada, ao granito
frio, ao corpo que era quente
de amor.

Há cada vez menos fenómenos de amor
no mundo.
******

Poema de pedro s. martins in escara voltaica

Imagem:Pintura Medieval de autor desconhecido


segunda-feira, maio 25, 2009

Silhueta

Foi sempre o objectivo deste blogue divulgar os poetas e a poesia que dispersamente se descobre neste mundo blogosférico.

De forma a criar um ponto de encontro onde, igualmente, os poetas possam difundir as suas páginas e as suas palavras, nasceu o
Club dos Poetas Vivos que está disponível a todos os que a ele queiram aderir.

Partilhe e divulgue.


Imagem de Fabio Pallozzo


A tua silhueta
De contornos suaves
Habita num frenesim
De momentos fugazes
Clepsidra inconstante
De regressos vorazes
Onde me perco e encontro
Em carícias mordazes

Paleta de tons esparsos
Que a natureza verteu
Num devir extemporâneo
Que agora cedeu
Sobressaem os contornos
Do corpo que é teu
Eternizado que está
Na candura do breu

(Poema de Helder in Letras do Imenso Desconhecido)








(desligar a música de fundo para ouvir o poema, p.f.)

Nota: Adaptação deste poema a tema musical pelo próprio autor…

quinta-feira, maio 14, 2009

"Um por todos, TODOS por UM"

A propósito dos recentes acontecimentos que afectaram o Estúdio Raposa e que aqui são igualmente referenciados, as oportunas quadras da Azoriana de apoio ao repto lançado de "Um por todos, TODOS por UM", num apoio a Luís Gaspar, mereceram da parte da administradora do Poesia Portuguesa uma sensível atenção já que esta página dedica-se a todos aqueles que a sua criação, através das palavras, nos transporta a mundos poéticos.

Muitos têm sido os pedidos que, como se pode constatar, inclusive, nos comentários, de envio deste ou daquele poema por pessoas que, muitas vezes, até se mantêm nos comentários anónimas e que se servem de emails para os seus intentos.

Estando identificados todos os trabalhos aqui colocados com a indicação dos respectivos nomes e linkes dos autores é essa a resposta que dou sempre: “os pedidos deverão ser remetidos aos próprios autores que, se assim o entenderem, os remeterão.”

Cada um de nós é responsável. Todos somos responsáveis. Não poderemos ficar indiferentes porque o que hoje parece não nos afectar, amanhã poderá ser a nossa própria luta.


"Um por todos, TODOS por UM"



Imagem Google


Será que em alguma vez
Eu plagiei, sem querer?!
É a dança dos porquês
Que rondam o meu viver.

Se da rima me abeiro
Em constante explosão
É porque lhe sinto o cheiro
Que me rega a inspiração.

Mas de palavras sou fraca,
E de saber muito menos;
Não gosto de quem me ataca
Quando os erros são pequenos.

Se há plágio intencional
Deve ser denunciado
Porque o autor afinal
É que se sente lesado.

E quem por norma indica
A fonte e nome da obra
Bem consigo sempre fica
E nada então se cobra.

Mas quem deturpa o texto
E o valor cultural
É como roubar com cesto
Sem fundo intelectual.

Rosa Silva ("Azoriana")

terça-feira, abril 28, 2009

Nunca provoquei...


Imagem de Paul Alfred de Curzo



Nunca provoquei nenhum fogo que daí não
assumisse as reais consequências: os meus defeitos
são outros.
Nunca me queimei na dignidade de uma
fogueira nem nunca feri ninguém.
Muito pelo contrário.
Conservo, assim, o meu cadastro limpo,
imaculado e o orgulho redito de nunca ter traído
a verdade.
Assim me conservo só, conscientemente presa
às minhas verdades, às minhas promessas
enterradas na planície quente, num dia de
Outono para que o vento as não levasse.

Amo-te, oh se te amo, como sempre te amei
até ao fim dos nossos dias, quando formos apenas
pó numa caixinha de arroz
E estou pura. Digo-te.
Imaculada.
Assim os primeiros beijos que te dei
numa estrada sem sentido rumo aos mares
do sul da poesia. Caminho que hoje pisamos.
Até ao fim dos nossos dias.
Quente, como esta água de verão.

Pó, numa caixinha guardado.

(Poema de Maria Teresa Lopes in
Uma Flor à Janela)

quarta-feira, abril 15, 2009

Sopro de Vida


Imagem de Victor Farat


Somos sombras
de qualquer coisa incerta
pedaços de vidro
num grito de alerta .

