sábado, novembro 22, 2008
domingo, novembro 16, 2008
Um raio de luz
Pego num Sol abstracto e queimo a pele
Quero uma dor absurda mas sentida
Que o meu corpo se derreta no papel
Onde te escrevo senhora, a minha vida
E tudo o mais que me parece tão cruel
Como as horas que tocam a despedida.
Se ao menos houvesse um cais aonde ir...
E ficasse um adeus suspenso na memória
Da dor em gavetas que não consigo abrir
Ou um cometa no rasto da nossa história
Outro absurdo que não me deixa definir
Apenas o que somos nesta cela provisória.
Não vi o monstro que abriu a minha ferida
Um monstro que se esconde lá bem atrás...
Ali, onde todos os medos lhe dão guarida
E a loucura entretém, mas também o trás
Como se fosse alma penada ou coisa parecida
Que há gente capaz de tudo, do que serei eu capaz?
E há o gozo da noite que nos lavra os sentidos
Uma porta que se abre ao desejo de espreitar
A vida dói tanto que nos faz sentir perdidos
Nesta ilusão de um céu com estrelas a brilhar
E luas que ardem por entre beijos proibidos
Ainda que um raio de luz fique preso no olhar.
Saberei quem somos quando em nós houver
Aquele olhar que arranca o monstro ao ninho
E do berço á cova temos muito que aprender
Neste livro que serve para escolher o caminho
Que das falésias eu jamais voarei só para ver...
A imensidão do mar ou o cabelo em desalinho.
terça-feira, novembro 11, 2008
o paraíso é por ali
o paraíso é por ali. eu vou por aqui. aprendi que afinal há paraísos.
não há paraísos.
aprendi a dizer que não há.
há.
é profunda a verdade. tão verdade que não há mentira.
ninguém mente.
tanto como o paraíso.
o paraíso é a palavra mais mentirosa do universo.
como a verdade. dimensional. metafórica. onda de abuso na violência da palavra - verdade. que não existe como forma. fórmula que os idiotas usam para esconder a cara.
afogam-se nela. triunfantes.
a maçã não existe.
articulo a palavra. abro as vogais. fecho o medo.
a verdade não existe. impetuosa. chata. segura. com efeito, não creio.
vamos lá ver o paraíso. eva. adão. não.
dê-me um gin-tónico.
Bandida.
(Incluído no seu livro Apoplexia, pág.78)
domingo, novembro 02, 2008
Depressão
Aqui nos dias que correm
Além da vertigem que a todos cega
As mágoas diversas corroem
A alegria que se lhes nega
Núcleos suspeitos vão tecendo
Malhas para tudo abarcar
O prazer de criar vai morrendo
Forçando a natureza a mudar
Em conflito permanente
Numa ameaça constante
Rasga-me a pele de repente
O teu gume lancinante
Num covil perdido
Bem dentro de nós
Quero ficar escondido
Breves instantes a sós
Descendo ao Inferno dos sentimentos
Ausentes num lugar sem fundo
Ultrapassando todos os lamentos
Fingindo não ser deles este mundo
Dizem que há quem se deprima
Para continuar a crescer
Eu vi alguém matar a rotina
Para só então renascer
Poema de Hélder Dias
quarta-feira, outubro 22, 2008
Disse
Não disse
O que disse
Foi que disse
Que não queria dizer
O que disse
Não foi o que dizem
O que disse
Mesmo os que ouviram dizer
Não entenderam
o que disse Pois o que disse
Não era o que queria dizer
No sentido de contradizer
Que disse,
Pois direi
Não é maldizer
Dar o dito por não dito
Obviamente
Não entenderam
Será um estilo
Desencontros das palavras
Da autoria de quem disse
Maledicência, difamação
Perseguição politica
Obviamente
Manipulação das situações
A partir de uma analise
Não é correcto
Prenunciar-se
Fora do contexto
Obviamente
Procurando um resultado
Surgindo do nada
E nada do que disse
E o que disse
É nada
Poema de C Valente
terça-feira, outubro 14, 2008
60 em sol e azul-mar
Este vasculhar do corpo da palavra
Breve, tão leve
No casulo, o nefelibata se fez criança
Na fusão das flores, luar e da água
Pelo avassalador ostracismo das raízes em rosácea
Qual silhueta amena e cândida
Breve, tão ténue
O conselheiro exponente da morte, da loucura, do lodo
Tecia, degrau a degrau, um inferno de sombra
Com pena de chocolate
Com o erodido e variável método do sobressalto
Pela vulnerabilidade da obstrução
Em forma de tapeçaria sobre a caixa de cal e vida
Em contínuo movimento
Breve, tão breve
Pensa-se afastar o vapor envolvente
Da conversa em tempestade
Sobre o distanciamento amortecido num país sem farol
A inundar de orvalho em linha vertical
Mas o poeta, apoiado no cotovelo,
Desponta a manhã
Num intenso, imenso divagar
Fazendo emergir da viagem
Pelo céu das letras amenas
Um amor maior a comungar
Breve, tão leve
Renasce a palavra de sol e azul-mar
Num sorriso com licença para voar
Poema de Fátima Fernandes (Amita)
sexta-feira, outubro 10, 2008
Não as há.
Pintura de Leonid Afremov
Não há palavras!
Que signifiquem
O que não pode significar.
Que expressem
O que só na bruta pele corta e queima.
Que verbalizem
O que um sentir não permite.
Que iluminem
Uma inexistente e negra Alma.
Que faça florescer
Uma brisa num rochedo.
Que leve a desabrochar
Uma esperança,
Num infinito deserto.
Ou que desaponte uma rosa
No alto mar.
Não há palavras!
Que silentemente,
Fale
Que inexistindo,
Expurgue,
a sua necessidade.
Que vivendo,
Postergue.
Que etéreas,
Não pesem toneladas
No fardo da minha consciência.
Que nada sendo,
Tudo sejam no meu Ser.
Não!
Não... as há!
(Poema de RFS)
quinta-feira, outubro 02, 2008
De volta à Poesia da Blogosfera...
Pintura de Michael and Inessa Garmash
(Paráfrase inspirada no poema "Porque voam as Pétalas?", de Paulo de Carvalho):
No meu jardim
No meu jardim
ouço o som da maré-cheia
e o grito das gaivotas;
vejo as árvores
que se despem
e os outros pássaros mudos,
tristes, pousados nos ramos.
O forte ruído da chuva
assusta-os, mantém-nos calados...
um relâmpago ilumina
de repente a tarde escura,
a maré-viva faz-se ouvir
com violência, contra as rochas,
o ribombar do trovão
faz coro com a tempestade.
As gaivotas continuam seu grasnar
numa luta contra o vento
que as impede
de alcançar porto seguro,
indiferentes que lhes é
a serenidade
repousada em meu jardim.
(Poema de Maria Carvalhosa)
domingo, setembro 28, 2008
Em mês de Aniversário...
Creio, poder dizer, que se atingiram os objectivos propostos e muita gente que era então desconhecida, ganhou alento para partilhar, fora da blogosfera, a sua poesia, o que muito me apraz registar.
Ao perfazer 3 anos de existência neste mês de Setembro e que foram essencialmente dedicados à poesia que fui descobrindo, AGRADEÇO a TODOS os que partilharam as emoções neste mundo de palavras que, muitas vezes, é um caminho difícil e longo de percorrer.
Tem sido muito solicitado ao Poesia Portuguesa para que divulgue, também, as palavras dos Poetas consagrados na nossa Poesia e será isso que, a partir deste terceiro aniversário, os leitores encontrarão.
Imagem de F.Koroleva
POESIA
De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?
Esteve aqui – aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.
E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no Inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.
Diz: “ Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”
Como se a ouvíssemos.
Nuno Júdice in "Meditação sobre Ruínas" pág.87/88
quarta-feira, setembro 24, 2008
Outono
Talvez nunca a ternura fosse tanta
como entre os montes amadurecidos
e quando as casas se elevam
entre o ouro e o fumo da tarde.
Silêncio que parece vir do lento
passado,
vozes que se dão em resignada melancolia
e tomam a forma dos frutos,
vinho e sombra que apagam o mar
nas árvores
onde não tardará o abandono,
memória do que somos.
Repousam sobre a noite os grous
enquanto as cidades crescem à nossa volta
contra o sul vencido.
Vento, ramo e sombra que caem
sobre as janelas ardentes:
lá onde a púrpura se reclina
sobre a água e a beleza
a verdade começa a surgir da espuma.
(Poema de Henrique Dória)
Imagem de Sergey Alexei
quarta-feira, setembro 17, 2008
Sabor a Chuva
Terá o sabor da chuva
Roçando os lábios da infância.
Sedenta: a ave e a vida!
A ternura destruída.
E o mosto e a uva...
Suave fragrância!
Então dirás:
”Não tenho a coragem
De ir nessa viagem.”
Será o amor, será a vida...
A transparência surda do olhar!
E, devagar...
A ternura interrompida!
(Poema de Ana Tapadas )
quarta-feira, setembro 10, 2008
A mulher
Ela é a dança dos lugares que cercam
a cidade
onde noutros tempos havia religiões.
É o ídolo da juventude e com ela me surpreendo
no assobio das árvores, no peito da deusa que acalma
as minhas tragédias nocturnas.
Ela é a fonte imensa, cristalina e intangível.
Ela é como a chuva.
Bate nos cabelos
ao lado dos violinos com que as palavras se dão
letra a letra numa mesa escutando.
Escrevendo-a, eu sei, abro os seus frutos na sua cor.
Ela é a loucura que o barulho do frio faz
na minha garganta.
Ela olha o vento e os seus olhos estão quietos
à beira dos odores do jardim
e todos os roseirais são dominados pelo seu silêncio.
Delírio inóspito, também onde é deserta a altíssima voz,
ela inventa o toque que cativa aquele que pode governar
acima das estrelas.
Ela é a palavra que se ergue
na existência demorada.
O êxtase das estações mas sobretudo aquela
que atravessa o mês de Agosto
e percorre Setembro num poema pela terra dentro.
Ela é o sino de um futuro onde só habitam os gestos.
A pedra para encostar à cabeça quando Março
gira à volta de todas as bocas maternas.
Escrevê-la-ei debaixo dos rios apodrecidos
e ela seguirá direita, terrível e lancinante.
Ela é o livro que me bate à porta sempre devagar
e ressoando violentamente me diz quem sou.
Estremeço.
Depois sangra um ponto secreto
do meu corpo.
Talvez a minha face se queime.
Ela é a surpresa que tem agarrado a si
os animais inspirados.
Lenta, atravessa a floresta e alicia
o entardecer,
que se delonga às portas da noite.
Ela é a Primavera da noite
que abre uma porta para o coração passar.
Um grito que detém um breve minuto
enquanto respiro metade de um pensamento.