O toque de um piano
por trás de uma porta
um raio de luz
que sem querer corta
um golpe profundo
que toca na alma
temor escondido
que brinca na calma
e traz o sossego da vida agitada
fazendo uma dança na ponta da espada.

somos também
um sopro esquecido
de enorme alegria por termos vivido.

(Poema de
Angelo Morgado in Realidades Imaginarias)

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Retorno


Pintura de Victor Farat



Retorno a um sonho de criança.

Eis que os meus dedos leves tocavam
A tua tão doce textura, suave lembrança
Da madeira fria ao meu toque enquanto viajavam
Pelas teclas livremente já sem medos nem receios
Apenas leves suspiros e anseios...

Cada toque retomava em mim um doce sentimento
Anos de tormento se apagaram
Pela magia que no espaço onde seu nome reflecte cada momento
Dos que por lá passam, foram e ficaram
Alma, planície que nasceste na mente de um sonhador.

Moldaste-te, cresceste, ganhaste forma em nosso redor
Que continues a ser espelho de uma mente
Que não tem receio de mostrar o que sente
Que a ti regressem as boas almas, puras de espírito
Que as acolhas como refúgio mesmo quando alguém está perdido

Alma tens em ti uma força que muitos sentem
Percebendo-a ou não, ficam os espíritos da paz
Encerras em ti um mistério tão grande quanto o do sonhador que te alimenta
Continua a ser o lar calmo e tranquilo
O porto de abrigo
De quem, de ti precisa, na tormenta
De quem a ti se entrega nas horas más
E de quem apenas passa e todos sentem.

Bem vindo, fica connosco, saremos teu tormento.
Aconchegamos-te neste momento
Partilha connosco tuas mágoas ou alegrias
Une-te; deixa uma vez mais a mente voar
Flutuar
Alegria encontrar.

(Poema de
Mifá in Secret desire)

sexta-feira, janeiro 30, 2009

pálpebras


Imagem de Carole C.Oueijan


toda a noite acordei com vozes.
a minha,
a tua...
não havia gritos,
mas sussurros...
era noite!
o sonho nunca se misturou com o sono
ou o sono se misturou com o sonho.
não houve sono ou sonho, não houve pesadelo.
toda a noite os meus olhos abriram e fecharam.
pálpebras exaustas na tentativa de falar.
tímpanos doridos na tentativa de calar.
toda a noite...
não houve um minuto para silêncios.
os sussurros cansaram,
descansados.
toda a noite te ouvi a ti!


(Poema da Pin Gente)

domingo, janeiro 18, 2009

Terra


Imagem pessoal

Aqui te habito...
Tuas fúrias levam-me,
trazem-me...
surpreso da tua força,
tento reerguer-me,
numa fugaz luta desigual.
E tu sorris,
sorris sempre,
do que faço
para te agarrar,
não me fugires,
com esses outros,
também teus,
meus irmãos de rota,
nesta fragata
que nunca ancora,
que sempre voga,
e que de baixo de si,
ao seu ventre,
inadiável,
hei-de baixar...

(Poema de
Jaime A.)

terça-feira, janeiro 06, 2009

O Mar… Tu e eu!

Nasceu esta página com o intuito de divulgar a poesia que se ia escrevendo por essa blogosfera fora e no decorrer dos três anos completados em Setembro passado, com mais de quinhentos mil visitantes contabilizados (contador instalado mais de um ano depois de o blogue estar activo), muitos são os que me solicitam que publique este ou aquele poema que, na medida do possível, vou satisfazendo, já que este é efectivamente, um blogue de partilha de Poesia, muito embora a maioria dos poemas aqui publicitados sejam de escolha exclusiva da detentora desta página.

O poema que hoje vos trago foi-me enviado por uma leitora que quis manter o anonimato e pediu-me para o publicar, porque fazia anos de casada e gostaria de o dedicar ao marido Valdemar J…esclarecendo que "o poema não é dela, pois não escreve poesia, mas sim de alguém que gosta muito de ler e também comentar" .

Não pude ficar indiferente a este pedido. Sou uma romântica por natureza e estes momentos deliciam-me…

Parabéns a ambos.


Imagem que acompanhou o poema...

Neste poema, fora eu o mar,
E tu, nas minhas praias, uma fraga,
Eu vinha de mansinho para beijar
A tua face, como quem te afaga!