Todo o meu corpo se assusta, no desejo de tocar-lhe,
na ânsia de eternidade do seu momento só.
Ela é a amiga, acidente de percurso ou não,
o certo é que sorri, no exacto lugar
onde se fendeu o desejo.
Amo-a na onda de lodo que perpassa
à flor dos lábios de todos os rios ainda escondidos.
Ela é deste povo cujo hálito
era inocente como um candelabro
quando todos os tectos mantinham inofensiva ainda
a guerra fechada dos suspeitos.
Ela é toda a casa que acaba à noite
depois das sementeiras.
Ela é a tentação nunca mais expirada
pelo tempo fora.
Chega por um impulso, quando o frio
instala cravos na neve e as amantes ofegam por dentro
as maçãs sumarentas com seus pulmões.
A palavra amor não vem no dicionário. Ela é
toda a palavra cheia de todos os significados.
Vestíbulo depauperado e absorto,
ela conduz a água
na secura de todas as bocas
e às portas
onde raparigas que comem os bagos da romã anunciam
o tempo da menstruação.
Ela é toda a cor da fome, todo o rubor
da saciedade.
Ela é o som que estremece os ombros
e surge na nossa idade quando nos despedimos
e não queremos dizer que amanhã morreremos.
Ela espreita as crianças loucamente no poema
enquanto na floresta as giestas se iluminam.
Ela é o mar, este mar,
pequena estrela que muda de cor
e às vezes tem as suas raízes queimadas.
Ela envolve os peixes no recanto da praia
onde quantas vezes ficou gravado o seu corpo
em despedida breve.
Ela é o desvelo, a surpresa do sol e do regresso
quando se chega do fogo e da solidariedade
que unem as águas ternas nos lábios do desespero.
Como um livro que atrai secretamente a ternura
do tempo perdido, ela segue o caminho
de toda a perdição humana. Toda a queda supõe
o abismo dos seus braços.
Ela percorre todos os países, todos os mares do sul
e é nua como um corpo cristalino
que conduz o seu cavalo por entre as pedras sem memória.
É o esquecimento. Todo o esquecimento do real.
Por isso mesmo ela se intima nos poros da cabeça
deste mês de Outubro.
Ela é todo o olhar derretido,
simples.
Olhar longínquo entre os arbustos,
lâmina trivial cortando a distância.
Ela liquefaz-se nas horas do amor gritante
pela noite dentro e nas enchentes
do dia.
Ela é a pomba.
Ofega,
na tranquilidade do corpo,
as searas ondeantes e repletas
de alegria.
Tem o seu mistério
escondido na linguagem.
Ela é a boca de todo o pão.
Voa e leva dentro dela
os nossos filhos adormecidos.
Ela é a nossa solidão.
(Poema de Rogério Carrola)
quarta-feira, setembro 03, 2008
des_acordo ortográfico
Pintura de Sebastia Boada
na solidão das palavras
na fome dos vocábulos
na sede que nos mata…
eu fico envolvida pelas sílabas
e entoo a música
em toadas sem ritmo
à espera de inventar
palavras fechadas nas vogais...
mata-me esta renúncia de letras
cartas geográficas confusas
onde jazem mapas
imprecisos
dentro de armários baralhados
onde guardamos factos e fatos
no lado terno das nossas lembranças.
recuso-me esquecer as letras que
querem arrancar dessa ortografia nossa
que quero virgem.
recuso-me a comer letras
que não sejam as da sopa…
estou em greve de acordos ortográficos
recuso-me simplesmente.
(Poema de Piedade Araújo Sol )
quarta-feira, agosto 27, 2008
...em ti!
Vens…
Inesperadamente!
Em inquietude
Como brisas doces que ateiam lume.
Que desassossego
Que encanto-veneno me trazes
Nesse desejo de me quereres teu?
Vens...
Amadurecida no meu calor
Ausente de corpo.
Despida em suaves contornos
Reflexos de paixão.
E tu vens…
Rasgas o teu corpo
No meu.
O teu vazio...
Deslizas ternura que me lambe
E lentamente desces
Sobre mim
Como o tempo quebrando asas.
Ouço-te respirar.
Guardo-te nas minhas mãos.
Preencho-te.
Perco-me....em ti!
(Poema de In§†an†e§ ðe µm £oµ¢o)
quarta-feira, agosto 20, 2008
A Ver Dançar As Palavras
Nas pedras do chão há cristais
cheios de pó e movimento
que seguem itinerários
vagarosos
que tropeçam
antes de serem brilho
expressão musical
para espanto dos pássaros
antes do voo
As pedras do chão
perdem a inocência
quando se aproximam dos cristais
Será do pó em movimento
ou dos meus pobres olhos
que espantam os pássaros?
Já não me pergunto
se nos alimentamos de poemas e destinos
neste chão onde me apetece
ver dançar as palavras
(Poema de Eufrázio Filipe)
quarta-feira, agosto 13, 2008
Jogo do(s) Saber(es)
Nada sei da sapiência
dos sábios sabedores de todos os saberes
Não sei se sei, de certeza sabida
da vida os sabores.
Sei
Que correm para os mares os rios
Levando consigo
o saber/sabor
de todos que os sabem olhar e viver.
Será
Que os sábios sabem
Que os rios levam consigo
Olvidados amores?
(Poema de Helena Domingues in Orion)
quarta-feira, agosto 06, 2008
Ternura.
Bagas chovendo em circuitos abertos
devolvem-me o sabor do Verão e do Sol.
O líquido que delas se desprende quando as trinco
amaciam-me a alma
colorindo-a de tonalidades excitantes
pegajosas.
Escorre saliva p’la minha boca abaixo
pingando-me os seios descontraídos
desnudos:
Teus...
Alternadas quais ritmos incessantes repetem-se
palavras de Amor que refrescam
a paisagem dançante.
Os corpos fundidos ofegantes animam-se
disfrutam-se
enleiam-se apaixonados.
Animais à solta
Livres
Cabelos em tempo de vendaval
escrevem diários íntimos
indiscretos. Fascinam
pelos toques de branco que com o tempo
assumiram
riscando o preto original.
Fortes como amêndoas doces alimentam dedos
que se enrolam brincando
que se deleitam ao senti-los:
Meus...
Bolhas de sabão cheiroso massajam as peles já suadas.
Beijos partilhados à toa soam a miosótis
no jardim que imaginámos. Somos.
Queremos. Damos.
(Poema da Azul)
quarta-feira, julho 30, 2008
Inocência
Pintura de Lucien Lévy-Dhurmer
É amena a hora e o tempo casto.
Na flor, o orvalho da manhã
estende-se em planos
indeléveis, indefinidos, breves,
qual pena em mão de criança
que do sonho nada teme.
E, sorrindo à brisa, se balança
indiferente ao conselheiro sem idade -
exponente pluriforme da morte -
em incauta obstrução à vulnerabilidade.
É amena a hora e o tempo casto.
Da silhueta ténue da rosa-menina
urge afastar densos passos
sobrepostos na tapeçaria da vida.
(Poema de Amita 'Fátima Fernandes')
quarta-feira, julho 23, 2008
Allegretto
vê-se a Poesia.”
Aguarela de Abigail Vasthi Schlemm
Irrompeu do caos
O silêncio
E fez-se a maresia, o instante
E a solidão.
Irrompeu da espuma a tristeza,
A lágrima, a nuvem e a primeira imagem da nudez.
Irrompeu do caos
O silêncio: a primeira imagem da surdez desejada.
Irrompeu do caos e da lama
O silêncio purificante de uma chama, e o desejo
Da brutal carícia das coisas impossíveis,
Sobre a laje fria dos banquetes irreversíveis dos abutres.
Foi na secura resignada dos meus olhos
Que as lágrimas se espelharam,
Derramando-se no cântico lago do mundo.
Ao inclinar a cabeça servil
Soltaram-se, em gemidos, os cabelos da escravatura.
E abriu-se o caminho da tua viral doçura
Dos abismos sob as estradas e caminhos
Dos nossos infantis amplexos.
E irrompeu do silêncio a oração, então esquecida,
Dos abraços reflexos.
Descerrou-se o mármore.
E acolheu-se o silêncio nas palavras
Nuvem, água e maresia.
Descerrou-se o mármore
E entrou em trabalho de parto a poesia.
(Poema de Manuel Anastácio in Da Condição Humana)
Final (início) do filme "Irreversible" de Gaspar Noe. Allegretto da sétima
sinfonia de Beethoven. (retirado daqui)
(Desligar p.f. a música de fundo para ver o vídeo)
segunda-feira, julho 21, 2008
Em dia de Aniversário...
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
De António Gedeão
Falar do Porosidade Etérea é convidar-vos a percorrer e conviver com a Poesia que a Inês Ramos nos aferta de uma forma altruísta, diria mesmo carinhosa.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...
Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
(Excerto)
(Poema de Álvaro de Campos in
Fernando Pessoa, Obras Completas - I Volume, pág.432/433)
Pelo 2º. aniversário do Porosidade Etérea endereço à Inês Ramos as minhas sinceras felicitações pelo trabalho desenvolvido, desejando-lhe as maiores felicidades a todos os níveis...
terça-feira, março 25, 2008
...
Aqui fica pois, o meu respeito e amizade por todos vós e o agradecimento, pelos inolvidáveis momentos que partilhámos.
Agradeço ainda, a prestimosa ajuda da Piedade Araújo Sol, do Jeremias e do AC (que não quer ser identificado) na activação deste blogue, sem a qual, isso nunca seria possível.
Obrigada a todos
sexta-feira, março 21, 2008
Ando...
Ando metido com a prosa
E já não apareço à poesia!
Queixa-se uma de mim sincopada
Mas logo a outra se regozija amada
- Digo a uma que nunca a esqueceria!
Mas a outra que tudo ouve em prosa
Faz-me crer que nem a conhecia
E escrever para a mais jeitosa...
Ando metido com a prosa
E já não apareço à poesia
Vivo em casa da mais matreira
E da relação já tenho filhos
Alguns contos e uma novela
E com a que é agora primeira
Já não piso embriagado os trilhos
Que pisava com a poesia antes dela.
Enciumada a oficial, com ronha
Lembra-me que foi amor primeiro
Que com ela a virgindade perdi
Mas o que perdi foi a vergonha
Com que me dou na prosa por inteiro
Como fazer então compreender a uma
Que não existo sem a outra?
Como dizer isto com uma certa ética
Se não for numa bela prosa-poética?
Tenho esperança que a minha escrita
Inclua sempre a ambas nesta via
Porque se ando metido com a prosa
Também hoje aqui o fiz em poesia.
(Poema de José Ildio Torres
in, o-ente-do-ser)
quarta-feira, março 19, 2008
No corpo que me abriste
No corpo que me abriste, com amor,
Com amor lancei minha semente.