Quando na maré-alta, o mar alaga,
Me enfunava também, para te inundar!
Num abraço de amor, em terna vaga,
Lágrimas te deixando, ao recuar…

E naquele vaivém, constantemente,
Levava uns pedacinhos, docemente,
De ti, na mais afável erosão…

Sem se notar, milhares de anos depois,
O mar sereno, éramos nós dois,
Um todo só, na mais linda união.

(poema de
Robinson Crusoe)

domingo, janeiro 04, 2009

FIM DE ANO


Imagem pessoal



São os meses
São os dias
as horas todas as vezes

Quantas depois
se iniciam
retornando ao seu alpendre

São os anseios
São o sonhos
a esperança e o devaneio

Quando o ano
no seu fim
torna ao começo em seu veio


Poema, por cortesia, de Maria Teresa Horta

Lisboa, 30 de Dezembro de 2008



quinta-feira, dezembro 25, 2008

Reciclagem

Imagem




Estrelas
Sinos
Árvores
Trenós
Velas
em profusão de luz,
de artifício,
de brilho,
de alegria comprada e vendida
de felicidade fingida.

O néon fere,
invade a cidade,
Cola nos rostos da gente apressada
sorrisos coloridos,
que escondem os esgares de todo um ano
E o Homem ilude-se, acredita que é humano.

Mas o néon não passa debaixo das pontes da cidade,
não chega à periferia,
não chega ao zinco,
não chega às ruas de lama
não chega à fome escondida
não chega ao homem que é humano
que mal sobrevive, mas que ama.
Ao homem que chega à noite
e que apesar do cansaço da vida
antes de cair exausto na cama
olha o céu e lança um sorriso
ao seu néon.

(Poema de
Helena Domingues)



Desembrulhadas as prendas, (re) lembro um pequeno excerto do texto sobre o Natal, onde a autora nos diz, a determinada altura:

"…que a maior e mais importante prenda é: O AMOR"

sábado, dezembro 20, 2008

Crise


Imagem de Miuki


com força, bate tuas pálpebras,
range teu esqueleto
na tempestade.
emana do teu cérebro o veneno
que paralisa
revolta-te, vomita, descansa.

a escolha é cíclica
mas abate-se em ti,
apontando o caminho - seguro,
e tu sonhas contigo
e sonhas com teus sonhos
estimulado por um ideal
que não existe,
que sentes real.

amaldiçoo a vida contabilizada
amaldiçoo a vida morta
amaldiçoo o esquema do dia a dia
o objectivo rasga, amputa, dilacera
mata.

acredito que mais felizes serão
chafurdando no sucesso
que antevejo
tento salvar a semente
que antes de tudo
está o fraterno beijo.

compilada com amarguras
de hoje - e já tão antigas,
editada por um desejo
de soprar
publico hoje a sombra
do meu estar
e sobre o destino
erijo
um marco-pilar.

Poema de
Carlos Peres Feio

domingo, dezembro 07, 2008

… Nada Ser


Imagem de Albert Young


Nada sou!
E contudo, sou.

Sou, porque tu és,
porque fazes com que seja.

Vamos dar asas ao desejo.
Explorar o lugar onde o tempo pára
ou atravessar a pálida névoa
no cosmos das águas tranquilas,
onde reside o verbo,
onde o espírito se aquece
e a alma se refresca.

Vamos dar asas ao desejo.
Mergulhar no impulso do inúmero
ou calcorrear as cascatas do céu
no infindo das terras sagradas,
onde tudo é harmonia,
onde se vê o incomensurável
e se sente o improvável.

Sim, vamos dar asas ao desejo!
Deixar que ele nos leve à génese do ser
e ser qualquer nudez na fluidez do nada.

Se nada sou
e mesmo assim sou,
deixa-me Nada permanecer
e contigo apenas Ser.

(Poema
do Inatingível e outros Cosmos)

sábado, novembro 22, 2008

domingo, novembro 16, 2008

Um raio de luz

Pintura de Oziri Guo Ping (2005 - Sob o Sol de Portugal)


Pego num Sol abstracto e queimo a pele
Quero uma dor absurda mas sentida
Que o meu corpo se derreta no papel
Onde te escrevo senhora, a minha vida
E tudo o mais que me parece tão cruel
Como as horas que tocam a despedida.