E a seiva germinou e se fez flor
E o verbo tomou forma e se fez gente
.
E quando sobre nós, lançando a dor
Nos separa o fascismo prepotente,
Tu não estavas só, pois em amor
Crescia a nossa filha no teu ventre
.
Recordo a tua imagem sorridente
Passando junto aos muros da prisão
(Por trás a velha Sé, o Tejo em frente)
.
E eu, preso à doçura da visão,
Bebendo no teu riso transparente
O orgulho que te enchia o coração
(Soneto de António Melenas, dedicado a sua Esposa Adelina )
Até Sempre, Melenas
Ouvir a declamação de outros poemas
segunda-feira, março 17, 2008
hera
batem as falas falsas
como heras que se cravam
nas paredes
hasteando-se
rodeiam-na
a porta é a passagem
onde a hera não entra
no interior da casa
não se constroem divisões
amplo é o seu espaço
porque o calor
é uno
e resguardado
do cansaço persistente
do bafo frio das falas falsas
onde a hera não entra – o calor a asfixia
as janelas são o respiro de luz
onde não toca – a luz a cega
o interior da casa é um coração habitado
(Poema de Mïr in O Voo da Luz )
sexta-feira, março 14, 2008
Comunhão
Imagem de Turner Dyke
Deixa-me voltar para onde o ar
É mais puro, e a vida mais leve!
Deixa-me...
Ainda que por um momento efémero e breve,
Deixa-me voltar a sentir o vento
Abanar as copas dos pinheiros
E a ver giestas e papoilas
Florirem nas encostas!
Deixa-me voltar a respirar
O odor a capelinhas e rosmaninhos
Pelo S. João,
Saltitar uma vez mais, por veredas e caminhos,
Como se a infância não tivesse ainda fugido....
Deixa-me...
Deixa-me achar-me no meio das serras,
Eu, que há muito ando já perdido!...
Deixa-me vida triste, cruel,
Deixa-me, que quero reaprender
A cheirar as ervas e o mato,
As flores e a Primavera!
Deixa-me,
Que quero sentir, como outrora, o cheiro da terra,
E beber outra vez, de bruços,
A água fresca das nascentes,
Nos cumes dos montes.
Deixa-me,
Que quero de novo sentir em mim
O despertar de uma quimera,
E a liberdade dos amplos horizontes...!
( Poema de Luis Beirão )
quarta-feira, março 12, 2008
Estas palavras vestidas de silêncio
Talvez... pela sua sensibilidade e lirismo, direi eu.
Apreciem-no…
Autor desconhecido
Estas palavras vestidas de silêncio que damos um ao outro como pétalas de flores dispersas, dizem tanto daquilo que sabemos, que às vezes julgo escutar os gritos lancinantes que deixamos escapar das feridas por fechar e calamo-nos, com adesivos sobre os lábios, fechando as portas e as janelas para que o vento não empurre os gritos para fora das muralhas dos nossos corpos ávidos.
Depois, contemplamo-nos como se nos víssemos pela primeira vez, e afagamo-nos em mútuas carícias impregnadas de um medo inconfessado que nos percorre as veias do silêncio dissimuladas sobre os nossos corpos.
Ah! Por que não havemos de gritar o necessário desejo de estar vivos?
Quem nos proíbe, Amor, de nos tocarmos numa descoberta mútua e sempre nova de um espaço à nossa volta?
Quem?
Quem nos impede, Amor, aquele abraço, num ímpeto incontido de rasgar o espaço que separa as minhas mãos das tuas mãos?
Quem nos proíbe, Amor, que troquemos de segredos em cada beijo partilhado no silêncio das nossas bocas sequiosas?
Quem?
Quem impede, afinal, esta vontade de nos darmos um ao outro sem medo das ruas e avenidas que nos falam da cidade vigilante a observar-nos os passos e os gestos, a medir a intensidade das palavras que se propagam no eco do silêncio como um grito de angústia?
Outro dia, as minhas mãos sobre as tuas mãos ou o meu cabelo sobre o teu cabelo falaram durante horas a linguagem muda do desejo de nos termos, sem angústias nem reservas. E de lábios cerrados tivemos a mais longa conversa sobre o nosso amor.
Lá à frente o azul do mar e a suja areia, ao nosso lado, o calor das nossas mãos que se apertavam num estranho código de náufragos, entrelaçando os dedos e juntando as faces, resistindo ao desespero das ondas que teimavam afastar-nos um do outro (como o mundo à nossa volta).
Ninguém foi testemunha desse instante gravado apenas no silêncio clandestino das nossas memórias fugitivas.
Só nós (porque o mundo à nossa volta éramos nós) temos o direito de falar desse instante de amor, porque o vivemos num desespero rápido de quem sabe que o amor é um relâmpago rasgando a densa cortina do desejo e, quando um dia falarmos deste amor que pairou sobre as mãos entrelaçadas, ninguém entenderá este silêncio que se sobrepôs ao grito do teu peito, ninguém entenderá este poema que narra o desespero de não te ter aqui, neste instante em que te amo, mais e mais, clandestinamente, e em silêncio.
segunda-feira, março 10, 2008
Passos de Dança
Imagem de Mariana Ximenes
Em passos de dança
Entre vontades e segredos
Entre gratos e profundos beijos
Encontro-te….
Não sei se te desafio
Se te provoco….
Se me rendo incondicionalmente
A verdade?
nua e crua
como a face da lua…
É um perigo….
para já esquecido.
(Poema da Marta in Minha Página)
sexta-feira, março 07, 2008
O Beijo da Chuva.
Nos umbrais do pensamento
Mora o desejo no limite da razão
Roubando os segredos do corpo
Lançando ao vento a emoçãoUma rosa breve guarda a belezaO amor é orvalho de feliz pranto
O horizonte é o começo do infinito
A chegada de uma onda é alegro canto
As pequenas coisas são traços
De singela tatuagem na areia
Que o mar aprisiona no azul
Pelos braços da maré-cheia
O curso errante do teu espírito
É gaivota fugida à tempestade
Perdida num manto de bruma
Sentindo do mar a saudade
Teus passos não deixam marcas
O teu mar tem a cor da ilusão
Um canto liberto foge amargura
Que te assaltou o coração
Esta terra prende-te os pés
Este abismo clama por um céu azul
As palavras devoradas pelo silêncioJazem em ilha perdida no sulOnde moram as tempestadesOnde os Deuses se divertem
Onde as hortênsias não medram
Onde os sonhos se subvertemSussurra a noite esta verdadeNas espigas de Lua da tua cabeça
O teu coração escolheu os meus olhos
Para encontrar o rumo da tua incertezaUma sombra foge à luz
Uma lágrima põe-te a vista turva
Será que o teu rosto é ribeiro de sal
Ou recebeste…O beijo da chuva…
(Poema de O Profeta)
quarta-feira, março 05, 2008
porque se ligam as memórias
Desenho de Cláudia Santos Silva
(aguarela e tinta da china)
porque se ligam as memórias
a imagens como esteios de granito
em sucalcos no meu corpo encravadas,
as palavras como o seio de uma linha de água
onde o olhar é o murmúrio que descobre a alma,
apontamento cartográfico para o rumo
do que se julgara perdido?
(e que seres em mim escondidos
despertaram a roda das infantas
que nunca de linho branco se vestiram e de flores
a cabeça ornaram
apesar do desejo, da vontade e das mágoas?)
que palavras foram essas
que albarroaram o teu coração,
alinhando, serenas,
a desconstrução das ausências previsíveis
e dos desamores vividos?
e se, em cada amanhecer imerecido,
colhesse os seus votos como orvalho,
ser-me-ia permitido escutar ainda
as palavras que não se dizem?
(Poema de Cláudia Santos Silva in Blue Molleskin)
segunda-feira, março 03, 2008
Ainda não me rendi.
Pintura de Ana Maria Sanz
Todas as dúvidas acordam pontuais,
Às meias horas nocturnas,
Deslizando em gotas perfeitas de suor,
Decorando a ponta dos dedos,
Ao som da música incessante dos sonhos.
Ainda não me rendi,
Não parei de lutar, nem de falar
De punhos cerrados e sorriso aberto,
Decifrando olhos semi cerrados,
Corações disfarçados de gente.
Mais um movimento certeiro
E mais um fio de sangue,
Traçando na cara as linhas das minhas certezas,
Marcando os passos incertos dos meus ideais,
Moldando a feições das palavras.
Ainda assim, não me rendi.
(Poema de Daniel Costa-Lourenço in Mar.da.Palha)
sexta-feira, fevereiro 29, 2008
Identificação
Sei quanto me queres porque te quero
e queremo-nos ambos com ardor.
Esperas-me também porque te espero
e nessa espera aumenta o nosso amor.
Eu vejo à minha frente os teus desejos
no brilho dos meus olhos reflectidos,
e sinto nos meus lábios os teus beijos
despertando-me todos os sentidos.
Eu leio nos teus versos os meus versos
e ao ler-te tenho esta visão suprema
de ver fundir-se os nossos universos
na imensa galáxia de um poema.
E sem te ter eu tenho-te ao meu lado
e tu, que estás distante, estás tão perto,
que acabo por dormir sempre acordado
no berço do teu colo em que desperto.
Que este amor, meu Amor, é mesmo assim
e o que parece ser contradição,
não é mais, afinal, que a afirmação
de que eu só sou quem sou porque és em mim.
(Poema de Fernando Peixoto in Arca de Ternura)
quarta-feira, fevereiro 27, 2008
O Silêncio da Noite
Pintura de Fulvio de Marinis
Começo a noite ao teu lado!
Entras nos meus sonhos
e espero por ti nas palavras
que se acendem
no fogo de uma noite inextinguível,
no desespero dos labirintos
onde sinto a solidão da sede,
nos minutos de noites intermináveis…
A porta ficou aberta,
nada te impede de transpor o limiar.
Há um desejo que te empurra
como se fosses um corpo inabitado
buscando a luz de um sim, que respira
a voragem da tua nudez completa.
Chegas! Rompeste a névoa,
Trespassaste a hegemonia da sombra,
com palavras nuas na solidão da noite,
com o fulgor de um começo puro,
com a fragrância dos teus olhos matinais.
É este o tempo que temos!
Dias que serão breves momentos
de um silêncio que tem voz…
Tempo de dar vida aos sentimentos
que pulsam em de cada um de nós!...
(Poema de Albino Santos in Poemas de Amor)
segunda-feira, fevereiro 25, 2008
Virás
com o brilho da prata
e o verde dos limos
e a maciez das pétalas
e a ternura inconfessada
dos guerreiros.
Sorrirás pelos trilhos da alva
desviando as facas
domando as fúrias
do meu descaminho.
Perguntarás:
Mulher quem és agora?