Se ao menos houvesse um cais aonde ir...
E ficasse um adeus suspenso na memória
Da dor em gavetas que não consigo abrir
Ou um cometa no rasto da nossa história
Outro absurdo que não me deixa definir
Apenas o que somos nesta cela provisória.


Não vi o monstro que abriu a minha ferida
Um monstro que se esconde lá bem atrás...
Ali, onde todos os medos lhe dão guarida
E a loucura entretém, mas também o trás
Como se fosse alma penada ou coisa parecida
Que há gente capaz de tudo, do que serei eu capaz?


E há o gozo da noite que nos lavra os sentidos
Uma porta que se abre ao desejo de espreitar
A vida dói tanto que nos faz sentir perdidos
Nesta ilusão de um céu com estrelas a brilhar
E luas que ardem por entre beijos proibidos
Ainda que um raio de luz fique preso no olhar.


Saberei quem somos quando em nós houver
Aquele olhar que arranca o monstro ao ninho
E do berço á cova temos muito que aprender
Neste livro que serve para escolher o caminho
Que das falésias eu jamais voarei só para ver...
A imensidão do mar ou o cabelo em desalinho.



Poema de F. Corte Real

terça-feira, novembro 11, 2008

o paraíso é por ali

Pintura de René Magritte


o paraíso é por ali. eu vou por aqui. aprendi que afinal há paraísos.
não há paraísos.
aprendi a dizer que não há.
há.

é profunda a verdade. tão verdade que não há mentira.
ninguém mente.
tanto como o paraíso.

o paraíso é a palavra mais mentirosa do universo.

como a verdade. dimensional. metafórica. onda de abuso na violência da palavra - verdade. que não existe como forma. fórmula que os idiotas usam para esconder a cara.
afogam-se nela. triunfantes.
a maçã não existe.
articulo a palavra. abro as vogais. fecho o medo.
a verdade não existe. impetuosa. chata. segura. com efeito, não creio.
vamos lá ver o paraíso. eva. adão. não.
dê-me um gin-tónico.


Bandida. 
(Incluído no seu livro Apoplexia, pág.78)

domingo, novembro 02, 2008

Depressão

Imagem de Alexander Vasilenko



Aqui nos dias que correm
Além da vertigem que a todos cega
As mágoas diversas corroem
A alegria que se lhes nega

Núcleos suspeitos vão tecendo
Malhas para tudo abarcar
O prazer de criar vai morrendo
Forçando a natureza a mudar

Em conflito permanente
Numa ameaça constante
Rasga-me a pele de repente
O teu gume lancinante
Num covil perdido
Bem dentro de nós
Quero ficar escondido
Breves instantes a sós

Descendo ao Inferno dos sentimentos
Ausentes num lugar sem fundo
Ultrapassando todos os lamentos
Fingindo não ser deles este mundo

Dizem que há quem se deprima
Para continuar a crescer
Eu vi alguém matar a rotina
Para só então renascer

Poema de
Hélder Dias

quarta-feira, outubro 22, 2008

Disse

Imagem de Zé Ruivo


Disse
Não disse
O que disse
Foi que disse
Que não queria dizer
O que disse
Não foi o que dizem
O que disse
Mesmo os que ouviram dizer
Não entenderam
o que disse Pois o que disse
Não era o que queria dizer
No sentido de contradizer
Que disse,
Pois direi
Não é maldizer
Dar o dito por não dito
Obviamente
Não entenderam
Será um estilo
Desencontros das palavras
Da autoria de quem disse
Maledicência, difamação
Perseguição politica
Obviamente
Manipulação das situações
A partir de uma analise
Não é correcto
Prenunciar-se
Fora do contexto
Obviamente
Procurando um resultado
Surgindo do nada
E nada do que disse
E o que disse
É nada


Poema de C Valente

terça-feira, outubro 14, 2008

60 em sol e azul-mar



Pintura de Jia Lu



Breve, tão breve
Este vasculhar do corpo da palavra

Breve, tão leve
No casulo, o nefelibata se fez criança
Na fusão das flores, luar e da água
Pelo avassalador ostracismo das raízes em rosácea
Qual silhueta amena e cândida

Breve, tão ténue
O conselheiro exponente da morte, da loucura, do lodo
Tecia, degrau a degrau, um inferno de sombra
Com pena de chocolate
Com o erodido e variável método do sobressalto
Pela vulnerabilidade da obstrução
Em forma de tapeçaria sobre a caixa de cal e vida
Em contínuo movimento

Breve, tão breve
Pensa-se afastar o vapor envolvente
Da conversa em tempestade
Sobre o distanciamento amortecido num país sem farol
A inundar de orvalho em linha vertical

Mas o poeta, apoiado no cotovelo,
Desponta a manhã
Num intenso, imenso divagar
Fazendo emergir da viagem
Pelo céu das letras amenas
Um amor maior a comungar

Breve, tão leve
Renasce a palavra de sol e azul-mar
Num sorriso com licença para voar

Poema de Fátima Fernandes (Amita)


sexta-feira, outubro 10, 2008

Não as há.


Pintura de Leonid Afremov



Não há palavras!

Que signifiquem
O que não pode significar.
Que expressem
O que só na bruta pele corta e queima.
Que verbalizem
O que um sentir não permite.
Que iluminem
Uma inexistente e negra Alma.
Que faça florescer
Uma brisa num rochedo.
Que leve a desabrochar
Uma esperança,
Num infinito deserto.
Ou que desaponte uma rosa
No alto mar.

Não há palavras!

Que silentemente,
Fale
Que inexistindo,
Expurgue,
a sua necessidade.
Que vivendo,
Postergue.
Que etéreas,
Não pesem toneladas
No fardo da minha consciência.
Que nada sendo,
Tudo sejam no meu Ser.

Não!
Não... as há!

(Poema de
RFS)

quinta-feira, outubro 02, 2008

De volta à Poesia da Blogosfera...


Pintura de Michael and Inessa Garmash



(Paráfrase inspirada no poema "Porque voam as Pétalas?", de Paulo de Carvalho):



No meu jardim


No meu jardim
ouço o som da maré-cheia
e o grito das gaivotas;
vejo as árvores
que se despem
e os outros pássaros mudos,
tristes, pousados nos ramos.

O forte ruído da chuva
assusta-os, mantém-nos calados...
um relâmpago ilumina
de repente a tarde escura,
a maré-viva faz-se ouvir
com violência, contra as rochas,
o ribombar do trovão
faz coro com a tempestade.

As gaivotas continuam seu grasnar
numa luta contra o vento
que as impede
de alcançar porto seguro,
indiferentes que lhes é
a serenidade
repousada em meu jardim.



(Poema de
Maria Carvalhosa)

domingo, setembro 28, 2008

Em mês de Aniversário...

O Poesia Portuguesa nasceu da ideia de divulgar, para além dos já consagrados, poetas que se encontravam “escondidos” no imenso mundo dos blogues.

Creio, poder dizer, que se atingiram os objectivos propostos e muita gente que era então desconhecida, ganhou alento para partilhar, fora da blogosfera, a sua poesia, o que muito me apraz registar.

Ao perfazer 3 anos de existência neste mês de Setembro e que foram essencialmente dedicados à poesia que fui descobrindo, AGRADEÇO a TODOS os que partilharam as emoções neste mundo de palavras que, muitas vezes, é um caminho difícil e longo de percorrer.

Tem sido muito solicitado ao Poesia Portuguesa para que divulgue, também, as palavras dos Poetas consagrados na nossa Poesia e será isso que, a partir deste terceiro aniversário, os leitores encontrarão.


Imagem de F.Koroleva


POESIA

De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?

Esteve aqui – aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.

E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no Inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.

Diz: “ Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”

Como se a ouvíssemos.


Nuno Júdice in "Meditação sobre Ruínas" pág.87/88

quarta-feira, setembro 24, 2008

Outono




Talvez nunca a ternura fosse tanta
como entre os montes amadurecidos
e quando as casas se elevam
entre o ouro e o fumo da tarde.
Silêncio que parece vir do lento
passado,
vozes que se dão em resignada melancolia
e tomam a forma dos frutos,
vinho e sombra que apagam o mar
nas árvores
onde não tardará o abandono,
memória do que somos.
Repousam sobre a noite os grous
enquanto as cidades crescem à nossa volta
contra o sul vencido.
Vento, ramo e sombra que caem
sobre as janelas ardentes:
lá onde a púrpura se reclina
sobre a água e a beleza
a verdade começa a surgir da espuma.

(Poema de
Henrique Dória)


Imagem de Sergey Alexei

quarta-feira, setembro 17, 2008

Sabor a Chuva

Imagem de Jan Deichner



Terá o sabor da chuva
Roçando os lábios da infância.
Sedenta: a ave e a vida!
A ternura destruída.
E o mosto e a uva...
Suave fragrância!