Lavarei as mãos
nos meus ribeiros
para nelas beber a tua voz.
Não te responderei
antes do anoitecer
quando o meu corpo
se esquecer do cardo
e se fizer o lírio.
Aguardarás sereno
como uma prega
na espádua do tempo.
A hora chegará
de retalhar as cordas
e atravessar o espelho
e apagar o lume
na casa da montanha.
Só então te direi:
Sou a pedra de canto
do sítio que habitavas.
Meu nome um monossílabo
como tu como eu
como chão como céu.
(Poema de Licínia Quitério in O Sítio do Poema)
sexta-feira, fevereiro 22, 2008
Nevoeiro
não escorrem lágrimas
e riem as pedras
no longo caminho percorrido?
Há quanto tempo
não choram as calçadas
e gritam inanimadas
as flores do jardim aqui?
Já me esqueci.
Foi há tanto tempo
que me perdi por aí,
sem lágrimas, sem risos,
sem gritos e só
no frio nevoeiro de ti.
(Poema de Paula Raposo)
quarta-feira, fevereiro 20, 2008
Dias
dias de espera
nas tardes frias.
transportam o passaporte
dum tempo indiferente.
ignoram a sede
que humedece um corpo
e, caminham ébrios
nos corredores da memória.
dias soltos
em outras paisagens.
gritos de gente,
num segredo cúmplice
aromas de glicínias
na penumbra do silêncio sólido,
horas gigantes e mal contadas
nas palavras pululantes.
dias sem rosto,
roubados ao lixo fingido,
ao ardor dum tempo restrito
diferentes de um passado mudo.
dias longos, na viagem do corpo
num sorriso que ainda dura!
(Poema de Lena Maltez in Cabana de Palavras)
segunda-feira, fevereiro 18, 2008
Teia...
Teci uma teia
Com gotas de orvalho
O sol reluzia imenso...
Indolente enleou-se
Pelos misteriosos fios
Ávida de fome e de sede
Quis sentir a felicidade
Num ímpeto de loucura.
Viajei sem parar.
Tudo era perfeito;
Envolvi-me inteira.
A transparência desbotou-se
Suavemente….
Caí… levantei…
No silêncio e sabedoria
Rompi os fios mal cerzidos
Colados pela fantasia .
Lavei o rosto com orvalho
Libertei as amarras;
Sonhos, ilusões... é passado.
Levanto voo…a alma desprende-se
Encaro a realidade.
Caminho, sorrindo, pisando firme
No ventre da terra fria.
É a minha vida!
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
Cantai ainda
Cantai ainda, sob as árvores
à beira rio, entre noite e dia.
Que as chuvas vos acordem
num dilúvio
de gestos feitos de alegria.
A fresca madrugada
se abra à luz
sonora e alada.
E que seja brando o vento
dos dias caindo devagar
sobre o teu rosto
de olhar, por fim, a terra amada
à luz do sol resplandecente
na pura harmonia do poema.
(Poema de Vieira Calado)
quinta-feira, fevereiro 14, 2008
Deixa-me ser o teu presente
cerrar os olhos e sentir o sabor
da partilha nos meus lábios
acorrentados aos teus
Deixa-me ler-te como se fosses
uma brochura que reconheço
sem tão-pouco virar
as páginas revividas de tão lidas
Deixa-me perdurar no que não dizes
pois eu sei
recordar o teu feitiço
mesmo que nem esboces um sorriso
Deixa-me esculpir a ferro e fogo
tudo o que em ti existe
ou em raios laser
cinzelar-te completo para mim
Deixa-me… deixa aconchegar-me
toda em ti, sentir-te tão perto
tão meu, tão conivente que no futuro
ninguém nos possa separar
Deixa-me… deixa-me ser o teu presente
(Poema da Piedade Araújo Sol)
...e que dedico a todos os Apaixonados
segunda-feira, fevereiro 11, 2008
Passo a passo...
Passo a passo, cãibra doce e perpétua.
Ganho corpo de estrada, vincada de sulcos,
de esgares, de solturas de gritos, de rubros....
A roupa que trazes e que eu queria segurar perpétuamente.
O hálito como que a procurar a cama;
o teu hálito como que a provocar o drama,
solto.
Solto-te mas receio que me perca;
perco-me mas receio que te encontre.
Descubro esta cidade que não se escreve
nem se deixa escrever,
nem se julga poeta, dissidente das palavras;
ainda que por exaustão se encarregue de as desenhar letra a letra.
Seguro o teu nome encaixilhado;
seco o teu nome,amanso-o, aliso-o...
Nada me consola.
Nada me separa desse ter-te resumidamente nos dedos.
(Poema de SombrArredia)
sexta-feira, fevereiro 08, 2008
Concerto para os peixes que habitam os meus sonhos
O som dos grilos é estonteante
e o marulhar junta-se
nesta orquestra de cio
estranha atitude
destes insectos que migraram
dos campos prenhes de rubras papoilas
para virem escutar os peixes
é caótico este momento de êxtase
em que a lua nua de luz
se mostra em toda a sua nudez muda e excitante
porque toda a natureza desperta
da letargia que o verão
provoca
trazendo cheiros distantes
e persistentes
porque
as narinas fremem
de desejo fundeado
neste mar
onde campeiam espumas
e o que resta de nós
servirá de repasto
aos pássaros loucos
(Poema de Rogério Saviniano Telo
Traz Outro Amigo Também)
quarta-feira, fevereiro 06, 2008
Há quem diga
Há quem digaque o poema só vale uma ilusão
de salvar do naufrágio a certeza
arrumada além-mar do coração.