Então dirás:
”Não tenho a coragem
De ir nessa viagem.”

Será o amor, será a vida...
A transparência surda do olhar!

E, devagar...
A ternura interrompida!

(Poema de
Ana Tapadas )

quarta-feira, setembro 10, 2008

A mulher

Imagem de Martine Carles


Ela é a dança dos lugares que cercam
a cidade
onde noutros tempos havia religiões.

É o ídolo da juventude e com ela me surpreendo
no assobio das árvores, no peito da deusa que acalma
as minhas tragédias nocturnas.

Ela é a fonte imensa, cristalina e intangível.

Ela é como a chuva.
Bate nos cabelos
ao lado dos violinos com que as palavras se dão
letra a letra numa mesa escutando.

Escrevendo-a, eu sei, abro os seus frutos na sua cor.

Ela é a loucura que o barulho do frio faz
na minha garganta.

Ela olha o vento e os seus olhos estão quietos
à beira dos odores do jardim
e todos os roseirais são dominados pelo seu silêncio.
Delírio inóspito, também onde é deserta a altíssima voz,
ela inventa o toque que cativa aquele que pode governar
acima das estrelas.

Ela é a palavra que se ergue
na existência demorada.

O êxtase das estações mas sobretudo aquela
que atravessa o mês de Agosto
e percorre Setembro num poema pela terra dentro.

Ela é o sino de um futuro onde só habitam os gestos.
A pedra para encostar à cabeça quando Março
gira à volta de todas as bocas maternas.
Escrevê-la-ei debaixo dos rios apodrecidos
e ela seguirá direita, terrível e lancinante.

Ela é o livro que me bate à porta sempre devagar
e ressoando violentamente me diz quem sou.
Estremeço.
Depois sangra um ponto secreto
do meu corpo.

Talvez a minha face se queime.

Ela é a surpresa que tem agarrado a si
os animais inspirados.
Lenta, atravessa a floresta e alicia
o entardecer,

que se delonga às portas da noite.

Ela é a Primavera da noite
que abre uma porta para o coração passar.
Um grito que detém um breve minuto
enquanto respiro metade de um pensamento.

Todo o meu corpo se assusta, no desejo de tocar-lhe,
na ânsia de eternidade do seu momento só.

Ela é a amiga, acidente de percurso ou não,
o certo é que sorri, no exacto lugar
onde se fendeu o desejo.

Amo-a na onda de lodo que perpassa
à flor dos lábios de todos os rios ainda escondidos.

Ela é deste povo cujo hálito
era inocente como um candelabro
quando todos os tectos mantinham inofensiva ainda
a guerra fechada dos suspeitos.

Ela é toda a casa que acaba à noite
depois das sementeiras.

Ela é a tentação nunca mais expirada
pelo tempo fora.
Chega por um impulso, quando o frio
instala cravos na neve e as amantes ofegam por dentro
as maçãs sumarentas com seus pulmões.

A palavra amor não vem no dicionário. Ela é
toda a palavra cheia de todos os significados.

Vestíbulo depauperado e absorto,
ela conduz a água
na secura de todas as bocas
e às portas
onde raparigas que comem os bagos da romã anunciam
o tempo da menstruação.

Ela é toda a cor da fome, todo o rubor
da saciedade.

Ela é o som que estremece os ombros
e surge na nossa idade quando nos despedimos
e não queremos dizer que amanhã morreremos.

Ela espreita as crianças loucamente no poema
enquanto na floresta as giestas se iluminam.

Ela é o mar, este mar,
pequena estrela que muda de cor
e às vezes tem as suas raízes queimadas.

Ela envolve os peixes no recanto da praia
onde quantas vezes ficou gravado o seu corpo
em despedida breve.

Ela é o desvelo, a surpresa do sol e do regresso
quando se chega do fogo e da solidariedade
que unem as águas ternas nos lábios do desespero.

Como um livro que atrai secretamente a ternura
do tempo perdido, ela segue o caminho
de toda a perdição humana. Toda a queda supõe
o abismo dos seus braços.

Ela percorre todos os países, todos os mares do sul
e é nua como um corpo cristalino
que conduz o seu cavalo por entre as pedras sem memória.
É o esquecimento. Todo o esquecimento do real.

Por isso mesmo ela se intima nos poros da cabeça
deste mês de Outubro.

Ela é todo o olhar derretido,
simples.
Olhar longínquo entre os arbustos,
lâmina trivial cortando a distância.

Ela liquefaz-se nas horas do amor gritante
pela noite dentro e nas enchentes
do dia.

Ela é a pomba.

Ofega,

na tranquilidade do corpo,

as searas ondeantes e repletas
de alegria.

Tem o seu mistério
escondido na linguagem.

Ela é a boca de todo o pão.

Voa e leva dentro dela
os nossos filhos adormecidos.

Ela é a nossa solidão.

(Poema de Rogério Carrola)

quarta-feira, setembro 03, 2008

des_acordo ortográfico


Pintura de Sebastia Boada


na solidão das palavras
na fome dos vocábulos
na sede que nos mata…
eu fico envolvida pelas sílabas
e entoo a música
em toadas sem ritmo
à espera de inventar
palavras fechadas nas vogais...

mata-me esta renúncia de letras
cartas geográficas confusas
onde jazem mapas
imprecisos
dentro de armários baralhados
onde guardamos factos e fatos
no lado terno das nossas lembranças.

recuso-me esquecer as letras que
querem arrancar dessa ortografia nossa
que quero virgem.

recuso-me a comer letras
que não sejam as da sopa…

estou em greve de acordos ortográficos
recuso-me simplesmente.

(Poema de Piedade Araújo Sol )

quarta-feira, agosto 27, 2008

...em ti!

Pintura de Dario Campanile



Vens…
Inesperadamente!
Em inquietude
Como brisas doces que ateiam lume.
Que desassossego
Que encanto-veneno me trazes
Nesse desejo de me quereres teu?
Vens...
Amadurecida no meu calor
Ausente de corpo.
Despida em suaves contornos
Reflexos de paixão.
E tu vens…
Rasgas o teu corpo
No meu.
O teu vazio...
Deslizas ternura que me lambe
E lentamente desces
Sobre mim
Como o tempo quebrando asas.
Ouço-te respirar.
Guardo-te nas minhas mãos.
Preencho-te.
Perco-me.
...em ti!

(Poema de In§†an†e§ ðe µm £oµ¢o)

quarta-feira, agosto 20, 2008

A Ver Dançar As Palavras

Imagem mar arável


Nas pedras do chão há cristais
cheios de pó e movimento
que seguem itinerários
vagarosos

que tropeçam
antes de serem brilho
expressão musical
para espanto dos pássaros
antes do voo

As pedras do chão
perdem a inocência
quando se aproximam dos cristais

Será do pó em movimento
ou dos meus pobres olhos
que espantam os pássaros?

Já não me pergunto
se nos alimentamos de poemas e destinos
neste chão onde me apetece

ver dançar as palavras


(Poema de Eufrázio Filipe)

quarta-feira, agosto 13, 2008

Jogo do(s) Saber(es)

Imagem: capa do álbum Shine On dos Pink Floyd


Nada sei da sapiência
dos sábios sabedores de todos os saberes
Não sei se sei, de certeza sabida
da vida os sabores.

Sei

Que correm para os mares os rios
Levando consigo
o saber/sabor
de todos que os sabem olhar e viver.

Será

Que os sábios sabem
Que os rios levam consigo
Olvidados amores?


(Poema de
Helena Domingues in Orion)

quarta-feira, agosto 06, 2008

Ternura.



Bagas chovendo em circuitos abertos
devolvem-me o sabor do Verão e do Sol.
O líquido que delas se desprende quando as trinco
amaciam-me a alma
colorindo-a de tonalidades excitantes
pegajosas.
Escorre saliva p’la minha boca abaixo
pingando-me os seios descontraídos
desnudos:
Teus...

Alternadas quais ritmos incessantes repetem-se
palavras de Amor que refrescam
a paisagem dançante.
Os corpos fundidos ofegantes animam-se
disfrutam-se
enleiam-se apaixonados.

Animais à solta

Livres

Cabelos em tempo de vendaval
escrevem diários íntimos
indiscretos. Fascinam
pelos toques de branco que com o tempo
assumiram
riscando o preto original.
Fortes como amêndoas doces alimentam dedos
que se enrolam brincando
que se deleitam ao senti-los:
Meus...

Bolhas de sabão cheiroso massajam as peles já suadas.
Beijos partilhados à toa soam a miosótis
no jardim que imaginámos. Somos.
Queremos. Damos.

(Poema da Azul)




Pintura de Lauri Blank