Há quem jure
que a alegria vale menos que a pobreza
de carpir a presença da saudade
no sorrir macilento da tristeza.
Também dizemque um poeta só vale a ingenuidade
a cuidar que é verdade o seu amar
sem julgar o que é falso ou realidade.
Ainda assim,
é no todo que eu busco o meu trovar
sem banir a contenda que me assola
no silêncio dos cantos por achar.
(Poema de Nilson Barcelli in NimbyPolis)
Nota: O Poesia Portuguesa passará a publicar na sua versão original, ou seja, às segundas, quartas e sextas-feiras.
Um abraço a todos.
segunda-feira, fevereiro 04, 2008
Poema felino...
Imagem dos Queridos Gatos
Sou gato.
Que terror!
Faça lá o favor,
De não ser fatalista!
Sou gato.
Gato preto, bem preto.
E vivo como um senhor,
Neste mundo,
Que a todos, nos desafia...
Sou gato.
Gosto muito de minha cor,
Quando de toda a ninhada,
Minha mãe a viu pintada,
No terceiro gato que dela nascia,
Deu-me com todo o amor,
Uma inesquecível lambidela,
Que na minha memória de gato,
Me ficou ela gravada,
Para o resto de minha vida!
Sou Gato Preto.
Assumido.
Que presunção,
É a minha!
Mas se vos intimida a cor.
Olhem-me para os olhos,
Que vos espreitam agora,
De forma tão tranquila.
São vivos,
Atentos,
Em permanente expectativa.
A cor?
O Verde da esperança,
Já viram?
Tenho a certeza que vos inspira,
Muito mais autoconfiança.
E neste instante de partilha,
Faço eu meu auto-retrato,
Que por princípio, eu não queria.
Sou gato.
Mas que mistério...
Tanto silêncio me vem desse lado,
Fale-me agora de si,
Pois eu sou como todo o gato,
Que se preza de o ser,
Muito curioso.
Venha daí agora com muita auto- estima,
Aquilo que de si também me fala,
Sua bela fisionomia!
Poema de Beatriz Barroso in Porosidade Etérea
domingo, janeiro 27, 2008
sexta-feira, janeiro 25, 2008
Verde acinte
Imagem de Pedro Moreira
A minha retina
Enamorada
Com a minúcia melancólica
Do verde acinte
Nervurado
A todos os espaços
Lágrimas de prata orvalhadas
Se recolhem no debrum
Até ao leito das rotas
De um tempo breve
Que nos tem à escuta
Ambiguidade
entre o verso e o reverso
que se frui
a cada gesto
lentamente despojando
até à nudez final que só a língua testa
(Poema de ContorNUS)
segunda-feira, janeiro 21, 2008
Roda
Recentemente, foi o vencedor do Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica.
Pela sua simbologia, deixo-vos este poema que retrata um "mundo" muito actual…
Imagem Crestomatia
digo que estes homens de kiev estão a viver
no contentor azul e amarelo e nele dormem, preparam
as frugais refeições no único bico de gás disponível,
cosem as meias, descascam cenouras e batatas e comem
em pratos de alumínio com garfos de plástico, e rezam
em silêncio ao deus ucraniano que sempre os ignora,
o deus que os acompanha nas obras públicas e nos prédios suburbanos
em construção onde trabalham, que os turistas de albufeira
não tardarão a ocupar, com os olhos cheios de um sol que nunca viram,
nunca sentiram queimar assim na sua pele.
digo que estes homens de kiev enchem a boca de um lamento profundo,
que estes homens enchem os olhos de lágrimas que se não vêem
e aqui sonham sem sonhos, com um murmúrio negro a invadir-lhes a cabeça,
como se estivessem para além do último limite, a última exasperação,
estes homens de kiev que não sabem como o mundo pára às vezes
e ao mesmo tempo se amplia, como o coração desesperado
de alguém que viu a partida iminente e, por um instante, estacou,
ainda a neve não derreteu na primeira estação ou os pássaros
nidificaram uma e outra vez na dolorida luz de kiev.
digo que estes homens de kiev devem como todos nós um galo a asclépio
e perscrutam no que é visível tudo o que está invisível nas coisas,
transversal e faminto, amplo e escuro nos subúrbios de albufeira,
procurando na brancura as semelhanças possíveis com o que nunca verão,
tendo já visto tudo, tendo já visto
o mar a inclinar-se sobre os seus corações, num momento longínquos,
nas ruas de albufeira, noutro momento próximos dos subúrbios de kiev,
a pesar argumentos, a exorcizar a morte, a recolher nos braços
uma tristeza infinita, indizível.
digo que no próximo ano estes homens de kiev hão-de chamar
para aqui as mulheres e os filhos, estes ucranianos que vivem no contentor
azul e amarelo na periferia de albufeira, estes violinistas,
estes médicos, estes professores de línguas, que agora dão
serventia de pedreiro e usam a picareta, a pá e a betoneira e sabem
a quantidade exacta de areia e cimento e água e ferro para levantar
estes arcos, onde vibra a tumultuosa música do sofrimento,
talvez como alicerce, talvez como definitivo ajuste de contas
entre isto que se vê e eles não dizem, ou se não vê e eu digo,
como um deus ucraniano de passagem pela periferia de albufeira.
Poema de Amadeu Baptista
(Antecedentes Criminais, Antologia Pessoal 1982-2007)